Proteção da família

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas118-129

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Implantado o novo modelo, segundo o ECA, a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes pode e deve ser realizada de várias formas e por diferentes atores sociais. No plano preventivo e no repressivo. Pelas escolas e comunidade. Pelas igrejas e sociedade civil organizada. Pelo Estado e por qualquer pessoa física, jurídica, pública ou privada. De forma punitiva ou assistencialista. Segundo as leis da nature-za e as leis culturais, morais e de ética social. Enfim, segundo a legislação constitucional e infraconstitucional vigente.

Para facilitar a compreensão do tema - efetividade na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes - o trabalho traz duas formas básicas, que, no entanto, recebem reflexos diretos e indiretos das demais. Nesse diapasão, a escolha da formatação do trabalho - defesa extrajudicial e judicial, por meio da família, da sociedade e do Estado, no plano social, administrativo e jurisdicional - obedeceu aos parâmetros fixados pelo art. 227 da Constituição Federal e no art. 4º do ECA.4Assim, é por meio da promoção, da recuperação e do fortalecimento das famílias e que deverão ser concentradas e estimuladas as práticas sociais, econômicas, culturais e jurídicas de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Por ser a primeira e uma das melhores formas de defesa ou proteção, a concentração dos esforços de todos na proteção e na garantia de vida digna nos núcleos familiares trará a curto, médio e longo prazo sensíveis melhorias na qualidade de vida da comunidade infanto-juvenil. BITTAR ensina que o legislador constituinte originário estabeleceu ordem no sentido de que a família constitui a base estrutural da socie-dade e, portanto, merece especial e integral proteção do Estado.

Além da especial proteção do Estado e dever de todos, a própria família, seja natural ou substituta, recebeu a grave missão de promover, primeiramente, a proteção dos direitos dos filhos, independentemente de quaisquer designações. Não é mais correta a expressão: filho adotivo, pois a lei não traz qualquer tratamento diferenciado. Todos são iguais perante a lei. Por isso, estimular o fortalecimento dos laços parentais, a inclusão ou a reinclusão das crianças e dos adolescentes

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nas famílias, constitui a base de sustentação de todos os trabalhos, ações e atividades protetivas dos novos direitos da comunidade infanto-juvenil.5De maneira ficcional como preliminar, no início do século XXI, é possível retratar a situação de duas famílias que residem em qualquer uma das metrópoles brasileiras com o objetivo de situar o foco do trabalho e aprofundar a visão do Direito sobre a família.

Na primeira, as crianças possuem 4, 5, 6 e 7 anos de idade. Fazem a higiene pessoal, vão para a mesa e servem-se do café da manhã. Em seguida, enquanto os irmãos vestem uniformes e vão para as escolas particulares e/ou públicas, as irmãs vão participar dos folguedos e das brincadeiras próprias da idade. No horário de almoço, todos presentes, discutem as tarefas, fatos e acontecimentos da primeira parte do dia. Logo após, as crianças que foram à escola, na parte da manhã, passam a executar atividades recreativas enquanto as demais vão à escola. À noite, finalmente, na mesa do jantar, pais e filhos se reúnem para a última refeição e promovem as discussões relativas ao dia. Finalmente, todos repousam.

Os pais trabalham em setores da economia formal. O pai é empresário da construção civil. A mãe é professora universitária. Possuem casa própria e residem em bairro de classe média. Diariamente, utilizam dois automóveis de boa qualidade. A remuneração mensal é suficiente para manutenção das despesas e a conseqüente evolução patrimonial da família no contexto sócio-econômico. São pessoas conectadas, via jornais, revistas e Internet, à realidade social brasileira. Além das atividades familiares, participam de atividades religiosas e assistenciais com entrega mensal de cestas básicas às famílias carentes que residem nas periferias.

Os filhos freqüentam boas escolas. Respeitam e são respeitados pelos professores e colegas. Todos cumprem as regras escolares. As metas pedagógicas são seguidas, de maneira criteriosa, sob rigorosa supervisão dos professores. Os horários são respeitados. Os uniformes são compatíveis à realidade escolar. Enfim, boas notas e prêmios auferidos, além do ingresso nas universidades públicas, retratam o futuro promissor dos alunos que constituem motivo de orgulho para os pais.

A família possui plano privado de saúde e assistência médica integral. Imóvel, bens domésticos e veículos são segurados na rede privada. Atividades profissionais são regulamentadas e recebem proteção

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do Estado. Os percalços próprios das grandes cidades, tais como poluição, congestionamento, filas etc., de maneira geral não interferem na qualidade de vida ou no futuro das crianças. Enfim, a família adota padrão comportamental e de valores que pouco interessa ou interfere no Direito e, particularmente, com o Direito de Família, conforme ensina MONTEIRO.6A descrição da realidade da familiar da classe média permite afirmar-se que o cotidiano da estrutura familiar evolui sem maiores inter-ferências estatais em relação à proteção infanto-juvenil. Aliás, as famílias pouco utilizam as atividades do Estado, exceto nos serviços públicos indispensáveis, tais como segurança pública, zoneamento urbano etc. Conseqüentemente, para os padrões atuais de convivência social, o núcleo familiar não se encontra na maioria das situações levantadas no segundo capítulo.

O grupo familiar exemplificado pertence ao conjunto de 10% de pessoas que possuem renda suficiente para viver com dignidade. Como a população brasileira é formada por significativa quantidade de pessoas que vivem em condições de extrema miserabilidade, inclusive abaixo da linha de pobreza, segundo os padrões fixados internacionalmente7, o trabalho ganha importância uma vez que auxiliará na busca de melhor qualidade de vida para milhões de pessoas. A simples análise quantitativa reforça a importância dos temas a serem desenvolvidos, uma vez que tem como um dos objetivos, a eficiente proteção de cerca de 90% das entidades familiares.

No entanto, ao ser analisada a situação de outra família constata-se que a realidade é muito diferente.

A família sobrevive em condições opostas, uma vez que visivelmente pobre, é composta por treze pessoas. São sete filhos, pai e mãe, dois tios e dois amigos, todos oriundos da região Nordeste ou de outra parte pobre do País. O pai, os tios e os amigos estão desempregados. São usuários de bebidas alcoólicas. Conseguem parcos rendimentos diários com a confecção de pequenos trabalhos na informalidade. O salário mínimo é uma utopia e motiva o trabalho informal de todos, inclusive dos filhos, independente da idade ou grau de escolaridade.

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Todos moram no mesmo barraco de lona preta, situado na periferia da cidade. Às vezes, nas favelas, morros e nas periferias das grandes cidades, naturalmente, vítimas do êxodo rural. Sem esgoto doméstico, banheiros, água potável, iluminação e segurança pública ou privada, sobrevivem em precárias condições de higiene e desconhecem os paradigmas da dignidade da pessoa humana. A alimentação é pobre de nutrientes e insuficiente para atender o mínimo de sustentabilidade humana. São os excluídos do contexto social brasileiro.

As crianças não estudam e, conseqüentemente, não sabem ler e escrever. Os pais não estudaram e não aprenderam qualquer ofício ou profissão legal. Não existem escolas nos bairros próximos. A residência não possui televisão. O rádio à pilha não funciona. Não existem livros, jornais e revistas nos barracos...

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