A proibição do burkini na frança: o secularismo francês e a liberdade religiosa na Europa

AutorJúlia Knauer Carvalho
Páginas7-8
7
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A PROIBIÇÃO DO BURKINI NA FRANÇA:
O SECULARISMO FRANCÊS E A LIBERDADE RELIGIOSA NA EUROPA
Em de agosto de 2016,
durante o verão europeu, algumas
cidades do litoral sul da França
decidiram proibir na praia o uso
dos chamados “burkinis” – trajes
de banho que cobrem o corpo e
a cabeça da mulher – utilizados
principalmente por mulheres
muçulmanas. A medida foi tomada
em nome da “ordem pública” e da
“higiene”, e exige a utilização de
trajes que respeitem “a boa moral
e o secularismo”.
O aumento da intolerância contra
essa minoria religiosa é fruto da
recente onda de ataques causados
por extremistas islâmicos na
França, notadamente o ataque
ocorrido na cidade de Nice, dia
14 de julho. O sentimento está
espalhado pelo país, de modo que
diversos líderes, inclusive o atual
primeiro ministro Manuel Valls e
o ex-presidente Nicolas Sarkozy,
apoiam a medida. Uma pesquisa
realizada pelo periódico “Le
Figaro” aponta, ainda, que 64%
dos franceses rejeitam o burkini.
Uma organização chamada
Liga dos Direitos do Homem
(LDH) e o Coletivo Contra
a Islamofobia na França
(CCIF) conseguiram derrubar
a proibição judicialmente na
cidade de Villeneuve-Loubet.
Apesar da decisão, outros
municípios afirmaram que
iriam manter o banimento. Em
suas justificativas, o Conselho
de Estado (mais alta Corte
de jurisdição administrativa)
considerou o banimento como
um atentado às liberdades
fundamentais de ir e vir e de
consciência. Ademais, afirmou
que os municípios não poderiam
restringir as liberdades
individuais senão em casos de
riscos conhecidos e iminentes à
ordem pública.
A decisão trazida acima faz
referência à lei francesa de 9 de
dezembro de 1905, a qual separou
formalmente a Igreja do Estado,
garantindo o livre exercício de
culto, salvo quando contrário à
manutenção da “ordem pública”.
Em seu sentido tradicional, o
Por Júlia Knauer Carvalho*
Vale dizer que, com a proibição
de cobrir o rosto, mulheres
que utilizam a burca deixaram
de frequentar escolas e locais
públicos por não mais se
sentirem confortáveis. Agora,
provavelmente, também deixarão
as praias. Logo, mostra-se
incabível o argumento usado
por comissões e até mesmo
legislações de países como
Noruega, Alemanha e Áustria,
de que tais proibições têm o
objetivo de integrar a população
muçulmana, uma vez que exclui
cada vez mais esse segmento.
Apesar da decisão administrativa
a respeito do burkini, a discussão
ainda não foi superada.
Outras cidades mantiveram o
banimento, bem como surgiram
propostas para o âmbito nacional.
O Alto Comissariado das Nações
Unidas pelos Direitos Humanos
reforçou por meio de nota que tal
medida era uma grave violação
dos direitos fundamentais,
além de servir para aumentar
a intolerância religiosa, bem
como para a estigmatização
dos muçulmanos na França,
especialmente das mulheres.
*Graduanda em Direito
pela Universidade
Federal Fluminense
(UFF).
A.
estado laico é aquele que não
apoia ou discrimina qualquer
religião, mantendo-se imparcial.
Contudo, a República Francesa
tem usado o termo de forma muito
mais agressiva, de modo a retirar
da esfera pública toda forma de
representação religiosa, inclusive
por parte dos indivíduos. Nesse
sentido, o uso do burkini é visto
como uma afronta aos valores
franceses, e não como o simples
exercício de uma religião.
Justo ressaltar que a França é
signatária tanto da Declaração
Universal dos Direitos do Homem
e do Cidadão de 1948, adotada
no âmbito da Assembleia Geral
das Nações Unidas, quanto
da Convenção Europeia para
Proteção dos Direitos Humanos
e das Liberdades Fundamentais,
adotada no âmbito do Conselho da
Europa e que entrou em vigor em
1953. Esta última concede em seu
artigo 9º a liberdade religiosa bem
como proíbe em seu art. 14º toda
forma de discriminação, inclusive
religiosa. A ratificação da
Convenção Europeia de Direitos
Humanos firma o compromisso
do Estado em adequar seu direito
interno às normas da Convenção,
bem como o sujeita à jurisdição
da Corte Europeia de Direitos
Humanos, que poderá julgá-lo
caso desrespeite tais normas em
relação a qualquer pessoa dentro
de seu território.
A França já teve disputa
semelhante julgada pela Corte
devido à uma lei editada em 2010
que proibiu o uso de vestimentas
que cobrissem o rosto em espaços
públicos. Nessa situação, a Corte
Europeia de Direitos Humanos
avaliou que, embora a medida
tenha efeitos negativos às
mulheres muçulmanas com o
costume de usar véus, o fato de a lei
não ter conotação exclusivamente
religiosa e ter sido editada por
questões de segurança autorizaria
o banimento, ainda que seja
medida desproporcional, tendo
em vista o objetivo a ser atingido
(íntegra da decisão).
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
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