A propriedade intelectual como propulsora do desenvolvimento econômico e social

AutorThiago Paluma
Páginas105-143

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4.1. Considerações Iniciais

Atualmente, o conhecimento humano e o fruto de sua capacidade inventiva têm se mostrado como um dos produtos mais bem remunerados, tendo em vista que é necessário, via de regra, anos de investimento e pesquisa para a criação de novas técnicas.

Os países detentores de modernas tecnologias valem-se dessa situação confortável e através do comércio desse valioso produto auferem lucros extraordinários. No Brasil, por exemplo, no ano de 2015, segundo dados do INPI, foram requeridas 1.400 averbações de contratos de tecnologia1. O efetivo investimento em pesquisa, por parte da iniciativa pública ou privada, revela uma característica importante que aponta o nível de crescimento econômico e social do país, ou que pelo menos esse país esteja caminhando rumo a um futuro com desenvolvimento pleno. Comprova-se esta afirmação, vislumbrando-se os números a seguir apontados.

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Enquanto o Brasil em 2015 registrou no USPTO (United States Patent Trade Office) 323 patentes, o Japão registrou 52.409 patentes, a Coréia do Sul 17.924, a Índia 3.355, e os EUA 140.969 patentes2. Esses cinco últimos países estão entre os maiores exportadores de conhecimento do mundo, e o lucro gerado com essas tecnologias permitem a realização de investimentos em áreas sociais, como educação, saúde e melhores condições de trabalho.

Ao longo deste capítulo será demonstrada, primeiramente, a relação entre o Desenvolvimento e a proprie-dade intelectual. Em um segundo momento, abordarse-á a inserção do tema Desenvolvimento no Acordo TRIPS/OMC, que, atualmente, é a principal norma jurídica sobre o tema Propriedade Intelectual na esfera internacional. Por fim, será realizado um estudo das bemsucedidas experiências do Japão, Coréia do Sul e Índia, o que permitirá uma análise comparativa com a realidade brasileira e a política e legislação nacional sobre o tema.

4.2. Relação entre os Direitos de Propriedade Intelectual e o Desenvolvimento

Para iniciar o presente tópico faz-se necessária uma remissão ao pensamento de Amartya Sen. Como exposto anteriormente, o desenvolvimento é liberdade e para alcançá-lo é necessário que se removam as fon-

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tes que privam esta liberdade3. Dessa forma, o Estado deve combater problemas estruturais (de ordem social, econômica e política), tais como: pobreza, poucas oportunidades econômicas, má-distribuição de renda, ineficiência na prestação de serviços públicos, interferências internacionais, ordenamento jurídico adequado e instituições públicas (administrativas ou judiciais) sólidas. A melhor prestação desses serviços e a atuação mais eficiente do Estado possibilitará a constituição de um plano de desenvolvimento equilibrado e sustentado.

No que tange às interferências internacionais excessivas pode-se citar a imposição da continuidade da dependência dos países em desenvolvimento ou com menor desenvolvimento relativo em relação aos países desenvolvidos, que se dá através de acordos que visam uma maior proteção dos direitos à propriedade intelectual, como os já citados TRIPS-Plus e TRIPS-Extra4.

O acordo TRIPS, sem dúvida, constitui-se como um importante instrumento de proteção da propriedade intelectual em nível internacional, porém, os países desenvolvidos, descontentes com algumas lacunas existentes neste Acordo, forçam os países menos desenvolvidos, principalmente os emergentes, a assinarem tratados que disponham sobre um nível de proteção superior a estabelecida no TRIPS (TRIPS-Plus) ou em que "abram mão" de suas brechas e salvaguardas.

Os professores Luiz Otávio Pimentel e Welber Barral, sobre a pressão dos países desenvolvidos em elevar

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os padrões de proteção da propriedade intelectual nos demais países, explicam que:

A corrente de Sherwood postula que os países subdesenvolvidos devem aumentar a proteção à proprie-dade intelectual para obterem benefícios substanciais, como investimentos, tecnologia e, em geral, um crescimento econômico do país5.

O aumento da proteção como garantia de desenvolvimento, por supostamente estimular a produção tecnológica é, segundo opinião dos supracitados professores, um sofisma. A efetiva transferência de tecnologia é o único meio capaz de gerar desenvolvimento, se conjugada conjuntamente com políticas de investimentos em novas tecnologias6.

