Proibição de bis in idem e direito tributário sancionador

AutorFabio Brun Goldschimidt
Ocupação do AutorDoutor em Derechos y Garantías del Contribuyente pela Universidade de Salamanca e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo
Páginas297-459
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Capítulo III
PROIBIÇÃO DE BIS IN IDEM E DIREITO
TRIBUTÁRIO SANCIONADOR
Seção I
Delimitação Conceitual e Âmbito de Aplicação da
Proibição de Bis in Idem no Direito Sancionador
Considerações Preliminares
Esclareça-se, de antemão, que muitas das premissas
adotadas no estudo da proibição de bis in idem no âmbito tri-
butário não serão aplicáveis no trato do tema no âmbito do
Direito Sancionador. O Direito material Tributário, com efeito,
é regido por uma lógica bastante distinta do Direito Sanciona-
dor Tributário, o que se extrai da simples constatação de que
um, por definição, institui obrigação que não deriva de ato
ilícito, ao passo que o outro versa precisamente sobre a reação
estatal ao ato ilícito praticado pelo particular.
Assim, no âmbito do Direito Tributário, a análise da proi-
bição de bis in idem diz, fundamentalmente, com a investigação
acerca do modo como, constitucionalmente, foram atribuídas
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FABIO BRUN GOLDSCHMIDT
as diversas competências tributárias, para o efeito de saber se
determinada sobreposição é admitida ou não pelo ordenamen-
to. Já no âmbito do Direito Sancionador, o que se quer é proibir
o excesso de punição e a insegurança consistentes em sancionar
uma segunda vez um mesmo sujeito por um mesmo fato.
1. Existe uma proibição de bis in idem no Direito
Sancionador Tributário brasileiro?
Nosso interesse sobre o tema da proibição de bis in idem
despertou justamente a partir da dúvida em saber se existe um
limite à superposição de sanções administrativas no Direito
Tributário. Com efeito, ao nos confrontarmos com as Sentenças
do Tribunal Constitucional Espanhol e, em especial, com a
impressionante orientação segundo a qual a aplicação de uma
determinada sanção no âmbito administrativo pode impedir
até mesmo a aplicação de uma segunda sanção pelo Poder
Judiciário, ainda que se trate – esse segundo processo – de uma
ação penal, quedamo-nos vivamente impactados com tamanho
prestígio outorgado ao non bis in idem na Espanha.
No Direito Sancionador Brasileiro atual, tal posiciona-
mento seria simplesmente impensável. Jamais se cogitou de
impedir o processo penal, por ofensa à proibição de bis in idem,
sob o argumento de que o sujeito passivo já foi sancionado no
âmbito administrativo; quanto mais quando a primeira sanção
é, v.g., uma sanção pecuniária, uma multa administrativa. No
sistema brasileiro, a cumulação de uma, duas ou várias sanções
é comum, normalmente “justificada” pela existência de funda-
mentos legais diversos.399 400
399. Tal constatação é unânime: “No campo das sanções tributárias, ao
menos no Brasil, esse princípio jamais é observado, embora seja adotado em
outros países. Quando alguém deixa de cumprir uma obrigação tributária, a
legislação prevê penas de diversas naturezas que cumulam e, via de regra,
ultrapassam o valor do dano que seria eventualmente causado pela ação ou
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TEORIA DA PROIBIÇÃO DE BIS IN IDEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO
No Brasil, o âmbito de aplicação atual da proibição de
bis in idem no Direito Sancionador é praticamente restrito
aos casos em que uma mesma autoridade aplica, no plano dos
fatos, uma segunda sanção com base no mesmo fato, em um
segundo processo instaurado com suporte em um mesmo
dispositivo legal. De um modo geral, vige a convicção de que
a legitimação da superposição de sanções depende, pura e
simplesmente, da mera existência de previsão legal específi-
ca para cada uma delas.
Tal raciocínio é colocado sob questionamento nos tópicos
seguintes. Para tanto, faz-se necessário, inicialmente, inverter
a ótica tradicional para perguntar: há, na Constituição Brasi-
leira de 1988, alguma regra que permita o bis in idem no âmbi-
to sancionador? Há na Carta algum dispositivo que autorize a
duplicidade/multiplicidade de sanções sobre um mesmo fato?
Essa simples provocação já conduz o exegeta a uma re-
flexão: em não existindo esse suporte constitucional, o silêncio
omissão do infrator. De fato, dependendo das circunstâncias da falta, ser-lhe-ão
aplicados multa pecuniária, juros de mora, penas privativas de liberdade e
sanções políticas. Assim, uma mesma ação ou omissão determina a aplicação
de normas penais que implicam cumulações de penalidades que ofendem
esse princípio.” (ANDRADE FILHO, Edemar Oliveira. Infrações e Sanções
Tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 106).
400. No mesmo sentido: “No Brasil, a ideia preponderante sempre foi a de
excluir a aplicabilidade desse princípio ao abrigo do argumento de que os
fatos acabam assumindo identidades distintas, desde diversas perspectivas
normativas e valorações autônomas, além de existir independência entre as
instâncias fiscalizadoras, à luz da separação de Poderes (...) teoricamente,
não pode o sujeito ter sua conduta considerada lícita, correta, conforme o
Direito, na esfera administrativa, em determinados domínios especializados
e idôneos e, ao mesmo tempo, ver-se acusado da prática de crimes em razão
de supostas transgressões às mesmas normas que noutro terreno foram
cumpridas integralmente. O ideário de segurança e coerência, coibindo
atuações abusivas ou obscuras do Estado, repercute na formatação de
barreiras à independência das instâncias, neste aspecto.” (OSÓRIO, Fabio
Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2005, p. 341).

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