A Progressividade

AutorEvandro Paes Barbosa
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas93-131

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O tributo pode ser utilizado com finalidade fiscal ou extrafiscal. A imposição puramente fiscal visa arrecadar dinheiro do contribuinte, a fim de atender o custeio das despesas do Estado. A finalidade do tributo é exclusivamente abastecer os cofres do Estado. Por outro lado, a progressividade extrafiscal tem finalidades outras que as meramente arrecadatórias, no sentido de estimular ou coibir determinados comportamentos do proprietário do imóvel, em função de um objetivo político-jurídico que o Município deseja atingir.

Somos de opinião de que alguns tributos são utilizados com finalidades extrafiscais, como o ITR, o Imposto de Importação, o de Exportação, o Imposto sobre produtos industrializados e o Imposto sobre a renda. Não são tributos puramente extrafiscais, já que, como elucida PAULO DE BARROS CARVALHO62:

"não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade."

Desse modo, no tributo extrafiscal, o poder de regular é fim, que pode ser político, econômico, social, e

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a arrecadação do dinheiro é meio, instrumento, que o Estado utiliza para realizar uma determinada política.

A extrafiscalidade consiste em inserir, nos critérios da regra-matriz do tributo, um tratamento mais benevolente quando o legislador quer estimular determinada atividade, e mais gravoso, quando quer orientar a conduta do contribuinte aos objetivos desejados pelo ente público tributante.

Desse modo, pode a Carta Magna desejar estimular a proteção ambiental, o desenvolvimento econômico e social, o planejamento urbano, ou punir a propriedade que não cumpre a função social.

PAULO DE BARROS CARVALHO63retrata casos que bem elucidam a extrafiscalidade:

"A lei do Imposto Territorial Rural (ITR), ao fazer incidir a exação de maneira mais onerosa, no caso de imóveis inexplorados ou de baixa produtividade, busca atender em primeiro plano, a finalidade de ordem social e econômica e não ao incremento de receita. A legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico, tal o refiorestamento, justamente para incentivar a formação de reservas fiorestais no país. Em outras passagens, na composição da base de cálculo, seja entre as deduções ou entre os abatimentos da renda bruta, insere medidas que caracterizam, com nitidez, a extrafiscalidade. Quanto ao IPI, a própria Constituição prescreve que suas alíquotas serão seletivas em função da essencialidade dos produtos (art. 153 § 3º, I), fixando um critério que leva o legislador ordinário a estabelecer percentuais mais elevados para os produtos supérfiuos."

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Por outro lado, há tributos que não se prestam como instrumentos extrafiscais. Os vinculados, por exemplo, como as taxas e contribuições de melhoria, apenas correspondem à arrecadação da contraprestação paga por quem aufere os seus respectivos benefícios. Nada têm de extrafiscalidade.

Não insere o legislador que institui a taxa, na respectiva regra-matriz, nenhum propósito de estimular ou desestimular uma determinada conduta desejada pelo Estado. Esse tributo é pago por um determinado contribuinte que se utilizou, ou teve à sua disposição, um serviço estatal. A taxa se refere a determinada pessoa e em valor determinado, na medida exata do benefício auferido pelo contribuinte, efetiva ou potencialmente.

O próprio IPTU pode ser instituído pelo Município, com finalidade exclusivamente fiscal, dependendo do conteúdo da lei que desenhe sua regra-matriz. Se o critério quantitativo não adotar base de cálculo progres-siva, não haverá tributação extrafiscal. É facultativo o exercício da competência impositiva.

A extrafiscalidade é uma faculdade autorizada ao Município ou Distrito Federal. Se não for exercida, a tributação tem natureza puramente fiscal. Como explica Paulo de Barros Carvalho64:

"A União tem a faculdade ou permissão bilateral de criar o imposto sobre grandes fortunas, na forma que estatui o inciso VII do art. 153 da CF. Até agora não o fez, exatamente porque tem a faculdade de instituir ou não o gravame."

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A faculdade contida nas competências impositivas permite aos entes políticos que criem ou não o tributo. A União, até o momento, não criou o imposto sobre grandes fortunas, mas poderá instituí-lo a qualquer tempo, enquanto não for suprimida a autorização constitucional. Assim também o Município: pode instituir, ou não, IPTU progressivo.

