A proibição judicial de veiculação de notícias e o problema da censura sob a ótica do caso da chantagem à ex-primeira dama

AutorThiago Ferreira Cardoso Neves
Páginas357-382
A PROIBIÇÃO JUDICIAL DE VEICULAÇÃO
DE NOTÍCIAS E O PROBLEMA DA CENSURA
SOB A ÓTICA DO CASO DA CHANTAGEM
À EX-PRIMEIRA DAMA
Thiago Ferreira Cardoso Neves
Doutorando e mestre em Direito Civil na UERJ. Professor da EMERJ,Vice-presidente
administrativo da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Civil. Advogado.
1. INTRODUÇÃO
Vivemos no tempo da informação. Dia e noite somos encharcados por uma inun-
dação causada por tsunamis de notícias, das mais variadas espécies e sobre os mais
diversos assuntos e personagens. Por certo, ao dividirmos a História em períodos, o
atual é, inequivocamente, o da informação ilimitada, irrestrita e na velocidade da luz.
No caso particular brasileiro, é uma evolução ocorrida em progressão geométrica:
há pouco mais de 30 anos, vivíamos sob uma ditadura que trazia consigo a censura,
em que ninguém tinha acesso às notícias de que precisava e gostaria de ver e ouvir.
E, exatamente pela opressão em que vivíamos, acabamos por caminhar para o
extremo oposto, onde não há limites para a informação. Tudo é noticiado, até aquilo
que, para muitos, não tem a menor relevância. São novos tempos.
A conclusão a que podemos chegar é a de que ainda estamos em uma sociedade
em formação, em que as fundações ainda estão sendo construídas, muito embora já
tenhamos mais de 500 anos de existência.
Apesar de essas primeiras palavras soarem como uma crítica, em verdade elas
são a constatação de um fato que não deixa de ser louvável. E isso porque não há
uma sociedade verdadeiramente livre e desenvolvida sem que haja o pleno exercício
da liberdade de informação.
Sem prejuízo, o livre exercício do direito de informação também tem seu preço.
A liberdade dos indivíduos e da mídia de manifestar suas opiniões e apresentar fatos,
e de serem informados destes, leva, em muitos casos, a uma exposição pública não
desejada, havendo inegável risco de danos a terceiros.
É nesse ambiente que se questiona a existência, ou não, de limites à liberdade da
informação, especialmente quando se trata da veiculação de fatos que dizem respeito
à esfera íntima e privada do sujeito.
Sob esse aspecto, levantam-se dúvidas acerca da possibilidade de se impedir a
veiculação pública de determinada informação, diante da possibilidade de se carac-
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terizar, eventualmente, como uma censura. A questão se torna dramática particular-
mente por conta do contexto histórico já vivido em nosso país.1
O temor do retrocesso faz com que muitos rechacem veementemente a pos-
sibilidade de se vedar qualquer tipo de transmissão da informação, ainda que isso
possa causar efeitos drásticos e, até mesmo, irreversíveis para as pessoas envolvidas.2
Trata-se, como é possível perceber, de questão tormentosa e de difícil solução,
que merece uma adequada ponderação entre os valores, os direitos e as garantias
envolvidas, pois só assim será possível chegar a um resultado minimamente satisfa-
tório em que os interesses de todos sejam preservados.
E sobre essa questão, um interessante caso desperta a curiosidade e suscita o
debate: a proibição imposta judicialmente, em fevereiro de 2017, por um magistrado
do Estado de São Paulo, de veiculação pelos meios de comunicação de notícias que
envolviam um fato íntimo da Ex-Primeira-Dama Marcela Temer.
Essa decisão traz à tona um debate concreto envolvendo a liberdade de informa-
ção e a privacidade, e o problemático caso da censura. É preciso examinar, à luz dos
direitos e garantias assegurados pelo nosso ordenamento, se tal decisão é legítima
ou não, e se há algum risco de se caracterizá-la como censura.
Mas, para que possamos enfrentar, com as delimitações necessárias, esse conf‌lito,
faz-se necessário apresentar e entender os fatos, de modo a melhor compreender os
seus meandros e aspectos.
2. O CASO MARCELA TEMER
Em 11 de maio de 2016, o telhadista Silvonei José de Jesus Souza foi preso sob a
acusação de, desde abril daquele ano, após clonar o celular de Marcela Temer, mulher
do então Vice-Presidente da República, Michel Temer, chantageá-la com a ameaça
de divulgar fotos íntimas dela, além de mensagens comprometedoras de seu marido,
supostamente envolvido no plano de deposição da Presidente da República à época
dos fatos, Dilma Roussef.
1. A prática odiosa da censura remete ao período ditatorial vivido no Brasil e, portanto, é sempre repudiada e
temida. Os horrores da ditadura militar acarretaram traumas e feridas indeléveis. Sobre o tema, imprescindí-
vel é a leitura da obra Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil, com impressionantes relatos das
experiências vividas naquele período tenebroso da história brasileira. Ver, pois, MONTENEGRO, Antonio
T.; RODEGHERO, Carla S.; ARAÚJO, Maria Paula. Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil.
Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
2. Sobre o tema, não custa lembrar o dramático caso da Escola Base em São Paulo, em que os donos da ins-
tituição de ensino foram execrados publicamente diante da informação veiculada na mídia de que eles
praticavam abusos sexuais contra alunos menores e incapazes. Posteriormente, comprovou-se que os fatos
não haviam ocorrido, e que as notícias foram veiculadas sem qualquer fundamento ou prova. No entanto, o
reconhecimento do abuso do direito à liberdade de informação quase 20 anos após o fato revelou-se tardio.
E isso porque a vida do casal, dono do estabelecimento de ensino, já estava destruída, tanto emocional,
quanto f‌inanceiramente, uma vez que a escola foi depredada e fechada, o marido e a mulher faliram, e
psicologicamente estavam destruídos pelo julgamento público e da imprensa.

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