A proteção do emprego frente às inovações tecnológicas

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Páginas66-98

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Perspectiva geral da proteção do emprego

A partir dos estudos feitos nos capítulos anteriores, constatamos que a proteção do emprego frente à implementação tecnológica, como forma de minimizar o desemprego tecnológico (unemployment technological) e seus efeitos, é o resultado de uma “luta operária”, centrada em dois campos de atuação: o campo político e a seara da negociação coletiva de trabalho.

No campo político, os sindicatos e trabalhadores pressionam os dirigentes a editar normas e leis de caráter protetivo e proibitivo, restringindo a implementação de “novas tecnologias”, como no caso do sistema self-service nos postos de gasolina, ou apenas proibindo a dispensa de empregados, v. g., a vedação de dispensas dos cobradores, quando da implantação de sistema eletrônico de cobrança nos ônibus, sem apresentar, contudo, obstáculos às inovações tecnológicas.

Na seara específica das relações de emprego, a luta sindical está focada em buscar uma solução pela negociação coletiva de trabalho, com a elaboração de instrumentos normativos que disciplinem a utilização da tecnologia e mecanismos de proteção para os trabalhadores.

Além dessas formas jurídicas de proteção, os estudiosos sobre o tema sinalizam com a possibilidade de “outros caminhos” para essa proteção, sugerindo políticas públicas e, pela via judicial, com a utilização do mandado de injunção.

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Ainda que nosso objetivo seja o estudo da proteção jurídica do emprego pela via negocial, não se pode deixar de traçar algumas considerações sobre esses outros mecanismos de proteção.

Políticas públicas

Como assinala Harry Braverman281, “o emprego do poder do Estado para estimular o desenvolvimento do capitalismo não é um fenômeno novo” ou peculiar ao momento em que vivemos, ou seja, “o Estado é o penhor das condições, das relações sociais, do capitalismo, e o protetor da distribuição cada vez mais desigual da propriedade que esse sistema enseja”.

No tocante à intervenção do Estado na implementação de políticas de emprego, costumam ser encontradas duas posições.282 A primeira defende uma intervenção mínima do Estado, por considerar que a sociedade e a economia tenderão a um processo de ajustamento.283 Outra posição entende necessária a atuação do Estado, de modo a exercer ativamente uma política de emprego, com o objetivo de propiciar uma melhor distribuição de riqueza, de oportunidades de trabalho ou de atividades e renda para todos.

Na década de 1960, o Memorando The Triple Revolution284, elaborado pelo Comitê The Santa Barbara Center of the Study of Democratic Institutions, mencionava uma tripla revolução: a revolução cibernética (automação); a revolução de armamentos; e a revolução dos direitos humanos. Nesse cenário, a revolução cibernética (automação) desencadearia um sistema de capacidade produtiva quase ilimitado, com a redução dos trabalhadores manuais e, consequentemente, o aumento dos níveis de desemprego. Para enfrentar o problema do desemprego, o Comitê sugeriu políticas por parte do Estado, como: a) um grande programa de sistema educacional, focado no jovem e nas áreas de ensino e pesquisa de desenvolvimento; b) obras públicas maciças, como construções de represas, reservatórios de água, portos etc., com a criação de empregos; c) desenvolvimento de um sistema de distribuição de renda para amparar os que sofrem pela transição em alguns setores da economia com os avanços tecnológicos; d) incentivo e ampliação do sistema de negociação coletiva não só para aqueles que se encontram empregados, mas “também para aqueles jogados fora do trabalho pela mudança tecnológica”.

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No âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC)285, durante a Conferência Ministerial de Nairobi (2015), iniciaram-se rodadas de negociação para ampliação do Acordo sobre Tecnologia da Informação (ATI)286 (Singapura, 1996). Atualmente, o ATI envolve 81 países-membros da OMC e representa aproximadamente 97% do comércio mundial dos produtos de tecnologia da informação.287 O ATI tem por finalidade a expansão do comércio de produtos de tecnologia da informação, sem fazer referência às questões sociais e laborais direta ou indiretamente relacionadas aos setores de produção e de comércio.

Organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)288, sugerem a atuação do Estado para enfrentar o problema do desemprego.289

As propostas da OIT podem ser agrupadas em: políticas macroeconômicas, políticas estruturais e medidas específicas.290 De forma específica, a OIT sugere e defende políticas fiscais e monetárias ativas, com a finalidade de incentivar a atividade econômica e, por consequência, o crescimento dos níveis de emprego.291

As políticas macroeconômicas defendidas pela OIT almejam o crescimento sustentado. Por exemplo, o Relatório Global da OIT (2015)292, depois de discorrer sobre o problema do emprego dos jovens, sugere a adoção de estratégias que articulem a integração de políticas macroeconômicas, políticas de trabalho e emprego especificamente dirigidas aos jovens, particularmente os mais desfavorecidos.

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As políticas sugeridas têm como finalidade criar “um ambiente favorável para que o crescimento resulte em ampliação do emprego e melhoria das condições de trabalho293, focadas em três subgrupos: investimentos em recursos humanos; redução da carga tarifária e minimização da armadilha da pobreza; e reforma e reestruturação do tempo de trabalho.

Por sua vez, a OCDE traçou um conjunto de políticas macroeconômicas e estruturais, com diretrizes básicas destinadas “[...] a melhorar a habilidade das economias e das sociedades para se adaptar às mudanças na ordem econômica e social e aumentar sua capacidade para criar conhecimento e inovar”.294

Estudos da OCDE295 sobre emprego (1996) traziam recomendações para os países. São elas: 1) adotar uma política macroeconômica que incentive o crescimento, aliada a boas políticas estruturais, que o tornem sustentável (não inflacionário); 2) melhorar a criação e a difusão de know-how tecnológico; 3) aumentar a flexibilidade do tempo de trabalho ajustado voluntariamente por trabalhadores e empregadores; 4) alimentar um clima empresarial por meio da eliminação de obstáculos e as restrições sobre a criação e expansão de empresas; 5) tornar os custos salariais e de trabalho mais flexíveis, eliminando as restrições que impedem que os salários reflitam as condições locais e os níveis de qualificação, em especial dos trabalhadores mais jovens; 6) reformar o sistema de segurança de emprego, inibidores de sua expansão no setor privado; 7) fortalecer as políticas ativas do mercado de trabalho e reforçar a sua eficácia; 8) melhorar as habilidades e competências da força de trabalho por meio de mudanças amplas nos sistemas de educação e formação; 9) reformar os sistemas de benefícios sociais e sua interação com o sistema fiscal, de tal modo que os objetivos de equidade fundamentais das sociedades sejam alcançados e afetem menos o funcionamento eficiente dos mercados de trabalho.

Para enfrentar problemas relacionados ao desenvolvimento e ao desemprego decorrente do avanço tecnológico, no final da década de 1990, a OCDE sugeriu que os países adotassem um conjunto de políticas296, que podem assim ser sintetizadas:

1) Políticas de inovação e difusão de tecnologia precisam se tornar parte integrante de uma agenda política, por meio de: a) uma melhor coordenação com a reforma estrutural no produto, de trabalho e dos mercados financeiros e na educação e formação sistemas, bem como com a política macroeconômica; e b) abertura aos fluxos internacionais de bens, pessoas e ideias, aliada a políticas de aumento da absorção da capacidade das economias domésticas.

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2) A política deveria ajudar a identificar os benefícios de produtividade de mudança técnica e: a) melhorar a gestão da base de ciência por meio de uma maior flexibilidade nas estruturas de investigação e reforçar a colaboração universidade-indústria; b) assegurar que as oportunidades tecnológicas de longo prazo sejam salvaguardadas por meio de um financiamento adequado de público, pesquisa e incentivos para a interempresa de colaboração na investigação pré-competitiva; c) aumentar a eficiência do apoio financeiro para a industrial, removendo impedimentos para o desenvolvimento de mecanismos de mercado para financiamento da inovação; d) reforçar mecanismos de difusão da tecnologia, promovendo maior concorrência nos mercados de produtos, por meio de uma melhor concepção e execução de programas; e e) reforçar os incentivos para a medição comparáveis e de relatórios por empresas de investimento intangível a fim de melhorar a gestão e a composição do investimento.

3) A política deve assegurar condições favoráveis em que o progresso técnico possa contribuir para a criação de emprego: a) ajudando a reduzir os desequilíbrios entre a oferta e a procura de competências e melhorar o enquadramento para as empresas adotarem novas práticas organizacionais; b) facilitando a criação e o crescimento de novas empresas de base tecnológica, fomentando uma maior gestão e capacidades de inovação, reduzindo as barreiras regulatórias...

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