Proposições propedêuticas

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas45-109
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Capítulo I
PROPOSIÇÕES PROPEDÊUTICAS
SUMÁRIO: 1. Fundamentos de uma teoria; 2. Pressupostos do
conhecimento; 2.1. Conhecimento em sentido amplo e em senti-
do estrito; 2.2. Giro-linguístico; 2.3. Linguagem e realidade; 2.4.
Língua e realidade; 2.5. Sistema de referência; 2.6. Considera-
ções sobre a verdade; 2.7. Autorreferência da linguagem; 2.8.
Teoria dos jogos de linguagem; 3. Conhecimento científico; 3.1.
Linguagem científica e o neopositivismo lógico; 3.2. Pressupos-
tos de uma teoria; 3.2.1. Delimitação do objeto; 3.2.2. Método; 4.
Teoria geral do direito.
1. FUNDAMENTOS DE UMA TEORIA
Toda teoria existe para conhecer um objeto. Quando
pensamos numa teoria, o que nos vem à mente é um con-
junto de informações que possibilitam identificar e com-
preender certa realidade. Podemos, assim, definir o termo
como um sistema de proposições descritivas acerca de deter-
minado objeto, que nos capacita a compreendê-lo e a operá-
-lo com maior eficiência nas situações em que nos envolve-
mos com ele. E, aqui logo aparece a sugestiva distinção entre
“teoria” e “prática”.
Classicamente distingue-se teoria da prática tendo-se
aquela como um conjunto de informações que tem por objetivo
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AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
explicar determinada realidade e esta como a realidade expli-
cada tal qual ela se apresenta. Neste contexto, explica RICAR-
DO GUIBOURG: “uma boa teoria serve para melhor interpre-
tar a realidade e para guiar com maior eficácia a prática até
os objetivos que esta tenha fixado. E, uma boa prática é capaz
de examinar os resultados para promover a revisão da teoria,
de tal sorte que, ambos os polos do conhecimento se auxiliam
reciprocamente para o avanço conjunto”.1
Em síntese: a teoria explica a prática e a prática confir-
ma ou infirma a teoria. Mas não podemos esquecer que am-
bas são apenas fatores diferentes de um mesmo objeto, cujo
conhecimento pressupõe tanto a teoria quanto a prática. É
nesse sentido que PAULO DE BARROS CARVALHO relem-
bra a lição de PONTES DE MIRANDA segundo a qual “não
há diferença entre teoria e prática, mas aquilo que existe é
o conhecimento do objeto: ou se conhece o objeto ou não se
conhece o objeto”.2
Não existe prática sem teoria e nem teoria sem prática.
Nenhum caso concreto é conhecido ou resolvido sem um con-
junto de proposições que o explique e nenhum conjunto de
proposições explicativas é construído sem uma concretude
que o reclame. O homem não foi à lua por acaso, não desco-
briu o sarampo, a rubéola, a paralisia infantil e nem as vacinas
destas doenças do nada, não desenvolveu técnicas cirúrgicas
acidentalmente e nem casualmente inventou computadores,
aviões, telefones e toda a tecnologia de que dispomos hoje. Se
assim o fez, foi porque construiu uma teoria, porque parou,
pensou e emitiu proposições sobre. E, se construiu uma teo-
ria, foi porque se deparou com alguma concretude que preci-
sava ser explicada ou resolvida.
Entre os planos teórico e prático, entretanto, existe outro
que os conecta: é a linguagem da experiência (conforme
1. El fenómeno normativo, p. 28.
2. Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, p. 5-6.
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CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
representa o gráfico abaixo), que torna efetivamente possível
o conhecimento do objeto. Muitas vezes sabemos a teoria e
nos deparamos com inúmeros casos práticos que compõem
nosso dia a dia, mas não temos a linguagem da experiência,
sem a qual não somos capazes de realizar a integração entre
linguagem teórica e linguagem prática, único meio de, con-
cretamente, conhecermos o objeto.
Explicando: Entre a linguagem da teoria e a linguagem
da prática existe sempre a linguagem da experiência que as
conecta.
De nada serve sabermos uma teoria se não conseguimos
aplicá-la para explicar a concretude experimentada. Do mes-
mo modo, de nada adianta experimentarmos uma concretude
se não temos uma teoria para compreendê-la, em nenhum dos
casos conheceremos o objeto. Como ilustração, podemos citar o
exemplo de um médico que reconhece teoricamente os aspectos
das formações cancerosas de pele (porque estudou na faculdade
ou residência), mas ao deparar-se com o caso concreto de uma
alteração cutânea, não a identifica como cancerosa (dando-lhe
outro diagnóstico). Na verdade, independente daquilo que se
denomina teoria ou prática, o médico não sabe o que é câncer
de pele, justamente porque lhe falta a linguagem da experiên-
cia. No campo do direito podemos citar o exemplo do estagiário
que vivenciou a teoria da sistemática dos recursos nas aulas de
Processo Civil na faculdade, mas na prática do escritório esco-
lhe a peça recursal errada para apresentar a seu chefe. Pode-
-se dizer que tal estagiário conhece a teoria dos recursos, mas
não a prática ou ele simplesmente não conhece a sistemática
dos recursos? De nada adianta conhecermos a teoria e não
termos a linguagem da experiência para associá-la à situação
TEORIA
PRÁTICA
Linguagem da experiên cia

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