Conforme exposto no segundo capítulo existem instrumentos internacionais fortemente comprometidos em proteger os direitos de propriedade intelectual. Da mesma forma, tais instrumentos são, em sua maioria, eficientes no que tange à vigilância dos países-membros

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quanto à observância das disposições pactuadas. Kelly Bruch, Débora Hoff e Eveline Brigido ressaltam que:

[...] a questão que se apresenta é como os países que não são líderes na produção de tecnologia podem adotar políticas públicas para a promoção do desenvolvimento, sem violar os tratados dos quais são partes7.

Os países em desenvolvimento possuem a difícil tarefa de gerarem desenvolvimento sem infringirem as disposições dos tratados firmados, como é o caso do TRIPS. Dessa forma, políticas públicas juridicamente bem estruturadas devem ser criadas simultaneamente às elaborações de normas jurídicas condizentes com a realidade de cada Estado, de forma que todas as brechas e possibilidade de flexibilidade dos tratados internacionais sejam eficientemente utilizadas.

Um eficiente instrumento para limitar o poder econômico de grandes corporações que utilizam os direitos de proteção da propriedade intelectual para auferir cada vez mais lucros, como o monopólio na exploração, é a licença compulsória.

No caso do Brasil, a licença compulsória de patentes que sejam de interesse público8possui respaldo em

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vários artigos constitucionais e infraconstitucionais9.

Porém, qualquer justificativa baseia-se no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Este princípio faz com que a medida governamental seja considerada justa e legal. Na esfera internacional tais medidas são previstas, conforme exposto em momento anterior, pelo TRIPS. Outra forte justificativa que deve ser considerada é a preservação da livre-concorrência10.

Não restam dúvidas que a produção de tecnologia própria ou a transferência de tecnologia advinda de Estados estrangeiros gera desenvolvimento econômico para o país receptor, mesmo que esse desenvolvimento refira-se apenas ao lucro gerado pelo aumento ou melhora na produção. César Flores, quanto à relação entre os benefícios estatais advindos de investimentos privados, leciona que:

A economia mundial cresce a cada dia e toma proporções assustadoras, inviabilizando uma divisão entre o interesse público, desenvolvimento do Estado, o interesse privado, e melhora na produção industrial. A cada dia, o volume de recursos gerados pela iniciativa privada influencia mais no desenvolvimento da economia estatal11.

Todavia, a grande questão fica na seara do desenvolvimento social e na alienação gerada pela dominação dos países detentores de capital e tecnologias de pon-

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ta em relação aos países menos desenvolvidos. Um aumento de arrecadação, momentâneo, advindo da aplicação de uma técnica importada para uma produção já existente é esperado. Porém, com o passar dos anos, não havendo investimentos em pesquisa concomitante à importação de técnicas, a dominação e dependência são cada vez maiores.

O desenvolvimento tecnológico é um dos meios para se chegar ao desenvolvimento social e econômico12.

No entanto, a relação de domínio e dependência tecnológica gera um círculo vicioso, principalmente quando essa transferência de tecnologia não vem acompanhada de investimentos em pesquisa, como a criação de centros de P&D, e uma sólida relação de cooperação cientí-

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fica ou tecnológica, entre governos ou entre a iniciativa pública e privada13.

Mesmo antes da criação do Acordo TRIPS, os países em desenvolvimento ou com menor desenvolvimento relativo propunham uma maior flexibilidade dos acordos internacionais, para que eles também conseguissem se desenvolver tecnologicamente até mesmo a partir de técnicas já existentes no mercado. É de interesse dos países desenvolvidos que os períodos de proteção e exclusividade para exploração da propriedade intelectual sejam cada vez maiores, pois dessa forma os países destituídos da tecnologia ficam por mais tempo dependentes.

Outra relação que deve ser analisada é a existente entre a soberania14dos países e a dependência tecnológica. A dependência tecnológica gera consequentemente a dependência econômica, principalmente, quando a

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tecnologia que o Estado menos desenvolvido necessita encontra-se inserida em sua cadeia produtiva. Um país não será totalmente independente na esfera internacional, enquanto, por exemplo, ele negociar outras questões com um país que seja o produtor da tecnologia que é básica e essencial para sua principal fonte de produção industrial.

Exemplo de norma que se possuísse aplicabilidade seria extremamente vantajosa para os países menos desenvolvidos é a do item 2 do artigo 66 do Acordo TRIPS. Ela estabelece a necessidade dos países desenvolvidos de concederem "incentivos a empresas e instituições de seus territórios com o objetivo de promover e estimular a transferência de tecnologia aos países de menor desenvolvimento relativo, a fim de habilitá-los a estabelecer uma base tecnológica sólida e viável".

Os países menos desenvolvidos, membros da OMC, possuem como obrigação, mesmo que gozando de um prazo maior, de adequar-se ao Acordo TRIPS15. Em contrapartida, os países...

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