A proteção dispensada à pessoa idosa pelo direito consumerista é suficiente como uma intervenção reequilibradora?

AutorClaudia Lima Marques e Fernanda Nunes Barbosa
Ocupação do AutorDoutora e Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Heidleberg, Alemanha/Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas371-393
A PROTEÇÃO DISPENSADA À PESSOA
IDOSA PELO DIREITO CONSUMERISTA É
SUFICIENTE COMO UMA INTERVENÇÃO
REEQUILIBRADORA?
Claudia Lima Marques
Doutora e Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Heidleberg, Alemanha. Mestre
em Direito pela Universidade de Tübingen e Especialista em Direito Europeu pela Uni-
versidade do Sarre, Alemanha. Professora Permanente do PPGD/UFRGS. Presidente
do Committee on International Protection of Consumers, ILA (Londres). Editora-Chefe
da RDC (Brasilcon/RT). Advogada. E-mail: dirinter@ufrgs.br.
Fernanda Nunes Barbosa
Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da
Graduação em Direito e do Mestrado em Direitos Humanos do UniRitter. Editora da
Série Pautas em Direito/Editora Arquipélago. Advogada. E-mail: fernanda@tjnb.adv.br.
Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba beneciada
é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto coletivo de inclusão so-
cial imperativa, que lhe é caro, não por sua faceta patrimonial, mas precisamente por
abraçar a dimensão intangível e humanista dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da solidariedade.
(REsp 931.513/RS, 1.ª Seção, j. 25.11.2009,
rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, DJe 27.09.2010)
Sumário: 1. Introdução. 2. O idoso como consumidor hipervulnerável e a proteção do Código
de Defesa do Consumidor. 3. A proteção do idoso no cenário nacional pós Lei 10.741/2003
(Estatuto do Idoso) e o diálogo das fontes. 4. A insuciência da proteção da pessoa idosa no
crédito ao consumo e o superendividamento: a necessidade de aprovação do PL 3515/2015.
5. Nota conclusiva. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geograf‌ia e Estatística (IBGE), existem
hoje 31,981 milhões de idosos (maiores de 60 anos), correspondendo a 15,4% de nossa
população, sendo a população com mais de 80 anos já de 2,2%, correspondendo a 4,524
milhões de pessoas.1 No ano de 2018, o IBGE divulgou uma nova pesquisa sobre a pro-
1. Os dados sobre o envelhecimento do Brasil são: População total Brasil: 207,853 milhões. População 60+ = 31,981
milhões – 15,4% (Homens-14,170 milhões; Mulheres-17,811 milhões); População 80+ = 4,524 milhões – 2,2%
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CLAUDIA LIMA MARQUES E FERNANDA NUNES BARBOSA
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jeção demográf‌ica brasileira, que aponta o rápido e intenso processo de envelhecimento
no país. Desde 2012, mais 4,8 milhões de pessoas passaram para a condição de idoso no
Brasil e o crescimento deste grupo etário, em cinco anos, foi de 18%.2
Essa é uma tendência mundial, e que decorre tanto do aumento da expectativa de
vida pela melhoria nas condições de saúde quanto pela questão da taxa de fecundidade,
que tem decaído.3 Ainda que o princípio democrático não induza a um “governo da
maioria”, mas, ao contrário, que sociedades de fato comprometidas com valores demo-
cráticos devem ser plurais e inclusivas, será que esse aumento quantitativo tem gerado
um correspondente aprimoramento dos direitos, garantias e respectivos mecanismos
de defesa do idoso no país?
A Constituição Federal brasileira, já em seu Art. 3º aponta, como objetivos fun-
damentais da República Federativa do Brasil: “I – construir uma sociedade livre, justa
e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.” No Artigo 5º, inciso XXXII, impõe ao Estado o dever de proteção dos
consumidores: “O Estado, na forma da lei, promoverá a defesa do consumidor.” No Art.
230, por sua vez, o legislador constituinte positivou ser dever da família, da sociedade
e do Estado “amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”4. Verif‌ica-se
aqui, de diferentes formas, o claro mandamento de proteção do idoso, em especial se
consumidor.
Seguindo esse percurso, em âmbito internacional o Brasil foi um dos seis países
que assinou, no ano de 2015, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direi-
tos Humanos dos Idosos, instrumento cujo objetivo é “promover, proteger e assegurar
o reconhecimento e o pleno gozo e exercício, em condições de igualdade, de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais da pessoa idosa”5. Registre-se que na MSC
412/20176 constou a recomendação para que fosse adotado, em relação a esta Conven-
ção, o procedimento previsto do § 3° do Art. 5° da Constituição Federal, para f‌ins de
sua equiparação a Emenda Constitucional, assim como se deu com os instrumentos da
(Homens- 1,760 milhões; Mulheres-2,764 milhões). Fonte: Dados do IBGE a partir do PNAD continuado,
relatório anual, disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.
html?edicao=24437&t=resultados. Acesso em: 30 ago. 2019.
2. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-
numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017. Acesso em: 20 jul. 2019.
3. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-
numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017. Acesso em: 20 jul. 2019.
4. Na íntegra, dispõe o art. 230 da CF/88: “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes
o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º
Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”
5. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=1617507&f‌ilename=MSC+412/2017. Acesso em: 15 ago. 2019.
6. Mensagem de Acordos, convênios, tratados e atos internacionais disponível em: https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/f‌ichadetramitacao?idProposicao=2158508&ord=1. Acesso em: 15 ago. 2019. Atualmente,
transformada no PDC 863/2017.
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