A propriedade condominial

AutorChristiano Cassettari
Páginas306-343
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A PROPRIEDADE CONDOMINIAL
62.1 INTRODUÇÃO
A propriedade condominial é forma cada vez mais presente na vida moderna,
quer por causa do aumento da população total, quer pelo adensamento populacional
ocorrido no século XX, quer pelas relações cada vez mais complexas da sociedade
moderna.
Assim, é fundamental que o registrador tenha perfeito domínio dessa forma de
propriedade, articulando seus diversos conceitos e formas de expressão, os quais trazem,
cada um, consequências jurídicas muito diversas. São espécies do gênero condomínio:
o comum (que se subdivide em voluntário e necessário) e o especial (edilício).
62.2 DO CONDOMÍNIO COMUM
Na clássica lição de Caio Mario, dá-se o condomínio comum quando a mesma coisa
pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente,
sobre o todo e cada uma de suas partes. Para que se constitua o condomínio ordinário,
aqui chamado de comum, não é essencial que todos os condôminos tenham parte ideal
igual. Da def‌inição, podemos depreender duas características básicas.
Em primeiro lugar, existe cotitularidade dominial sobre uma mesma coisa. Assim,
somente existirá condomínio quando mais de uma pessoa for dona, ao mesmo tempo,
de um mesmo bem. Sempre que apenas uma pessoa for proprietária de um bem, estará
descaracterizado o regime do condomínio.
Contudo, nem sempre que duas pessoas forem proprietárias, ao mesmo tempo, de
um mesmo bem, ocorrerá o condomínio. Para que isso seja adequadamente explicado,
é necessário antes compreender a segunda característica básica do condomínio, a das
cotas ideais.
O regime jurídico que rege o condomínio ordinário é o de cotas (ou também fra-
ções) ideais sobre a coisa, possuindo cada condômino uma porcentagem sobre o todo,
sem que seu direito incida sobre parte determinada. O direito de cada condômino incide
sobre o todo, indistintamente. Se sou condômino de uma casa, não é possível determi-
nar a “parte” que me cabe e a “parte” que cabe aos demais condôminos. Seria o caso,
digamos, de ser “meu” o rol de entrada, a cozinha e a suíte, e o restante, como sala de
jantar, quartos e banheiros, dos demais.
Tal divisão pode até ocorrer faticamente, mas se dará o primeiro passo para a ex-
tinção do condomínio comum, atribuindo área certa e determinada para cada um dos
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coproprietários. Outra forma de isso ocorrer é pela instituição do condomínio especial
(ou edilício), conforme veremos adiante. Mas o que importa nesse momento é entender
que, de um jeito ou de outro, tal atitude afasta a incidência do condomínio ordinário.
Compreender isso é fácil quando nos deparamos com situações em que o bem é,
por natureza, indivisível. Porém, é frequente haver confusão quando ocorre o inverso,
sendo o bem, por natureza, divisível, mas permanece em condomínio somente pela
vontade das partes. Mesmo nesse caso, até que ocorra a efetiva divisão do bem, haverá
condomínio ordinário.
Por isso, af‌irma-se que os direitos dos condôminos são qualitativamente iguais,
pois suas frações ideais incidem sobre todo o bem, mas podem (conforme a vontade
destes) ser quantitativamente distintos, sendo proporcionais aos seus quinhões. Se duas
pessoas são condôminos sobre um bem, salvo disposição expressa entre elas, presume-se
que cada uma seja titular da fração ideal de 50% do todo.
O condômino é, antes de tudo, coproprietário do bem. Como tal, é titular dos direitos
de usar, fruir, dispor e reivindicar o bem, mas de forma limitada pela copropriedade dos
demais condôminos. Em outras palavras, o exercício de seus direitos de proprietário está
limitado pelos direitos simultâneos e sobre a totalidade da coisa dos demais.
Assim, o usar da coisa limita-se conforme a destinação da coisa, que pode ser natural
ou convencionalmente determinada. Decorre disso o dever de não alterar a destinação
da coisa comum, nem dar sua posse, uso ou gozo a terceiro sem o consentimento dos
demais.
Também decorre o dever de cada um usar a coisa de modo a não excluir igual direito
dos demais. Se o f‌izer, poderão os demais exigir pagamento de indenização em valor
correspondente ao uso de suas cotas sobre a coisa, de sorte a evitar o enriquecimento
sem causa do transgressor.
