Professional training in Social Work in Brazil: a trajectory built by advances and challenges/A formacao profissional em Servico Social no Brasil: uma trajetoria construida por avancos e desafios.

AutorPortes, Melissa Ferreira

Introducao

O artigo apresentado e fruto das discussoes realizadas por dois grupos de pesquisa sobre formacao profissional em Servico Social, ambos desenvolvidos em uma universidade estadual do Parana. Tem por finalidade, atraves de uma revisao de literatura, apontar elementos para fomentar o debate acerca da formacao profissional em Servico Social, recuperando a trajetoria da formacao de assistentes sociais no Brasil e apresentando os distintos projetos formativos que se fizeram presentes nesta trajetoria.

Para problematizar os caminhos da formacao profissional em Servico Social, realiza-se uma analise considerando o panorama do ensino superior brasileiro, de modo a apontar algumas tendencias presentes e que repercutem na formacao de assistentes sociais, considerando o carater privatista predominante das Instituicoes de Ensino Superior (IES) que ofertam os cursos de Servico Social.

O texto se encerra com a apresentacao de elementos considerados fundamentais para se pensar a formacao profissional e que merecem ser aprofundados pela categoria profissional, particularmente para os sujeitos envolvidos com a formacao de assistentes sociais.

  1. Os diferentes projetos formativos na trajetoria socio-historica do Servico Social brasileiro

No contexto da genese da profissao no Brasil, na decada de 1930, a formacao profissional dos primeiros assistentes sociais foi tributaria da influencia do humanismo cristao e do neotomismo. Uma formacao profissional com forte influencia da doutrina social da Igreja Catolica e do modelo formativo franco-belga. Esta formacao doutrinal era tida como necessaria para fornecer aos assistentes sociais uma concepcao de vida, de homem e de mundo fundamentada em principios cristaos. Para assegurar a formacao dos agentes sociais nesta perspectiva, as escolas de Servico Social atuariam para "desenvolver a personalidade dos alunos, garantir a formacao profissional, dando-lhes o conhecimento dos problemas sociais e a tecnica do trabalho a ser realizado nesse terreno" (FERREIRA, 1939, p. 3).

A profissao era entendida como sendo uma vocacao, uma filosofia de vida embasada numa concepcao religiosa. A finalidade da formacao estava voltada para construir uma carreira baseada na dedicacao e desinteresse, buscando restaurar a vida social dos seus irmaos, estando sensivel aos seus problemas. O papel do Servico Social era ajudar na restauracao da ordem social crista, atraves de um trabalho com tecnica, mas tambem de coracao, pois sua atividade deveria ser a de um apostolado de caridade.

Para Ferreira (1939), no processo de formacao dos assistentes sociais era preciso levar em consideracao quatro aspectos: formacao cien tifica, tecnica, pratica e pessoal. Segundo Sa (1995), a formacao deveria fundamentar-se em criterios exigentes em termos da personalidade das assistentes sociais, importando nao so o preparo tecnico, mas moral. A formacao e o ensino em Servico Social serao envolvidos nesta perspectiva, direcionados para formar profissionais que intervenham de forma moralizadora, de carater individualizado e psicologizante, na qual os problemas sociais sao concebidos como disfuncoes sociais, julgadas moralmente segundo uma concepcao de normalidade dada pelos valores cristaos (BARROCO, 2008). Exigem-se, entao, certas qualidades indispensaveis ao agir do assistente social, que deve estar em consonancia com os principios de sua doutrina, a qual nao se deve so conhecer, mas muito mais-viver. E que principios seriam estes? O da justica e da caridade.

Se, ate meados dos anos 1940, a formacao profissional era essencialmente doutrinaria, e as escolas, em sua maioria, estavam vinculadas ao bloco catolico, nos anos 1950 a formacao era direcionada para a tecnica especializada. A linguagem doutrinaria e o conhecimento aristotelico-tomista continuaram rebatendo e influenciando o curriculo das escolas, mas uma outra racionalidade foi se apresentando: a linguagem positivista-funcionalista. A partir da interferencia politica e economica dos Estados Unidos da America (EUA) no Brasil, atraves de diferentes acordos estabelecidos entre os governos, ocorreu o intercambio do Servico Social norte-americano com o latino-americano. Por meio deste, as Escolas de Servico Social da America Latina receberam convites do governo dos EUA para participarem da Conferencia Nacional de Servico Social, que foi realizada em Atlantic City, sendo promovida pela American Association of Schools, em 1941.

