Programa de Aprendizagem no Setor Público: Um Relato de Experiência

AutorMariane Josviak/Regina Bergamaschi Bley/Silvia Cristina Trauczynski
Páginas114-122

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1. Uma breve introdução

A Prefeitura Municipal de Curitiba, por meio da Fundação de Ação Social — FAS, gestora da assistência social integrada à rede socioassistencial deste município (CURITIBA, 2014), coordena e administra a contratação de adolescentes aprendizes, em parceria com entidades sem fins lucrativos previamente inscritas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente — COMTIBA, para atuação na FAS e na Secretaria Municipal de Finanças.

Embora o citado ente da Administração Pública não estivesse obrigado a efetuar a contratação de aprendizes, decidiu assim fazê-lo, deparando-se, entretanto, com diversos desafios na condução desse trabalho, especialmente no que se refere à gestão de pessoas.

Diante disso, surgiu a necessidade de novos estudos e pesquisas a fim de que o período de aprendizado desses adolescentes cumprisse com os objetivos legais, mas também, beneficiasse o órgão gestor. Sendo assim, tais indagações culminaram em um projeto de gestão por competências, o qual desde o ano de 2013 vem sendo aplicado e avaliado para um constante aprimoramento. As análises iniciaram no começo do ano e sua implantação se deu a partir do ingresso de novos 40 aprendizes contratados em la de agosto desse mesmo ano.

Sabendo que na atualidade a contratação de aprendizes é um tema polémico que inspira diferentes opiniões entre os empresários, a sociedade civil e a Administração Pública em geral, objetiva-se a partir deste trabalho, especificamente, relatar a experiência de contratação de adolescentes aprendizes na Prefeitura Municipal de Curitiba e expor as reflexões que embasaram essa decisão. Mas, para que seja possível adentrar o palco em que os debates

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sobre esta temática se expressam é apropriado atentar-se para o cenário legal atinente à aprendizagem no Brasil, sobre o qual se apresentará um breve resgate.

1.1. A aprendizagem no sistema legal brasileiro

No Brasil, o sistema legal vigente relativo à aprendizagem contempla principalmente a Lei n. 10.097/2000, o Decreto n. 5.598/2005, o qual regulamenta a primeira, e o Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA.

A Lei n. 10.097/2000 altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT — proibindo, em seu art. 403, "qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos" (BRASIL, 2000). Portanto, o menor, para efeitos dessa normativa, é o trabalhador de quatorze até dezesseis anos, o qual deve desempenhar sua prática de aprendizagem em local adequado, isto é, de acordo com o parágrafo único do art. 403, que não o exponha a prejuízos relativos "à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola" (BRASIL, 2000).

Tal contrato de aprendizagem é definido em seu art. 428 como "contrato de trabalho especial" (BRASIL, 2000), o qual é condicionado a ser escrito, pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, deve ter prazo determinado de no máximo dois anos e responsabilizar o empregador pela formação técnico-profissional metódica do menor, já devidamente inscrito em programa de aprendizagem sob a orientação de entidade qualificada, e asseverar que este, na condição de aprendiz, esteja matriculado e frequentando a escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, bem como execute com o devido comprometimento as tarefas inerentes a sua formação, a qual deve ser compatível com o seu "desenvolvimento físico, moral e psicológico", conforme preconiza o art. 428 da citada legislação (BRASIL, 2000).

Essa formação técnico-profissional refere-se a um conjunto de atividades teóricas e práticas, organizadas sistematicamente de modo que o nível de complexidade seja progressivo e, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA, em seu art. 68, § 1e, priorize o aspecto pedagógico em detrimento do produtivo no ambiente de trabalho (BRASIL, 1990). O Decreto n. 5.598/2005, em seu art. 7°, inciso III, explicita que essa formação deve oportunizar "capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho" (BRASIL, 2005). Ainda, ao término do curso de aprendizagem, mediante avaliação de aproveitamento, será concedido aos aprendizes certificado de qualificação profissional. Em síntese, o trabalho é assegurado ao adolescente como um direito que envolve profissionalização e proteção.

O contrato de aprendizagem pode extinguir-se no seu termo ou quando o aprendiz completar a idade limite de dezoito anos ou antecipadamente em caso de "desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; falta disciplinar grave; ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou a pedido do aprendiz", conforme o art. 433 da CLT, incisos I a IV (BRASIL, 2000).

Em linhas gerais, estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a contratar aprendizes em número equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em seu quadro de pessoal, cujas funções demandem

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formação profissional (BRASIL, 2000). Entretanto, não é dever da Administração Pública, com exceção das sociedades de economia mista e empresas públicas (BRASIL, 2011), a contratação de aprendizes, ou seja, nesse âmbito específico a execução de um programa de aprendizagem é discricionária.

Todavia, o município de Curitiba decidiu implementar essa política pública para o jovem e manifestou tal decisão por meio da Lei n. 13.406 de 21 de dezembro de 2009, que instituiu o programa municipal de aprendizagem para adolescentes de Curitiba, contemplando a contratação de aprendizes no âmbito da Administração Municipal Direta, autarquias e fundações executoras do programa, sob a gestão da Fundação de Ação Social — FAS (CURITIBA, 2009).

2. A decisão do município de Curitiba pela contratação de aprendizes

A decisão pela contratação apresentou-se como a opção mais adequada do ponto de vista do comprometimento social, contudo, trouxe consigo alguns desafios. O primeiro deles foi o fato de lidar com um contrato de aprendizagem que não poderia oferecer a possibilidade de efetivação ao seu término — sendo esse um fator que sabidamente contribui para a retenção e motivação do aprendiz com...

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