Protagonismo do juiz e das partes no saneamento e na organização do processo

AutorJosé Rogério Cruz e Tucci
Páginas401-427
PROTAGONISMO DO JUIZ E
DAS PARTES NO SANEAMENTO
E NA ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO
José Rogério Cruz e Tucci
Professor Titular e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídica. Advogado.
Sumário: 1. Aproximação dos regimes processuais europeus – 2. Audiência de saneamento sob
a perspectiva da comparação jurídica – 3. Antecedentes da reforma brasileira – 4. Regramento
do vigente CPC – 5. Resolução de questões processuais pendentes – 6. Fixação das questões
de fato e deferimento dos meios de prova – 7. Distribuição do ônus da prova – 8. Delimitação
das questões de direito – 9. Designação de audiência de instrução e julgamento – 10. Previsão
de pedido de esclarecimento formulado pelas partes – 11. Delimitação consensual acerca
das questiones facti e iuris 12. Complexidade da causa e imposição de audiência para o
saneamento compartilhado – 13. Procedimento para a futura produção de prova testemunhal
– 14. Procedimento para a futura produção de prova pericial – 15. Intervalo mínimo entre a
realização das audiências de instrução e julgamento – 16. Limites da ecácia preclusiva da
decisão de saneamento – 17. Referências bibliográcas.
1. APROXIMAÇÃO DOS REGIMES PROCESSUAIS EUROPEUS
A instituição de um sistema jurídico harmônico, a vigorar no âmbito da
Comunidade Europeia, não constitui por certo um ideal tão distante, sobretudo
depois da assinatura do Tratado de Maastricht, aos 7 de fevereiro de 1992, em que
veio concebido um modelo político federativo para reger as relações entre os países
signatários.
Assim é que, além de relevantes aspectos de natureza econômica e social, os
Estados-membros passaram a adotar uma normativa legal tanto quanto possível
uniforme para disciplinar, e. g., as sociedades comerciais, a defesa da concorrência,
a tutela dos consumidores e, ainda, muitas outras matérias no plano do direito
material.
Já no que concerne a um “processo comum europeu”, adverte Fazzalari que a
equiparação substancial de diferentes sistemas constitui, sem dúvida, tarefa árdua,
tendo-se em conta as dif‌iculdades objetivas para unif‌icar conteúdos normativos,
experiências e culturas jurídicas discrepantes e, inclusive, valores éticos de matiz
bem diversif‌icado.1
1. Prefazione, La giustizia civile nei paesi comunitari, p. VII.
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No entanto, a interação política e estratégica da maioria das nações da União
Europeia não pode evitar a inf‌luência recíproca de vários regimes jurídicos, chegan-
do-se até a admitir, como meta concreta, um “direito processual europeu”. 2
Cumpre observar que o art. 6.º, 1, da Convenção Europeia para Salvaguarda
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma no dia
4 de novembro de 1950, prescreve que: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja
examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal indepen-
dente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis
ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.
Aduza-se que essa importante regra supranacional é considerada a fonte motriz
de toda a dogmática atinente às garantias do devido processo legal então dissemina-
das de modo praticamente análogo entre os países europeus, na certeza de que não
basta assegurar o acesso aos tribunais, e, consequentemente, o direito ao processo.
Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo),
com a verif‌icação efetiva de todas as garantias e formalidades em lei previstas.
Tendo presente essa notória realidade, que irrompe da deliberada consagração
de um due process como expressão de liberdade, assevera Carpi que, mais recente-
mente, a Corte de Justiça da Comunidade Europeia, sediada em Luxemburgo, ditou
as premissas mínimas, a partir da exegese pretoriana da Convenção de Bruxelas
(1968), especialmente no que toca à competência e à execução das sentenças, para
a elaboração de um código de processo civil europeu. 3
Desse modo, há que se ter presente o deliberado desejo, entre os países-mem-
bros, de aperfeiçoamento e modernização das instituições judiciárias, para atender
às exigências ditadas pela União Europeia, cujo escopo precípuo é o de lutar contra
a morosidade da justiça.
Dentre vários temas que têm merecido atenção da legislação e da doutrina
europeias, focada na razoável duração do processo, destaca-se o do “saneamento
compartilhado” do processo, visando sobretudo a antecipar o julgamento da causa
ou, então, a escoimar o processo de eventuais vícios que possam vir a comprometer
a higidez da decisão futura.
Nesta fase do procedimento, a cooperação das partes atinge o seu ponto culmi-
nante, convergindo a atuação de todos os protagonistas da relação processual para
um declarado objetivo, qual seja o de selar os rumos do processo.
2. Cf. Marcel Storme, Perorazione per un diritto giudiziario europeo, Rivista di diritto processuale, p. 293 s.; Diritto
processuale internazionale, La giustizia civile nei paesi comunitari, p. 26 ss.; Elio Fazzalari, Per un processo
comune europeo, Rivista trimestrale di dirittto e procedura civile, p. 665 s.; Eric Stein, Un nuovo diritto per
l’Europa, 1991; Peter Stein, I fondamenti del diritto europeo – Prof‌ili sostanziali e processuali dell’evoluzione
dei sistemi giuridici, 1995.
3. Ref‌lections on the Harmonization of Civil Procedural Law in Europe in Relation to the 1968 Brussels Convention,
Scritti in onore di F. Mancini, 2, p. 112-113.
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