Produção Antecipada de Provas

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas128-145

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Nota introdutória

Em capítulo anterior (VII), pudemos demonstrar que as normas procedimentais, como é da sua índole, impõem, regra geral, aos litigantes uma rígida disciplina probatória, que, por sua vez, constitui manifestação específica de uma disciplina mais ampla, a que estão sujeitos em toda relação processual.

Nesse quadro de disciplinamento da atividade das partes, no campo das provas, destacam-se as normas fixadoras do momento oportuno para a produção dos elementos probantes, respeitada sempre a previsão legal quanto à partição do correspondente ônus (CLT, art. 818).

Em rigor, a lei estabelece, ao lado do momento, o lugar em que as provas devem ser produzidas, segundo seja a natureza do meio escolhido.

Eventual desrespeito do demandante a essa disciplina traz-lhe, como consequência, a preclusão temporal do direito de demonstrar a veracidade dos fatos em que funda a sua pretensão in iudicio deducta. É conveniente lembrar, a propósito, a regra inscrita no art. 183 do CPC, a teor da qual a exaustão do prazo para a prática do ato acarreta a automática extinção do direito (ou seja, independentemente de declaração judicial nesse sentido), ressalvada, é certo, a existência de justa causa impeditiva da realização do ato processual de incumbência da parte.

Como é elementar, esses momentos oportunos para a prática de tais atos (entre eles, o concernente à produção de provas) pressupõem o ajuizamento da ação principal; por outro lado, revelam a preocupação do legislador em evitar atitudes tumultuárias do procedimento, o que fatalmente ocorreria caso não submetesse a atuação dos litigantes a essa infiexível disciplina ordenadora.

Não é raro, entretanto, surgir para a parte o interesse ou a necessidade de produzir determinada prova antes do instante que a norma legal indica como oportuno, seja para utilizá-la na ação já em curso, ou em ação a ser ajuizada.

Diversas são as razões que impelem a parte a desejar a antecipação do momento de realizar a prova de que necessitará mais tarde: as testemunhas (ou o litigante adverso) encontram-se acometidas de grave enfermidade ou estão na iminência de ausentar-se (do país), em caráter definitivo ou por tempo excessivamente prolongado, de tal maneira que,

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chegado o momento oportuno, na ação principal, já não poderiam ser inquiridas, pois já falecidas ou ausentes. É bem verdade que, nesse último caso, o interrogatório da parte contrária e a inquirição das testemunhas poderiam ser feitos mediante carta rogatória (CPC, art. 202), contanto que a ausência fosse do país; o procedimento moroso e embaraçante que, para isso, teria de ser adotado, porém, recomenda a utilização do procedimento cautelar específico da produção antecipada de provas.

Em outras hipóteses, como de exame pericial destinado a constatar a existência, ou não, de insalubridade ou de periculosidade, a necessidade de antecipar-se a elaboração da prova pretendida pode estar relacionada ao fato de o estabelecimento a ser examinado encontrar-se em vias de ser desativado ou extinto, ou mesmo de passar por uma profunda reformulação, de modo que, a esperar-se o advento do momento adequado, na ação principal, já não haveria condições de ser realizada essa prova. Segue-se que o requerimento, formulado apenas nessa ocasião, haveria de ser indeferido diante da manifesta impraticabilidade da verificação pretendida (CPC, art. 420, parágrafo único, III).

Sempre, pois, que a parte julgar necessária a produção antecipada das provas, em que fundamenta ou fundamentará o seu direito, deverá valer-se do procedimento cautelar de que tratam os arts. 846 a 851 do CPC — desde que presentes os pressupostos legais pertinentes.

Vale registrar que, a despeito de a CLT ser plenamente omissa acerca da matéria, as ações cautelares (e as medidas que lhes são inerentes) apresentam inequívoca compatibilidade com o processo do trabalho, sendo, por isso, de estranhar-se o fato de serem tão pouco utilizadas pelos advogados que militam na Justiça do Trabalho.

Às provas produzidas antecipadamente, a doutrina vogante ao tempo do CPC de 1939 denominava ad perpetuam rei memoriam, na medida em que a sua finalidade era (como hoje ainda é) perpetuar, conservar o meio de prova de que o interessado iria utilizar-se mais adiante.

Quando a antecipação da prova ocorre no curso do processo principal, diz-se que é incidental; vindo a ser feita antes mesmo da propositura da ação principal, tem caráter nitidamente preparatório. Tanto lá como aqui, todavia, ela não perde o seu traço característico de medida cautelar, com procedimento específico e integrante das cautelares nominadas.

Origem O direito estrangeiro

A origem da prova ad perpetuam remonta ao direito romano. Extrai-se essa conclusão pela leitura das “Pandectas”, particularmente do Fr. 40 D. “Ad Legem Aquiliam” (IX, 2) e Fr. 3, § 5.º, D. “De Carboniano edicto” (XXXVII, 10).

