Produção Antecipada de Provas

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região. Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas134-186

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Nota introdutória

Em capítulo anterior (VII), pudemos demonstrar que as normas procedimentais, como é da sua índole, impõem, regra geral, aos litigantes uma rígida disciplina probatória, que, por sua vez, constitui manifestação específica de uma disciplina mais ampla, a que estão sujeitos em toda relação processual.

Nesse quadro de disciplinamento da atividade das partes, no campo das provas, destacam-se as normas fixadoras do momento oportuno para a produção dos elementos probantes, respeitada sempre a previsão legal quanto à partição do correspondente ônus (CLT, art. 818).

Em rigor, a lei estabelece, ao lado do momento, o lugar em que as provas devem ser produzidas, segundo seja a natureza do meio escolhido.

Eventual desrespeito do demandante a essa disciplina traz-lhe, como consequência, a preclusão temporal do direito de demonstrar a veracidade dos fatos em que funda a sua pretensão in iudicio deducta. É conveniente lembrar, a propósito, a regra inscrita no art. 200 do CPC, a teor da qual a exaustão do prazo para a prática do ato acarreta, entre outras consequências, a automática extinção de direitos processuais (ou seja, independentemente de declaração judicial nesse sentido), ressalvada, é certo, a existência de justa causa impeditiva da realização do ato processual de incumbência da parte.

Como é elementar, esses momentos oportunos para a prática de tais atos (entre eles, o concernente à produção de provas) pressupõem o ajuizamento da ação principal; por outro lado, revelam a preocupação do legislador em evitar atitudes tumultuárias do procedimento, o que fatalmente ocorreria caso não submetesse a atuação dos litigantes a essa infiexível disciplina ordenadora.

Não é raro, entretanto, surgir para a parte o interesse ou a necessidade de produzir determinada prova antes do instante que a norma legal indica como oportuno, seja para utilizá-la na ação já em curso, ou em ação a ser ajuizada.

No sistema do CPC de 1973, a produção antecipada de provas integrava o capítulo dedicado aos procedimentos cautelares específicos (arts. 846 a 851) e se justificava nos casos em que a parte ou a testemunha: a) tivesse de ausentar-se (por longo período);

b) por motivo de idade ou de moléstia grave houvesse justo receio de que ao tempo da prova já não existisse, ou estivesse impossibilitada de depor (art. 847).

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O CPC de 2015 alterou essa disciplina, prevendo a produção antecipada de prova nos casos mencionados no art. 381, a saber: I - quando houver fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II - quando a prova a ser produzida for suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de confiito; III - quando o prévio conhecimento dos fatos puder justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

Sob certo aspecto, podemos afirmar que as situações previstas no art. 847, do CPC de 1973, estão compreendidas na disposição genérica do art. 381, inciso I, do Código atual. Por outro lado, conquanto o CPC de 2015 - à dessemelhança do CPC anterior - não contenha um Livro destinado ao processo cautelar, a produção antecipada de provas, sob o ponto de vista sistemático, participa dessa natureza, quando menos, no caso do inciso I do art. 381, conjugado com o art. 300, do mesmo Estatuto Processual.

Em outras hipóteses, como de exame pericial destinado a constatar a existência, ou não, de insalubridade ou de periculosidade, a necessidade de antecipar-se a elaboração da prova pretendida pode estar relacionada ao fato de o estabelecimento a ser examinado encontrar-se em vias de ser desativado ou extinto, ou mesmo de passar por uma profunda reformulação, de modo que, a esperar-se o advento do momento adequado, na ação principal, já não haveria condições de ser realizada essa prova. Segue-se, que o requerimento, formulado apenas nesta última situação, haveria de ser indeferido diante da manifesta impraticabilidade da verificação pretendida (CPC, art. 464, § 1.º, III). Ressalve-se, contudo, a possibilidade de o juiz, a requerimento das partes ou ex officio, substituir a perícia (inclusive, a impraticável) pela produção de prova técnica simplificada, sempre que o ponto controverso apresentar menor complexidade (art. 464, § 3.º), caso em que a prova consistirá somente na inquirição de especialista, pelo juiz (ibidem, § 3.º).

Sempre, pois, que a parte julgar necessária a produção antecipada das provas, em que fundamenta ou fundamentará o seu direito, deverá valer-se do procedimento traçado pelos arts. 381 a 383, do CPC - desde que presentes os pressupostos legais correspondentes.

