Em Prol de um “Direito Processual Econômico”

AutorJ.E. Carreira Alvim
CargoProfessor de Direito Processual Civil da PUC-Rio Juiz do Tribunal Regional Federal da 2a Região
1. Direito processual como direito instrumental

O direito processual é pela sua origem e destinação um direito de cunho instrumental, destinando-se a garantir a efetividade do direito material. Os direitos subjetivos - enquanto "interesses juridicamente protegidos" encontram sua realização prática na atividade dos próprios sujeitos, um exigindo (titular do direito) e o outro submetendo-se (titular da obrigação) à prestação (dar, fazer ou não fazer). Tem-se assim a atuação fisiológica do direito, que tende a realizar-se, e se realiza quase sempre, pela atuação espontânea dos seus próprios sujeitos. No entanto, quando não satisfeito dessa forma, surge para o seu titular o interesse na sua satisfação por outras formas postas pelo ordenamento jurídico à sua disposição, e uma delas é o processo. Dado o seu caráter instrumental, o processo não proporciona, ele próprio, um bem, senão viabiliza seu alcance, por seu intermédio, outro bem, que é aquele tutelado pelo direito material.

2. Novas fronteiras do direito material

O direito materialtem as suas fronteiras demarcadas pela natureza do interesse que tutela, podendo um mesmo fato, dependendo do seu contexto e repercussão no meio social, interessar a um ou mais ramos do direito. Assim, também o fato econômico1, que pode constituir o conteúdo dos vários ramos do direito, acaba refletindo nas relações de direito privado (civil ou comercial), nas relações de direito público (administrativo, financeiro, tributário), nas relações políticas (direito constitucional), etc. Há alguns ramos do direito que obrigatoriamente devem ter conteúdo econômico, como v.g. o direito comercial, o direito do trabalho, o direito financeiro, o previdenciário, o direito urbanístico e o direito agrário2.

Como ciência nova, surgida do seio do industrialismo moderno, o direito econômico - com o objetivo proporcionar à nova economia instituições jurídicas próprias e adequadas às novas condições econômicas - vem enfrentando sérias dificuldades para a regulação jurídica dos fatos econômicos, que o direito clássico não conseguiu disciplinar3.

3. Direito (material) Econômico

O direito econômico- doutrina Geraldo Facó Vidigal4 - campo jurídico extremamente controverso, surge como decorrência da necessidade jurídica de regulação de uma forma nova de interesse, expresso nos interesses globais, gerado em macroesferas sociais, denominado macrointeresse. Para lves Gandra da Silva Martins, o Direito Econômico é a disciplina jurídica da macroeconomia, estando balizado pelo regime da concorrência e do consumo. Em outras palavras, diz o autor, toda a política macroeconômica flui, enquanto planejamento estatal, pelas normas de direito econômico, que deve regular as vias da produção e circulação de bens pela repressão ao abuso de poder econômico, do investimento e da poupança pelas regras do sistema financeiro, e do consumo pela proteção ao consumidor5.

Em sede pretoriana, a expressão "direito econômico" tem sido a preferida para traduzir o conteúdo das demandas sobre índices de correção monetária e de fatores de deflação, vulgarmente denominados "tablitas", registrando os julgados a força cogente das normas de direito econômico, que sendo de ordem pública, têm aplicação imediata.

4. Macrointeresses, macroconflitos e Direito Processual Econômico

É evidente queessa nova categoria de interesses (ou direitos), devido à sua natureza macro, gera conflitos de interesses de dimensões igualmente macro, ou verdadeiros macroconflitos, que não cabem, pelo menos confortavelmente, no bojo de um processo concebido nos moldes privatísticos.

Aliás, esta falta de sintonia entre as novas categorias de direito material (econômico, agrário, previdenciário, etc.), os conflitos que geram, e o direito processual destinado a assegurar a sua satisfação, apenas recentemente tem sido notada pela doutrina. Enfocando os assuntos macroeconômicos, Ives Gandra da Silva Martins vê a necessidade de regras peculiares para resolvê-los (notadamente no atinente à competência), a que denomina direito processual econômico6.

Essa idéia florece também no direito comparado, tendo a vinculação do Direito Econômico com outras disciplinas jurídicas levado Daniel Moore Merino7 a conceber um Direito Penal Econômico, um Direito Administrativo Econômico, um Direito Constitucional Econômico, um Direito Internacional Econômico e um Direito Processual Econômico.

Não causa espanto que o direito processual civil, nascido e desenvolvido à luz dos conflitos de interesses patrimoniais, eminentemente privados, identificados como microconflitos - conflito entre Tício e Caio - não poderia fornecer solução adequada para os denominados conflitos globais, envolvendo macrointeresses, ou simplesmente macroconflitos, cuja estrutura, pelo seu conteúdo e alcance, atinge, além das partes conflitantes, pessoas ou segmentos sociais, que nada têm a ver com o conflito em si mas sofrem as suas conseqüências. A quebra de uma grande empresa ou grupo empresarial (macroempresa) não produz as mesmas conseqüências do que a quebra de uma pequena ou microempresa. Penso que isto não é preciso demonstrar matematicamente.

A falta de uma compreensão mais abrangente do Direito Econômico, diz Geraldo Facó Vidigal, produziu nos campos tradicionais do Direito o mesmo efeito que a explosão de uma granada no centro de um batalhão produziria: dispersar-se-ia o batalhão; poeira e fumaça levantadas impediriam a visualização do terreno pelo qual se deveria seguir. Para superação do impacto, é preciso identificar a origem e a forma da explosão jurídica. A origem, identifica-a o autor nas macroesferas sociais, de interesses de ordem global e a fundamental distinção entre os interesses regulados pelos tradicionais campos jurídicos e esses macrointeresses que dão origem, norteiam e caracterizam o Direito Econômico. A forma é a da norma de Direito Econômico, que se exprime pela dominação que exerce, por via de suas características macrojurídicas, sobre as macroesferas sociais que lhe dão origem e às quais se destinam.

Diria eu que, se essa hipotética explosão ocorresse, v.g., num container cheio de vidros (comparada aqui a um macroconflito de grandes proporções), o direito processual civil seria impotente para "juntar os cacos" (se é que haveria...

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