Parte da jurisprudência denomina essa indenização de aluguel, embora não seja
regida pela lei do inquilinato, sendo devido desde o momento da violação do direito
dos demais. No caso específ‌ico de ocorrer entre ex-cônjuges (e, por isso, agora condô-
minos), em que um ocupa exclusivamente o imóvel comum, o STJ entende ser o termo
inicial a data da notif‌icação ou da citação, pois entende existir, no período anterior,
comodato tácito.
No fruir da coisa, percebem-se os frutos na proporção de cada cota-parte ideal,
salvo convenção em contrário entre eles.
Quanto a alienar e/ou onerar, cada condômino, relativo à sua fração ideal, poderá
proceder à alienação de sua cota-parte ideal independentemente do consentimento dos
demais.
Exemplif‌icando: Tício, Túlio e João são condôminos de uma área rural de 30,00
hectares, cada um de uma terça parte ideal. Tício, se quiser, pode alienar, para Maria
(terceira pessoa, estranha ao condomínio), a totalidade ou parte de sua fração ideal de
1/3, independentemente da anuência dos demais, desde que respeitadas as normas do
parcelamento do solo.
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REGISTRO DE IMÓVEIS • MONETE HIPÓLITO SERRA E MÁRCIO GUERRA SERRA
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Nesse caso, porém, é de observar-se que se limita a venda da fração ideal em função
do direito de preferência dos demais condôminos nessa modalidade de alienação, quan-
do a coisa for indivisível (quer por natureza, quer por vontade das partes), conforme
dispõe o art. 504 do Código Civil. Violado o direito, tal venda é válida, mas inef‌icaz
perante os demais, que terão seis meses, a contar do registro ou da ciência inequívoca,
para promoverem a desconstituição do negócio jurídico, depositando judicialmente o
preço e haverem a coisa para si.
Nessa questão de direito de preferência, existem duas correntes distintas no STJ:
i) Só existe preferência quando a coisa é indivisível, aplicando literalmente o artigo
da lei (ou seja, o bem é indivisível por natureza).
ii) A coisa pode ser divisível, mas somente na hipótese de se conf‌igurar condomínio
pro indiviso. Essa segunda corrente parece ser a mais razoável (a classif‌icação de
condomínio em pro diviso e pro indiviso é abordada mais adiante neste capítulo).
Por f‌im, todos os condôminos possuem o direito de reivindicar a coisa de tercei-
ros, do que decorre o direito de sequela. Em face dos terceiros, age o condômino como
proprietário pleno, movendo todas as ações cabíveis sobre a totalidade do bem, a f‌im
de proteger seu direito de proprietário.
Em função disso, tradicionalmente, não se admite que um condômino mova ação
reivindicatória em face de outro condômino, pois essa é ação de proprietário sem posse
em relação a possuidor sem propriedade. Isso se justif‌ica em função de o outro con-
dômino ser, necessariamente, também proprietário da coisa. No entanto, o STJ a tem
admitido quando for hipótese de condomínio pro diviso e o condômino mover a ação
para proteger seu quinhão contra outro condômino.
É situação bem distinta, e também incontroversa, a possibilidade da legítima de-
fesa da posse, mesmo diante de outro condômino, podendo se dar perante terceiros ou
condômino, de forma individual e sem requerer anuência dos demais.
Os direitos dos condôminos correspondem a deveres recíprocos. Inicialmente, cada
um deve usar a coisa comum conforme sua destinação, sem lhe causar deterioração e
sem privar os demais de seu uso. Devem, ainda, todos contribuir para saldar as despesas
de conservação da coisa e todas as outras de seu interesse comum, como taxas, impos-
tos, cultivo e colheita etc. Contudo, o Código Civil, no art. 1.316, dispõe que pode o
condômino renunciar à sua fração ideal para eximir-se dessas obrigações. Sendo a coisa
imóvel, deve ser elaborado o instrumento adequado, conforme o art. 108, e registrada
a renúncia na matrícula para surtir efeitos (art. 1.275, Código Civil).
Assim, uma vez compreendidas as implicações do conceito de fração ideal, pode-
mos, então, distinguir condomínio de comunhão. Comunhão em sentido genérico é
vocábulo mais abrangente, sendo o gênero do que o condomínio é espécie. De forma
geral, Flauzilino dos Santos ensina que “existe comunhão no sentido genérico quando
um direito ou conjunto de direitos está atribuído em comum a uma pluralidade de su-
jeitos”. Disso decorre tanto o condomínio em geral quanto a comunhão de mão comum,
decorrente do casamento.
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