Projeto genoma humano e medicina preditiva
Autor | Roberto Camilo Leles Viana |
Ocupação do Autor | Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho |
Páginas | 18-24 |
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O Projeto Genoma Humano (Human Genome Project) é traduzido como o esforço da pesquisa internacional para sequenciar e mapear todos os genes dos seres humanos36. Iniciado formalmente em 1990 e projetado para durar quinze anos, o projeto foi coordenado pelo Departamento de Energia dos EUA (U.S. Department of Energy Office of Science) e pelos seus Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health). Nos primeiros anos, o Wellcome Trust - Reino Uni do, tornou se um importante parceiro, contribuições adicionais vieram do Japão, França, Alemanha, China, entre outros. Com a reunião dos esforços desses países formaram se o International Genome Sequencing Consortium (ISC) e a Human Genome Organization (HUGO), entidades que contribuíram imensamente para atingir as finalidades almejadas37.
Os objetivos do Projeto Genoma Humano foram: identificar todos os cerca de 20 mil a 25 mil genes no DNA humano determinar as sequências dos 3 bilhões de pares de bases químicas que compõem o DNA humano armazenar essas in formações em bancos de dados melhorar os instrumentos de análise dos dados transferir tecnologias relacionadas com o setor privado e abordar as questões éticas, legais e sociais que pudessem surgir a partir do projeto38.
Em 2003, dois anos antes do que inicialmente se pensava, o projeto foi concluído com o anúncio39 da decodificação de 99% do genoma huma
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no40. O projeto possibilitou um maior conhecimento sobre a estrutura e o funcionamento dos genes humanos, tornando se um marco na história da pesquisa genética e no desenvolvimento das técnicas utilizadas em testes genéticos, bem como nos novos rumos da Medicina.
O projeto traçou um mapa da localização exata dos genes presentes nos cromossomos humanos, com o detalhamento de todos os elementos que os com põem, designando se a primeira tarefa como mapeamento41 e a segunda como sequenciação42. Com o censo completo da totalidade dos genes na arquitetura dos cromossomos poder se á, na medida das necessidades futuras, dispor da infor mação genética de forma mais simples e eficaz.
A partir dos dados obtidos pela conclusão do projeto, tornou se possível diagnosticar precocemente uma grande quantidade de alterações no genoma hu mano, detectando se afeções que, dependendo de alguns fatores, poderão ou não se manifestar mais tarde na forma de doenças. Os avanços em genética hu mana e biologia molecular forneceram uma melhor compreensão dos mecanismos da saúde e da doença, pois ao possibilitar o conhecimento sobre a estrutura e o funcionamento dos genes, permitiu também o desenvolvimento da medicina pre ditiva e dos testes genéticos43.
Ressalta se, no entanto, que o acesso aos dados genéticos individuais, bem como suas possíveis aplicações, colocam profundas questões éticas, legais e sociais em debate. Como forma de explorar tais questionamentos, criou se, no âmbito do Projeto Genoma Humano, um grupo de trabalho sobre as implicações éticas dos avanços científicos, denominado Ethical, Legal, and Social Issues (ELSI).
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Não obstante os celeumas éticos, legais e sociais, a conclusão do Projeto Genoma Humano ficará para a História como o início da era pós genômica, con siderada uma das mais importantes da Humanidade"44. Além disso, o término do sequenciamento e mapeamento do genoma não deve ser visto como um fim. Pelo contrário, deve marcar o começo de uma nova etapa, a da genômica aplicada à Medicina e à saúde45.
Francis Collins chamou a publicação da conclusão do Projeto Genoma Hu mano de the end of the beginning". Explicou que a compreensão crítica da expressão gênica, a conexão entre as variações de sequência e o fenótipo, as inte rações proteína proteína em grande escala e a análise global da biologia humana teria início com o fim do intento. Ressaltou, ainda, que para ele, como médico, o verdadeiro resultado será a possibilidade de melhorar o diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças, além de outros benefícios que ainda estão por acontecer para a humanidade. Com a imensa variedade de dados nas mãos, estar se á apto a alcançar propósitos que jamais foram imaginados46.
Pode se dizer, assim, que a primeira etapa para o conhecimento genético foi concluída com o Projeto Genoma Humano, que reuniu as informações contidas no DNA, restando, agora, a compreensão dos dados obtidos47. O genoma, como conjunto do DNA do corpo humano, é apenas informacional, na medida em que será codificado no RNA e, posteriormente, nas proteínas, dependendo dos genes que estão expressos naquela circunstância48. Justamente entender o funciona mento desse complexo sistema, em que um gene é capaz de se expressar das mais diversas formas, é a atual tarefa da ciência genética.
A Medicina passou por diversas etapas até chegar aos dias atuais. Houve uma época em que priorizou somente a Medicina Curativa, que atua quando a doença já se instalou no paciente, devendo ser tratada a partir de então. Poste riormente surgiu a Medicina Preventiva49, cujo foco é a prevenção, ou seja,
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a realização de atos preventivos que irão contribuir para o não aparecimento e a regressão de doenças50.
Hodiernamente, pode se contar também com a Medicina Preditiva51, Predizente ou Genômica, que tem como essência a capacidade de fazer predições sobre a possibilidade de o paciente vir a desenvolver algum tipo de doença, tendo como base testes feitos no material genético52. Por meio das informações forne cidas pelas análises genéticas é possível compreender o funcionamento do corpo humano e determinar, com certa precisão e antecedência, quais são as chances de um indivíduo vir a desenvolver uma doença cuja causa está predisposta nos seus genes.
Desde a década de 1970, quando se tornou possível a realização de testes para a identificação da presença de alterações genéticas em indivíduos assinto máticos53, que não apresentam sintomas clínicos de manifestação de alguma doença, surgiu a Medicina Preditiva, traduzindo se em aplicações de conhecimen tos de genética humana na prática médica54. Considerada, por muitos, a medicina do futuro, ela permite a avaliação de predisposições eminentemente genéticas e tenta antever o aparecimento de determinadas doenças que estão relacionadas às características hereditárias de cada indivíduo.
Embora apresente inúmeras vantagens em termos de diagnostico e preven ção, a medicina predizente tem o condão de gerar questionamentos difíceis ao Direito e à sociedade, a partir do momento em que fornece informações sensíveis que podem gerar graves reflexos na vida da pessoa, pois o conhecimento da infor mação genética e da susceptibilidade ao desenvolvimento de uma doença abrange inúmeros aspectos da esfera privada e social do indivíduo.
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Além disso, tal conjunto de dados pode gerar o interesse de terceiros que tentarão acedê lo para as mais diversas finalidades. No âmbito do contrato de trabalho, as entidades patronais sentir se ão tentadas a querer saber, já hoje, as doenças de que os seus trabalhadores poderão vir a padecer amanhã, prevenindo se, assim...
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