Proporcionalidade e Razoabilidade: Critérios de Intelecção e Aplicação do Direito

AutorOriana Piske
CargoJuíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
Páginas11-14

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O critério da proporcionalidade é tópico e, tal qual a equidade, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular. No dizer de Paulo Bonavides, "é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexões prós e contras (Abwägung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso (Übermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção"1.

A doutrina constatou a existência de três elementos ou subprincípios que compõem o princípio da proporcionalidade. O primeiro é a pertinência. Analisa-se aí a adequação, a conformidade ou a validade do fim. Portanto se verifica que esse princípio se confunde com o da vedação do arbítrio. O segundo é o da necessidade, pelo qual a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja. O terceiro consiste na proporcionalidade mesma, tomada stricto sensu, segundo a qual a escolha deve recair sobre o meio que considere o conjunto de interesses em jogo2.

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A aplicação do princípio da proporcionalidade demanda dois enfoques. Há simultaneamente a obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionais. Desta forma, a proporção adequada torna-se condição de legalidade. Portanto, a inconstitucionalidade ocorre quando a medida é excessiva, injustificável, ou seja, não cabe na moldura da proporcionalidade. Esta, enquanto princípio constitucional,

"somente se compreende em seu conteúdo e alcance se considerarmos o advento histórico de duas concepções de Estado de Direito: uma, em declínio, ou de todo ultrapassada, que se vincula doutrinariamente ao princípio da legalidade, com apogeu no direito positivo da Constituição de Weimar; outra, em ascensão, atada ao princípio da constitucionalidade, que deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica."3

A adoção do princípio da proporcionalidade representa talvez a nota mais distintiva do segundo Estado de Direito, o qual, com a aplicação desse princípio, saiu admiravelmente fortalecido. Converteu-se em princípio constitucional por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça. Contribui notavelmente para conciliar o direito formal com o direito material em ordem a prover exigências de transformações sociais extremamente velozes e, doutra parte, juridicamente incontroláveis caso faltasse a presteza do novo princípio constitucional4.

A regra de proporcionalidade produz uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar entretanto a abalar o princípio da separação de poderes, visto que a limitação aos poderes do legislador não vulnera o princípio da separação, porque o raio de autonomia, a faculdade política decisória e a liberdade do legislador para eleger, conformar e determinar fins e meios se mantém de certo modo plenamente resguardada, sob a regência dos princípios estabelecidos pela Constituição.

No segundo Estado de Direito, o legislador já não é, porém, o soberano das épocas em que o princípio da legalidade se sobrepunha, por ausência efetiva de controle, ao princípio de constitucionalidade. De conseguinte, o legislador, em razão do aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais de controle de seus atos, deixou de mover-se com a inteira liberdade do passado, típica da idade do primeiro Estado de Direito5.

Com a instauração doutrinária do segundo Estado de Direito, o juiz, ao contrário do legislador, atua por um certo prisma num espaço mais livre, fazendo, como lhe cumpre, o exame e controle de aplicação das normas; espaço aberto em grande parte também - sobretudo em matéria de justiça constitucional - pelo uso das noções de conformidade e compatibilidade. A justiça constitucional está mais apta a inserir, no ordenamento jurídico, o princípio da proporcionalidade enquanto método de apoio interpretativo6.

As limitações de que atualmente padece o legislador constituinte de segundo grau - titular do poder de reforma constitucional - configuram a grande realidade da supremacia da Constituição sobre a lei, a saber, a preponderância sólida do princípio da constitucionalidade, hegemônico e moderno, sobre o vetusto princípio da legalidade ora em declínio nos termos de sua versão clássica, de inspiração liberal.

Mas essa supremacia, introduzida de maneira definitiva pelo novo Estado de Direito, somente tem sentido e explicação uma vez vinculada à liberdade, à contenção dos poderes do Estado e à guarda eficaz dos direitos fundamentais. Aqui o princípio da proporcionali-dade ocupa o seu lugar. Não é sem fundamento, pois, que ele foi consagrado por princípio ou máxima constitucional.

A proporcionalidade e a razoabilidade são princípios não escritos, cuja observância independe de explicitação em texto constitucional, porquanto pertencem à nature-za e essência do Estado de Direito. Portanto, são direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não hajam sido ainda formulados como "normas jurídicas globais", fluem do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade...

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