Propriedade do conhecimento científico e tecnológico

Autor1. Salete Oro Boff - 2. Luiz Otavio Pimentel
Cargo1. Pós-Doutoranda em Direito – UFSC – Área Propriedade Intelectual. Doutora em Direito – UNISINOS. Professora do Programa de Pós-graduação em Direito da URI – 2. Doctor en Derecho. Profesor del Cursos de Pos-grado en Derecho y de Engeñaria y Gestión del Conocimiento.
Páginas161-180

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1. Proteção do Conhecimento Científico e Tecnológico

O conhecimento1 é uma construção contínua da humanidade. Apresentase a partir de um processo evolutivo, sem que seja possível estabelecer o seu início. É certo, porém, que o conhecimento está imbricado ao espaço cultural e aos seus atores, resultado de uma diversidade de iniciativas criativas e inovadoras que se comungam ao longo dos tempos na forma de usos, de crendices, de invenções, dePage 162descobrimentos e aperfeiçoamentos de técnicas e de produtos. Portanto, resultado da comunhão do conhecimento empírico com o conhecimento científico (comprovados). Assim, uma cultura é tão mais rica quanto mais saberes for possível integrar. “Os saberes comuns (...) resultam da experiência comum da vida em sociedade” e a “utilização proveitosa do conhecimento em forma de capital é tão antiga quanto o capitalismo industrial”.4

O conhecimento está intrinsecamente associado ao poder, como fator controlador decisivo, e a sua proteção e gestão garantirão a capacidade competitiva do país. A era do conhecimento tem nas inovações científicas e tecnológicas a mola propulsora do desenvolvimento. Os meios de proteção do conhecimento serão escolhidos de acordo com a natureza e o tipo de tecnologia entre patentes, desenho industrial, cultivares, direitos autorais e conexos, marcas, programas de computador, proteção de divulgação não-informada, segredos ou combinações destes.

Vale referir que, desde os primórdios da humanidade, o uso da tecnologia apresenta-se como um diferencial entre os povos dominantes e os dominados5. Os povos que detinham o conhecimento utilizavam ferramentas mais avançadas e proibiam o seu uso por outros povos. Essa capacidade criadora, inerente ao ser humano, já era visível na Antigüidade, nas mais diversas formas de manifestação, sem, contudo, a intenção clara de sua utilidade.6 Mas o desenvolvimento da criação humana passa por um maior reconhecimento a partir da Idade Média. Esse período é marcado pelo Renascimento com o surgimento de grandes artistas, como Leonardo da Vinci. Nessa época, o ‘soberano absoluto’ conferia, a título de graça, monopólios de exploração ou privilégios, como garantia de recompensa ao inventor, quando sua obra fosse utilizada pelos demais.

O surgimento da imprensa, no século XVIII (facilidade de divulgação de idéias e de reprodução de obras) e a Revolução Industrial impulsionaram o mercado na área das criações humanas e os criadores passam a ter maior proteção sobre suas obras em âmbito geral. À proteção desse conjunto de direitos sobre as obras intelectuais dá-se o nome de propriedade intelectual7.

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Importa à propriedade intelectual o poder criativo do homem, as “novas idéias, invenções e demais expressões criativas, que são essencialmente o resultado da atividade privada”8. As obras artísticas produzem efeitos no mundo da percepção, da comunicação e da expressão, enquanto as invenções geram resultados no mundo material.9 Os direitos resultantes das criações intelectuais “têm caráter imaterial e são essencialmente internacionais cosmopolitas”.10 Isso quer dizer que o produto das criações/invenções localiza-se onde estiver a civilização.

Esse caráter eminentemente internacional do direito da propriedade intelectual deu origem a Acordos e Convenções sobre a matéria. No século XIX, surgem as Convenções União de Paris (1883) e de Berna (1886), as quais estabeleceram normas gerais de observância internacional para proteção da propriedade intelectual. Posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial, altera-se a legislação internacional, com a criação de novos mecanismos de proteção, adaptados às profundas transformações sofridas no mundo. O resultado foi a criação de uma organização que reunia as questões relativas aos direitos de autor e conexos, assim como os direitos de inventor. A OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual – ocupa-se de administrar a Convenção União de Paris e de Berna.