Às provas produzidas antecipadamente, a doutrina vogante ao tempo do CPC de 1939 denominava ad perpetuam rei memoriam, na medida em que a sua finalidade era (como hoje ainda é) perpetuar, conservar o meio de prova de que o interessado iria utilizar-se mais adiante.

O CPC de 1973 declarava, no art. 847, que a produção antecipada de provas poderia ser requerida tanto antes do ajuizamento da ação principal, quanto no curso desta. Surpreende-nos, por isso, o inciso I do art. 381, do CPC de 2015, ao asseverar que a produção antecipada de provas será admissível quando se tornar impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação. Data venia, esse procedimento poderá ser instaurado mesmo antes do ajuizamento da ação, desde que estejam presentes os requisitos legais, sob pena de grave transgressão aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. Aliás, o próprio § 5.º do art. 381 deixa clara a possibilidade de a produção antecipada de provas não se vincular a qualquer processo, seja atual ou futuro, ao permitir a sua utilização para efeito de simples documentação, ou seja, sem caráter contencioso.

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Quando a antecipação da prova ocorre no curso do processo principal, diz-se que é incidental; vindo a ser feita antes mesmo da propositura da ação principal, tem caráter antecedente. Tanto lá como aqui, todavia, ela não perde o seu traço característico de medida cautelar, com procedimento específico.

Origem O direito estrangeiro

A origem da prova ad perpetuam remonta ao direito romano. Extrai-se essa conclusão pela leitura das "Pandectas", particularmente do Fr. 40 D. "Ad Legem Aquiliam" (IX, 2) e Fr. 3, § 5.º, D. "De Carboniano edicto" (XXXVII, 10).

Observa Carlo Lessona que na novela 90, Cap. IX, se encontra a verdadeira demons-tração da existência da prova para futura memória (ad perpetuam), embora tendo como pressuposto a lesão, já configurada, do direito. Conclui o ilustre jurista: "Aqui temos, verdadeira e precisamente, a prova para futura memória (...) e, como se vê da premissa de Justiniano, ela teria sido criada pela prática judiciária, que o imperador se limitou a consagrar e tornar real"68.

De maneira algo generalizada, o direito estrangeiro moderno - atendida a peculiaridade da legislação de cada país - prevê essa modalidade de prova; podemos citar, como exemplo, Portugal, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, sem embargo de outros.

A prova ad perpetuam também estava no texto das antigas Ordenações portuguesas. Ilustremos com o que dispunham, sobre o assunto, as Afonsinas: "E se o auctor, antes da demanda começada, requerer ao Julgador que lhe sejam perguntadas algumas testemunhas sobre a cousa, que entende demandar, alegando que são muito velhas, ou enfermas de grande enfermidade, ou estão aviadas para se partir para fora do Reino, e que seus ditos stém cerrados para os dar em ajuda de sua prova, e se abrirem e publicarem ao tempo, que com direito se deva fazer, mandalas-a o julgador perguntar, sendo elle primeiramente informado da dita velhice e enfermidade, ou longa absencia, sendo outrossim a parte contraria citada, para ver como juram, em sua pessoa, se poder ser achada, se não à porta de sua casa, presente sua mulher, ou visinhança, que lho hajam de notificar."

"E se por parte do réo for feito semelhante requerimento, ainda que as testemunhas não sejam velhas, nem enfermas, nem esperem ser absentes, serão perguntadas em todo caso, sendo a parte citada em sua pessoa, ou em sua casa, para ver como juram, e as inquirições cerradas, assim como dito he no requerimento feito por parte ao auctor; porque dito réo não sabe quando lhe será feita a demanda, nem está em seu poder de lhe ser feita tarde ou cedo; e se lhe assi não fossem perguntadas as testemunhas em todo o tempo por elle requerido, poderiam falecer ao tempo da demanda feita, e perecer seu direito."

Iter, a vistoria poderia ser efetuada ad perpetuam rei memoriam, como relata Lobão: "Podem-se figurar muitos casos em que seja necessária Vistoria ainda mesmo antes do

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ingresso da lide, e ‘ad perpetuam rei memoriam’; como v. g. examinando-se o damno feito em hum animal, em huma escrava, e em qualquer cousa que possa variar de estado no progresso da demanda, Código...

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