Observa Carlo Lessona que na novela 90, Cap. IX, se encontra a verdadeira demons-tração da existência da prova para futura memória (ad perpetuam), embora tendo como pressuposto a lesão, já configurada, do direito. Conclui o ilustre jurista: “Aqui temos, verdadeira e precisamente, a prova para futura memória (...) e, como se vê da premissa

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de Justiniano, ela teria sido criada pela prática judiciária, que o imperador se limitou a consagrar e tornar real”68.

De maneira algo generalizada, o direito estrangeiro moderno — atendida a peculiaridade da legislação de cada país — prevê essa modalidade de prova; podemos citar, como exemplo, Portugal, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, sem embargo de outros.

A prova ad perpetuam também estava no texto das antigas Ordenações portuguesas. Ilustremos com o que dispunham, sobre o assunto, as Afonsinas: “E se o auctor, antes da demanda começada, requerer ao Julgador que lhe sejam perguntadas algumas testemunhas sobre a cousa, que entende demandar, alegando que são muito velhas, ou enfermas de grande enfermidade, ou estão aviadas para se partir para fora do Reino, e que seus ditos stém cerrados para os dar em ajuda de sua prova, e se abrirem e publicarem ao tempo, que com direito se deva fazer, mandalas-a o julgador perguntar, sendo elle primeiramente informado da dita velhice e enfermidade, ou longa absencia, sendo outrossim a parte contraria citada, para ver como juram, em sua pessoa, se poder ser achada, se não à porta de sua casa, presente sua mulher, ou visinhança, que lho hajam de notificar.”

E se por parte do réo for feito semelhante requerimento, ainda que as testemunhas não sejam velhas, nem enfermas, nem esperem ser absentes, serão perguntadas em todo caso, sendo a parte citada em sua pessoa, ou em sua casa, para ver como juram, e as inquirições cerradas, assim como dito he no requerimento feito por parte ao auctor; porque dito réo não sabe quando lhe será feita a demanda, nem está em seu poder de lhe ser feita tarde ou cedo; e se lhe assi não fossem perguntadas as testemunhas em todo o tempo por elle requerido, poderiam falecer ao tempo da demanda feita, e perecer seu direito.

Iter, a vistoria poderia ser efetuada ad perpetuam rei memoriam, como relata Lobão: “Podem-se figurar muitos casos em que seja necessária Vistoria ainda mesmo antes do ingresso da lide, e ‘ad perpetuam rei memoriam’; como v. g. examinando-se o damno feito em hum animal, em huma escrava, e em qualquer cousa que possa variar de estado no progresso da demanda, Código Civil do Imperador José II, § 202”69.

O Regulamento Imperial n. 737, de 1850, não se descuidou da matéria, à qual dedicou o Título VII — “Processos Preparatórios, Preventivos e Incidentes”; o seu art. 178 dispunha sobre a produção ad perpetuam da prova testemunhal: “Se alguma testemunha houver de ausentar-se, ou por sua avançada idade ou estado valetudinário houver receio de que ao tempo da prova já não exista, poderá, citada a parte, ser inquirida a requerimento dos interessados, aos quais será entregue o depoimento para dele se servirem quando e como lhes convier”.

Anota Moacyr Amaral Santos que o referido Regulamento era omisso acerca do depoimento das partes, observando, entretanto, que a doutrina, calcada nas próprias Ordenações

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reinóis e em Ribas, permitia o depoimento ad perpetuam, embora “apenas antes do período probatório, mas depois de intentada a ação, nunca anteriormente a esta”70.

Torna-se necessário esclarecer que o Regulamento n. 737 também nada continha a respeito da produção ad perpetuam de exames ou perícias; ambos os meios de prova, contudo, eram admitidos pela doutrina e pela jurisprudência, tanto em caráter preparatório (antes da propositura da ação) quanto incidental (no curso desta). Nessa última hipótese, a prova ad perpetuam era consentida ainda que os autos se encontrassem em segundo grau de jurisdição (“segunda instância”, na linguagem imperfeita da época).

Tempos depois, os códigos de processo estaduais, inspirados naquele notável Regulamento, previram a prova ad perpetuam rei memoriam; em linhas gerais, os casos de admissibilidade da medida eram semelhantes aos existentes no Regulamento n. 737: permitiam o depoimento dos litigantes apenas depois de proposta a ação, antes ou após a dilação probatória; já os exames e as vistorias (ad perpetuam) eram admitidos inclusive como medida preventiva.

Medidas preventivas e preparatórias

Segundo a dicção do art. 796 do CPC vigente, o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal, deste sendo sempre dependente.

Posta à margem a investigação quanto ao...

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