Produção das normas constitutivas de declaração de nulidade e de invalidação

AutorRosmar Rodrigues Alencar
Páginas415-490
379
CAPÍTULO 9
PRODUÇÃO DAS NORMAS CONSTITUTIVAS
DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE E DE
INVALIDAÇÃO
9.1 Plano concreto: processo penal condenatório
Ao falar do plano concreto, este estudo refere às nulida-
des, cuja sede própria, em sentido estrito, é a do processo pe-
nal condenatório. No entanto, o fato do Código de Processo
Penal só aludir às “nulidades” passíveis de ocorrer no proces-
so penal condenatório (art. 564, do Código de Processo Penal),
não deve significar que outros atos procedimentais (próprios
do inquérito policial) e processuais (da execução penal) este-
jam imunes a controle do Judiciário.
É no processo penal condenatório que será reconhecida
atipicidade de ato processual, com a inserção do ato na
classificação respectiva: inexistência, nulidade (absoluta
ou relativa) ou irregularidade. A produção normativa se dá
pelo magistrado com competência para processar e julgar o
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
processo com ato defeituoso. A norma produzida é individual,
porque se refere a ato de processo penal específico, e concreta,
eis que capaz de inquinar o ato viciado da mácula depreendida
a partir do elemento afetado do ato processual impugnado.
Na realidade, a “nulidade”, tomada em sentido amplo
(rectius: atipicidade), é fenômeno que pode ser dotado de
maior plasticidade que aquela desejada pelo legislador do
Código de Processo Penal de 1941. O nome que se queira dar
às atipicidades não modifica a realidade da existência de um
ato jurídico cuja conformação destoe de sua previsão pelo or-
denamento jurídico. A relevância da escolha do rótulo tem
muito mais a função de conferir fundamentação lógica ao dis-
curso, do que de alterar a substância do ato imperfeito.
Explicando o problema da extensão das nulidades, Paulo
Cláudio Tovo e João Batista Marques Tovo asseveram que “a
nulidade pode ser do processo, do procedimento, de ato pro-
cessual ou de parte deste”, diferenciando que será: (1) do pro-
cesso em sua totalidade, tal como se dá com vício que atinge
toda a atividade processual, desde o início, como nas hipó-
teses do art. 564, incisos I (suspeição ou suborno do juiz), II
(ilegitimidade de parte) e III (falta de denúncia ou queixa),
do Código de Processo Penal; (2) do procedimento quando
afetada apenas parte da atividade processual (a exemplo da
incompetência do juízo que anula somente atos decisórios); e
(3) do ato processual ou de parte dele, no caso de vício que não
interfira em outros atos422.
Mas o problema das atipicidades pode ter lugar em toda a
persecução penal estatal. Vale dizer, investigação preliminar e
execução penal podem ferir ilegalmente direitos do imputado.
Também a tutela cautelar pode ser aplicada de forma contrá-
ria à ordem jurídica. Não devem tais atos ser não sindicáveis,
como a doutrina costuma sugerir relativamente aos vícios do
422. TOVO, Paulo Cláudio; TOVO, João Batista Marques. Nulidades no processo pe-
nal brasileiro: novo enfoque e comentário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.13.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
inquérito policial, simplificando a questão ao dizer que os de-
feitos do inquérito policial não maculam o processo penal.
O problema que circunda as atipicidades não está restri-
to ao direito processual penal brasileiro. Para ilustrar, veja-se
o que diz João Conde Correia, ao analisar a mesma matéria
no direito português. O autor inicia sua obra destacando que
“uma visão superficial e sincrética da teoria das nulidades
processuais penais, colhida nas imagens simbólicas do quoti-
diano, revela simplicidade doutrinal, limpidez legal e agilida-
de jurisprudencial”.
Contudo, contrapõe o mesmo jurista que tal perspectiva
apriorística não passa “de uma miragem efêmera, que se des-
vanece numa análise profunda e científica, para dar lugar a
um mundo de incertezas, dúvidas e contradições”. O que se
vê, nas palavras do processualista português, é um lugar co-
mum “onde o direito positivo, a doutrina e a jurisprudência
se entrecruzam, de forma anárquica, num caos quase insu-
perável. A aparente solidez do sistema desfaz-se num ápice,
mostrando uma crise profunda e insuspeitada”, fato que evi-
dencia a “superficialidade da maioria das reflexões sobre o
tema”423.
9.2 Percurso judicial da fundamentação da decisão
de nulificação de ato processual: do plano geral e
abstrato ao plano individual e concreto
A incidência dos tipos que formatam os atos processuais,
sendo deficiente, faz nascer o dever do juiz de incidir a norma
jurídica que o compele a declarar a espécie de vício processu-
al. São duas as operações lógicas relacionadas. A primeira é a
subsunção entre conceitos conotativos (norma geral e abstra-
ta) e conceitos denotativos (norma individual e concreta). A
423. CORREIA, João Conde. Contributo para a análise da inexistência e das nulida-
des processuais penais. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1999. p.13.
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