O mercado de trabalho dos profissionais de nível educacional superior — uma visão ocupacional e suas implicações

AutorRoberto Macedo
Ocupação do AutorEconomista (UFMG e USP), com mestrado e doutorado pela universidade Harvard (EUA)
Páginas140-159

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Introdução

Desde sua introdução no Brasil os cursos superiores de graduação são de natureza profissional. Já no início do ensino médio os estudantes procuram alguma especialização ao optar entre ciências humanas, exatas ou biológicas, de olho no vestibular de ingresso no ensino superior. Nesse exame, a opção é por cursos profissionais de uma dessas grandes áreas, a exemplo de Direito, Engenharia e Medicina, respectivamente.

Em tese, um sistema como esse formaria profissionais que no mercado de trabalho encontrariam ocupações típicas da formação profissional escolhida, como as de advogado ou magistrado, no caso dos bacharéis em Direito. Essa

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visão, entretanto, ignora que o mercado de trabalho se organiza por ocupações, definidas pela natureza da atividade efetivamente exercida, as quais existem em número muito maior do que o das profissões. Ignora também que embora muitas ocupações tenham um diploma de curso superior de graduação como requisito educacional, em várias delas tal requisito é definido de forma muito flexível, como nas de agentes fiscais tributários e diplomatas, em que é preenchido por qualquer diploma desse tipo.

A mesma visão também despreza o fato de que o mundo das ocupações é muito mais dinâmico do que o sistema de ensino superior. Por exemplo, com o surgimento e avanço da internet, vieram novas ocupações como a de desenhista de portais — o webdesigner—, e a de blogueiro.

Contrastando com esse dinamismo ocupacional, nosso sistema de ensino superior de graduação teve sua origem e expansão sempre marcada por mais cursos do mesmo tipo e alguns novos, mas sempre numa visão segmentada profissionalmente, tudo em instituições marcadas por extremo conservadorismo em mudar suas estruturas curriculares e práticas de ensino. Duas inovações que se consolidaram na última década foram a criação dos cursos profissionalizantes com duração de dois anos e o ensino superior a distância, mas sempre na linha da mesma visão profissional que despreza o mundo das ocupações.

Ademais, no mercado de trabalho não se pode esperar que o número de vagas oferecidas em ocupações típicas dos profissionais formados em cada curso de graduação esteja bem próximo do número desses graduados, este somado àqueles que se formaram no passado e não encontraram ocupações específicas de cada curso.

Como resultado dessas e outras circunstâncias, a correspondência entre profissões e suas ocupações típicas nem sempre ocorre, e sabe-se que em geral o descolamento entre esses dois grupos aumentou entre os censos de 1980 e 2000. Quando concluíamos este texto, em abril de 2012, os microdados do censo de 2010 ainda não estavam disponíveis para permitir a análise do que aconteceu na última década.

Focado na análise dessa dissonância entre profissões e suas ocupações típicas e em algumas de suas implicações, e sempre no âmbito das profissões de nível educacional superior, o texto a seguir foi organizado em seis seções. A primeira revê os conceitos de profissão e de ocupação, mostrando suas inter-relações e a necessidade de maior difusão dos conceitos e do conteúdo analítico da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). A seção 2 apresenta alguns exemplos de dissonâncias e convergências entre profissões e suas ocupações típicas. A terceira sintetiza na tríade do ciclo VOP (vocação-profissão-ocupação),

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uma visão da dinâmica que vai da vocação à profissão, em seguida às ocupações, e destas eventualmente à mudança de profissão. A seção 4 conceitua o especialista generalizante, o profissional que tipifica esse processo com maior sucesso, pois, embora especialista, tem condições de ampliar seu leque de oportunidades no mercado de trabalho, dada sua capacidade de desempenhar várias ocupações. A quinta seção trata da era pós-profissional, um conceito desenvolvido pela socióloga ítalo-americana Magali Sarfatti, o qual mostra que a pulverização ocupacional enfraquece o conceito tradicional de profissão. A seção 6 conclui com implicações da análise na forma de propostas para ampliar a orientação profissional estendendo-a à ocupacional, e para mudar a estrutura dos cursos de graduação no Brasil, com a adoção de um ciclo básico e interdisciplinar previamente à busca de alguma especialização profissional nesse nível. A especialização maior caberia à pós-graduação, ainda que já admitindo-a em grau elevado na graduação em alguns cursos por tradição mais especializados, como os de Engenharia, mas também com um conteúdo de interdisciplinaridade no seu ciclo básico. Além disso, numa temerária incursão numa das áreas em que se destaca o homenageado por este livro, também será apresentada uma implicação quanto às relações do trabalho, no caso da estrutura das organizações sindicais. Cada seção é dividida em subseções para facilitar a leitura.

