O projeto promotoras legais populares, a interferência social na construção do espaço urbano e o aluno de Direito

AutorLaila Maia Galvão
CargoGraduanda em Direito pela UnB

Brasília é uma cidade única, em todos os sentidos. Seu projeto urbanístico, elaborado por Lúcio Costa, determina uma cidade em formato de avião. Assim, asa sul e asa norte iriam compor o chamado Plano Piloto. Ao longo desses 46 anos, vários sentidos surgiram para a palavra Brasília: que pode ser apenas mais uma das mais de vinte regiões administrativas do Distrito Federal (que abrange a asa sul, a asa norte e a área central do plano piloto); que também pode significar a união da área central com o Lago Sul e o Lago Norte; que pode ser, como normalmente é considerada pelos habitantes, uma soma das regiões já mencionadas com o setor sudoeste e octogonal; e, por fim, Brasília pode ter a conotação de região que abrange o Plano Piloto e todas as demais cidades satélites. Esta última concepção de Brasília está relacionada à visão de que a cidade teria a característica de ser polinucleada, visto que as demais cidades do entorno estão articuladas à região central e que não possuem autonomia, já que são dependentes de diversas maneiras, inclusive quanto à questão do emprego.

Contudo, podemos observar a densidade demográfica, cultural e econômica de algumas cidades satélites. Enquanto Brasília, entendida como a região administrativa que compreende o Plano Piloto, possui por volta de 200 mil habitantes, a cidade de Ceilândia, localizada a 27 km de Brasília, possui aproximadamente 350 mil moradores1. É a maior concentração demográfica do Distrito Federal, composta por subdivisões como: Ceilândia Centro, Ceilândia Sul, Ceilândia Norte, Guariroba, P Sul, P Norte, Setor O, Expansão do Setor O, QNQ, QNR, Setores de Indústria e Materiais de Construção e parte do Incra.

Com uma história bastante diferente da capital nacional, que foi projetada e sonhada por diversos intelectuais e políticos da época, Ceilândia foi um projeto idealizado como forma de erradicar as favelas do Distrito Federal. Já em 1969, o DF contava com um número bastante significativo de pessoas que viviam em barracos, 79.128 pessoas, que possuíam uma péssima qualidade de vida. O governador da época, alarmado com a situação, solicitou à Secretaria de Serviços Sociais a erradicação das favelas.

Dessa maneira, foi criada a Campanha de Erradicação das Invasões, a CEI, que veio a nomear a cidade como Ceilândia. Demarcações de lotes foram feitas no território da antiga fazenda Guariroba e logo passaram a transferir os moradores de diversas invasões para a nova cidade que estava sendo construída. O projeto da cidade, do arquiteto Ney Gabriel de Souza, é formado por dois eixos principais cruzados, em formato de barril.

No início, a população carecia de infra-estrutura básica, sofrendo com a lama e a poeira e com a falta de iluminação pública e saneamento básico. Entretanto, com a organização da comunidade, os moradores passaram a reivindicar seus direitos, e, dessa forma, foram vitoriosos em muitas de suas lutas.

Sem dúvida, diversos aspectos das histórias de Brasília e de Ceilândia não são coincidentes. Por mais que se diga que as cidades-satélites sejam dependentes, Ceilândia possui uma grande população e apresenta uma atividade econômica bastante significativa. Seu dinamismo próprio já a caracteriza como cidade distinta da realidade do plano piloto.

O livro Ceilândia: Mapa da Cidadania faz uma distinção entre dois períodos da história da cidade, demonstrando como ela foi ganhando força e autonomia ao longo das últimas décadas. Depois da remoção de inúmeras pessoas para a região de Ceilândia, houve, até meados da década de 80, uma grande organização social coletiva que se voltava principalmente para a questão habitacional:

As precárias condições de vida, a dificuldade de pagar e legalizar os lotes, a necessidade de buscar formas de identidade coletiva, valorizando o habitante e o espaço habitacional, deram origem a movimentos sociais e à formação de várias lideranças locais.2

Dessa maneira, muitas das reivindicações desses primeiros movimentos sociais foram atendidas sendo instalada, por exemplo, rede de água e esgoto em toda a cidade. Dessa forma, a questão da implantação de infra-estrutura urbana foi sendo paulatinamente resolvida dando início a um novo período no qual a cidade de Ceilândia, já nos anos 80, obteve grande desenvolvimento e ganhou maior autonomia. Foi alterado, então, o perfil dos movimentos sociais. Eles, em sua maioria organizações não-governamentais (ONGs), passaram a se voltar principalmente para as questões sociais e culturais. Alguns dos motivos para essa alteração podem ser os baixos níveis escolar e de renda dos ceilandenses e também a falta de identidade cultural da cidade devido à rápida expansão populacional.

Surge, nesse contexto de formação de novas organizações civis, em 1997, o Núcleo de Prática Jurídica e Escritório de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília - UnB, localizado na parte central da cidade de Ceilândia. Seu objetivo é prestar assessoria jurídica à população local, como forma de aprendizagem para os alunos de Direito, e também proporcionar maior apoio a projetos que envolvam questões como a cidadania e a defesa dos direitos humanos.

Constava no projeto original do núcleo, desenvolvido pela Faculdade de Direito da UnB com a parceria do Ministério da Justiça e da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, duas áreas de atuação: o acampamento da Telebrasília e Ceilândia. No que tange a questão da assessoria jurídica...

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