Desta primeira aproximacao resultou um programa de bolsas de estudos para assistentes sociais sul-americanas, visando ao aperfeicoamento e a especializacao em escolas de Servico Social norte-americanas. Alimentado pela busca de uma metodologia para o Servico Social, o seu ensino passou a ser influenciado pelo modelo norte-americano, trazido para o Brasil pelas profissionais que participaram do aperfeicoamento nos EUA e atraves de traducao de livros. Ocorreu, desta forma, uma importacao dos metodos e das tecnicas do Servico Social de casos, inicialmente e, depois, do Servico Social de grupo e do desenvolvimento de comunidade. Importante frisar que, nos EUA, o Servico Social de casos foi o mais desenvolvido no periodo das bolsas, destacando-se as obras de Mary Richmond e Gordon Hamilton.

A formacao profissional, neste contexto, calcou-se na cientificidade e teve por objetivo compreender as perturbacoes de ordem economica ou de ordem juridico-social para auxiliar o individuo a realizar sua vida. A "pratica profissional" ancorou-se em teorias comportamentais e teorias da personalidade. Essa influencia expressou-se no processo formativo atraves dos projetos pedagogicos e, particularmente, da organizacao da estrutura curricular. Os assistentes sociais precisavam ser formados dentro dessa racionalidade, buscando conhecer as causas que originavam os desajustamentos dos individuos e de suas familias, assim como identificar as causas do desajustamento do ambiente social. Preocupavam-se em centrar seu foco de atuacao na personalidade do cliente, buscando mudar seus comportamentos e atitudes, no sentido de ajusta-lo ao meio social para que pudesse cumprir seu papel no sistema vigente.

Eivada da perspectiva modernizadora, a formacao profissional nas decadas de 1960 ate 1970 foi se adequando para atender as exigencias postas pelos processos sociopoliticos emergentes no pos-64, dotando a profissao de um cariz tecnocratico, inserindo-a numa moldura teorica e metodologica exigida pela racionalidade burocratica das reformas promovidas pelo Estado ditatorial (NETTO, 2009). Na conjuntura do final de 1960, estendendo-se nas decadas subsequentes, a profissao foi objeto de analise e reflexao, explicitando seu vinculo com a proposta desenvolvimentista e problematizando seu referencial teorico-metodologico.

Assim, em fins da decada de 1970 e inicio da de 1980, a formacao profissional do assistente social passou a ser questionada, iniciando um ciclo de debates sobre a questao. Esse periodo representou um marco historico significativo para o Servico Social brasileiro, uma vez que explicita a construcao de um processo de "revisao profissional", tanto no ambito da formacao quanto do exercicio profissional, entrelacado a conjuntura socioeconomica e politica brasileira, que incide, diretamente, nos processos organizativos e formativos dos assistentes sociais, no contexto de Ditadura Militar.

A proposta de reforma curricular que se iniciou em 1978 e culminou no curriculo de 1982 significou um avanco para o processo formativo na medida em que buscou romper com a perspectiva de analise predominante no Servico Social, a-classista e a-historica, tomando como referencia a realidade social. Carvalho, Bonetti e lamamoto (1984) consideram que este projeto de formacao, que vai se forjando, precisa assumir uma direcao social vinculada aos interesses coletivos das classes subalternas.

No clamor do periodo de efervescencia politica, o curriculo de 1982 do curso de Servico Social foi aprovado como fruto de um processo de revisao curricular promovido pela entao Abess, em 1979, tendo como marco a XXI Convencao Nacional da Abess. Dessa forma, ficou estabelecido, para implantacao do novo curriculo em todas as unidades de ensino...

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