A Carta de 1988 autorizou o Município a exercer a competência legislativa para o desempenho da política urbana, através de sanções administrativas (parcelamento, edificação), tributária (IPTU progressivo), e civil (desapropriação), ou seja, "...ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e garantir o bem-estar..." dos habitantes do Município.

Pela primeira vez, o Município foi autorizado, após o parcelamento e a edificação compulsória do imóvel, a cobrar IPTU progressivo. Diz o art. 182:

"A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressa no plano diretor.

§ 4º É facultado ao Poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não

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edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de, sucessivamente:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo..."

Se o Município não exercer a faculdade de instituir IPTU progressivo, através de lei municipal, o imposto deverá ser neutro. Não poderá ser progressivo, nos moldes do artigo 156 § 1º, incisos I e II, no imposto predial, nem no imposto territorial urbano (art. 182 § 4º). Será tributação puramente fiscal.

A progressividade do imposto territorial urbano e do imposto predial representa sanção ao não cumprimento da função social da propriedade, a partir da Constituição Federal de 1988.

A progressividade do IPTU foi autorizada como sanção. Para nós, todo e qualquer IPTU progressivo, instituído por qualquer Município ou pelo Distrito Federal, sempre será preponderantemente sancionatório.

O art. 3º do CTN estabelece como um dos requisitos do tributo o fato de que "não constitua sanção de ato ilícito...". Todo tributo somente decorre da existência de ato lícito. Assim, no sistema tributário nacional, temos "ser proprietário de imóvel", "industrializar produtos", "auferir rendas", etc.

Geraldo Ataliba65assim ensinava:

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"O dever de levar dinheiro aos cofres (tesouro=fisco) do sujeito ativo decorre de fato imponível. Este, por definição, é fato jurídico constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com conteúdo econômico, por imperativo da isonomia (art. 5º caput e inciso I da CF), não qualificado como ilícito. Dos fatos ilícitos nascem multas e outras conseqüências punitivas, que não configuram tributo, por isso não integrando seu conceito, nem submetendo-se a seu regime jurídico."

Isto não quer dizer que, a partir da Constituição de 1988, o IPTU passou a ter como fato jurídico tributário um ato ilícito. Isso equivaleria a afrontar o próprio conceito de tributo, contido no art. 3º do Código Tributário Nacional:

"tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito..."

O que se deve entender, na progressividade do IPTU, é que o ilícito é sancionado pela ordem jurídica com um agravamento no critério quantitativo do imposto, em razão de a propriedade não desempenhar a função social. Mas, o fato a ser tributado é lícito, "ser proprietário de bem imóvel". As sanções previstas na Carta Magna, pressupondo o não cumprimento da função social da propriedade, são:

1) parcelamento ou edificação compulsórios; 2) imposto predial e territorial urbano progressivo; 3) desapropriação do imóvel. Estas sanções devem ser aplicadas "sucessivamente", isto é, o Município deverá primeiramente notificar o proprietário do imóvel, dando-lhe os prazos previstos no § 2º do art. 5º do Estatuto da Cida-

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de, posteriormente, aplicar o IPTU progressivo, se não for atendida a etapa anterior (art. 7º).

Essas sanções pressupõem o fato de que o dono do imóvel está violando a "função social da propriedade". Salienta ROQUE ANTONIO CARRAZA66:

"...Sempre com base em lei (agora lei sancionatória, e não tributária). De fato, isto será feito exatamente para punir o proprietário do imóvel que renite em não ajustá-lo às dire-trizes do plano diretor."

O artigo 170, incisos II (propriedade privada) e III (função social da propriedade) devem ser interpretados sistematicamente com o art. 182 § 4º, incisos I, II e III da Lei Maior. Eles estabelecem a norma primária, o princípio da função social da propriedade e respectiva norma secundária sancionadora. Quer dizer: se o proprietário do imóvel não der à sua propriedade urbana a função social, então deve ser penalizado com as sanções sucessivas de parcelamento ou edificação compulsória, IPTUprogressivo e, finalmente, a desapropriação.

O ordenamento estabelece a conduta desejada: a função social da propriedade. Se o proprietário urbano não a...

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