Profissões e ocupações

Uma das dificuldades a serem superadas para permitir o avanço do conceito de ocupação e das análises ocupacionais no Brasil é que esse conceito é pouco difundido fora de círculos especializados, como o de administradores de recursos humanos. Assim, retomarei esse conceito, voltando primeiro ao de profissão que é mais difundido e às vezes até estendido a ocupações que equivocadamente são chamadas de profissões.

Estas últimas são as titulações alcançadas com a formação educacional, como, por exemplo, as de bacharel em Direito ou em Economia, cujos detentores são usualmente chamados de advogados e economistas, respectivamente. Por sua vez, ocupação é o que de fato uma pessoa faz no mundo do trabalho.

Mais especificamente, uma ocupação é a designação dada ao responsável por "um agrupamento de tarefas, operações e outras manifestações que constituem as obrigações atribuídas a um trabalhador e que resultam na produção de bens e serviços", segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), organizada e revista periodicamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e à qual voltaremos mais à frente.

Há ocupações típicas de cada profissão. Por exemplo, a de um engenheiro civil ocupado como tal na construção civil. Entretanto, também pode acontecer

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que esse engenheiro acabe por trabalhar em ocupações atípicas da sua formação profissional. Por exemplo, bancos costumam contratar engenheiros como analistas financeiros e é comum encontrá-los ocupados em tarefas administrativas em geral e como fiscais de impostos federais, estaduais e municipais.

A propósito, pode-se imaginar uma profissão como o tronco de uma árvore na "floresta" do mercado de trabalho. Com seus galhos ela leva a várias ocupações típicas dessa profissão. Às vezes, entretanto, os galhos de um tronco se entrelaçam e se comunicam com os de outro, de tal forma que é difícil identificar o tronco a que pertencem. Assim, há ocupações que podem ser exercidas por diferentes profissionais. Por exemplo, as de analista financeiro e de gerente de crédito e cobrança são típicas tanto de economistas, como de administradores e contadores.

Na metáfora em que o diploma é imaginado como uma prancha, e que deu título a meu livro citado na primeira nota de rodapé [MACEDO (1998)], as pessoas nela se sustentam para surfar num mar de oportunidades ocupacionais, cujas ondas muitas vezes levam o surfista a ocupações atípicas da profissão original. Pode-se também imaginar, por exemplo, que engenheiros venham a surfar nas praias mais buscadas por economistas. Disso decorrem várias implicações que serão retomadas mais adiante neste texto. Uma delas é que as pessoas precisam se preparar para buscar ou encontrar ocupações tanto típicas como atípicas de sua profissão. Outra, já apontada, é que os cursos universitários deveriam facilitar esse preparo mediante oferecimento de ciclos básicos comuns a vários cursos ou formações profissionais.

Profissões e ocupações: quando os conceitos se confundem

A ocorrência disso é comum e vamos nos restringir a um único exemplo, que abrange vários casos e também enseja várias reflexões. Em 2008, a revista Você S/A mostrou interessante matéria intitulada A era do trabalho 2.0, em que apresentava "dez profissões (ênfase nossa) que até bem pouco eram desconhecidas".1 Na realidade, eram ocupações (idem) que detalhavam o que faziam os profissionais entrevistados na matéria. Felizmente, o texto também revelou as profissões de quase todos os envolvidos nessas ocupações, o que não significa que tenham mudado de profissão, mas, sim, que exerciam ocupações pouco conhecidas, típicas ou não das profissões que escolheram.

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Para esclarecer melhor, listaremos as ocupações de que trata a reportagem e, entre parênteses, as profissões declaradas pelos entrevistados, quando isso ocorreu, ou indicações, também dadas pelos mesmos, de quais seriam. A lista: desenvolvedor de sementes (agrónomo), arquiteto da informação, farmaco-economista (administração, economia, farmácia e medicina), marketing olfativo (comunicação), consultor de agricultura sustentável (agrónomo), cientista do exercício (educação física), ocupado em webmarketing (jornalista), articuladora de parcerias (jornalista), gerente de diversidade (economista com pós em comércio internacional e marketing), e corretora online (marketing).

Como distinguir profissão de ocupação?

Na sua essência, a profissão é um atributo da pessoa. A ocupação, da atividade que ela exerce...

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