Não obstante o papel desempenhado pela OMPI, os países industrializados passam a exigir revisão dos tratados, com o fim de dotá-los de mecanismos para impor deveres e sanções aos países membros, assim como criar meios para resolução de controvérsias11. Com o propósito de completar os tratados existentes sobre a matéria, surge o TRIPs – Acordo sobre Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual – relacionados ao comércio. Como parte dos Acordos e Convenções internacionais, os Estados-Partes12 adaptam suas legislações às previsões internacionais.13 O TRIPs conta atualmente com 148 signatários e tem por objetivos promover a redução das distorções e impedimentos ao comércio internacional; promover a efetiva e adequada proteção aos direitos de propriedade intelectual e assegurar medidas e procedimentos de proteção aos direitos de propriedade intelectual a fim de que não se tornem barreiras para o comércio legítimo; estabelecer novas regras para cumprimento dos direitos de propriedadePage 164intelectual, considerando a diversidade dos sistemas legais nacionais e garantir o princípio do tratamento nacional, pelo qual cada membro concederá aos nacionais dos demais Estados-Partes tratamento não menos favorável ao outorgado a seus próprios nacionais com relação à proteção da propriedade intelectual. O tratado abrange o direito autoral e conexo, as patentes, as marcas, o desenho industrial, segredo industrial e a concorrência desleal.

2. Formas de proteção da propriedade intelectual na Legislação Brasileira

As formas de conhecimento14 técnico e científico protegidas pela propriedade intelectual são os direitos de autor e conexos (relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão). São as criações do espírito; seu objeto resulta do trabalho intelectual, é fruto de “um esforço pessoal (trabalho) realizado pela inteligência e inspiração de uma pessoa (ou de um grupo de pessoas), com o apoio no seu patrimônio de conhecimentos e de experiência”.15

No campo da propriedade industrial16, estão as patentes de invenção e os modelos de utilidade, o desenho industrial, as marcas, os desenhos e modelos industriais e a concorrência desleal. As cultivares contemplam as novas variedades de plantas; a informação não-divulgada e a topografia de circuitos integrados.17

Um sistema de propriedade intelectual permite incentivar a geração de novas tecnologias, produtos, processo e oportunidades comerciais, promove um ambiente legal que aumenta a segurança e a confiança das empresas, incentivando as transações comerciais. Também representa uma fonte de informação sobre o estágio da técnica e serve como instrumento de planejamento e estratégia da indústria e do comércio.

No Brasil, é vasta a legislação sobre o tema. O texto constitucional de 1988 estabelece os princípios básicos para a proteção que servem como embasamento para a legislação infraconstitucional. A Constituição brasileira incluiu, entre os direitos e garantias fundamentais, no artigo 5º, inciso XXVII, a proteção aos direitos dos criadores: “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicaçãoPage 165ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Além dos direitos individuais dos autores, são assegurados os direitos conexos pela participação em obras coletivas.

O direito dos inventores está assegurado na Constituição Federal de 88, no artigo 5º, XXIX: “A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, os nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em conta o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.”

O texto constitucional de 1988 estabelece os princípios para a proteção dos direitos que servem como base para a legislação infraconstitucional. São leis relacionadas com a Propriedade Intelectual: Lei n. 9.610/98, que dispõe sobre Direito Autoral e Conexos; Lei n. 9.609/98, sobre os Programas de Computador; Lei n. 9.279/ 96, sobre Patentes, Desenho Industrial, Marcas, Indicações Geográficas e Concorrência Desleal; Lei n. 9.456/97, sobre as Cultivares; a Lei n. 10.603/02, sobre a Proteção de Informação Não-Divulgada; a Lei n. 11.484/07, sobre Topografia de Circuito Integrado.

O direito de autor é o nome dado ao direito que o autor, o criador, o tradutor, o pesquisador ou o artista têm sobre sua criação, regulamentando as relações jurídicas surgidas da criação e da utilização da obra. Engloba os direitos morais (inalienáveis e irrenunciáveis) e patrimoniais (econômicos) sobre a obra.

O direito de autor garante a exclusividade de utilizar, fluir e dispor da obra literária, artística ou científica, dependendo de autorização prévia e expressa do mesmo para que a obra seja utilizada, por quaisquer modalidades, dentre elas a reprodução parcial ou integral. O período de duração do direito patrimonial é de setenta anos após a morte do autor.

Conforme a Lei n. 9.609/98, artigo 1º, o programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e fins determinados.

O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observadas algumas...

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