A prova em matéria previdenciária e o dever fundamental de motivação das decisões judiciais

AutorFabiana Pedroso Paz
Páginas113-137

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O dever de motivação das decisões judiciais possui uma forte conexão com a efetivação do direito fundamental à prova. O legislador, ao determinar que o juiz aprecie a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, o faz sob a condição de que indique, em sua decisão, as razões que formaram seu convencimento. A motivação, nesse sentido, é a explicação da convicção e da decisão do julgador.287

Assim, para que o direito à prova seja exercido em consonância com os ditames de um processo justo, resta inafastável a exigência de cumprimento da garantia de motivação das decisões judiciais, uma vez que de nada adiantaria produzir amplo e rico material probatório, se o magistrado pudesse simplesmente desconsiderá-lo na hora de tomar sua decisão.288

Dessa forma, para cumprir o desiderato de analisar o direito à prova em matéria previdenciária na perspectiva do Direito ao Processo Justo, será analisado o dever fundamental de motivação das decisões judiciais, atentando para seu papel fundamental de racionalização da valoração das provas, bem como para a necessidade de se construir standards de provas que possam servir de guia para o julgador no momento de formar sua convicção. Nessa direção, pretende-se desenvolver o presente capítulo.

Considerações iniciais sobre o dever fundamental de motivação das decisões judiciais na perspectiva do direito ao processo justo

A atividade de justificação das decisões judiciais, a exemplo de outros atos inerentes ao processo, acompanha o contexto sociocultural em que se

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insere. Dessa forma, na atual configuração do Estado Democrático de Direito, "não se pode conceber a figura de um juiz que resolva os conflitos jurídicos que lhe são submetidos sem explicitar de maneira adequada os motivos determinantes que o levaram a agir dessa maneira".289

Sendo assim, não há como se aceitar como legítimo o exercício do poder estatal empregado através do processo, em um Estado Democrático de Direito, sem que haja o atendimento ao dever de motivação das decisões judiciais. Por essa razão, cuidou o legislador constituinte não só de arrolar esse dever entre as garantias constitucionais, como também de dotá-lo de inédita qualificação, considerando nula a decisão judicial desprovida de motivação,290 conforme previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

O dever de motivação não se trata apenas de uma garantia destinada unicamente às partes, mas também consiste em tornar possível o controle externo por parte da opinião pública e da sociedade do modus operandi do juiz no tocante à administração da justiça.291 Essa é a chamada função extraprocessual do dever de motivação, valendo citar, a esse respeito, as lições de Taruffo:

De lla superación de ese principio se desprende que la motivación no puede concebirse solamente como um trámite de control "insti-ttucional" (o sea, em los llímites y en las formas reglamentadas por el sistema de impugnaciones vigente), pero también, especialmente, como un instrumento destinado a permittir um control "generaliza-do" y "difuso" del modo en ell que el juiz administra la justicia. En ottros términos, esto implica que los destinatários de la motivación no son solamente llas partes, sus abogados y el juiz de la impugnación, sino también la opnión públlica entendida em su conjunto, em tanto opinión de quisque de populo. La connotación política de este despllazamiento de perspectiva es evidente: la óptica "priva-ttista" del control ejercido por las partes y la óptica "burocrática" del controll ejercido por el juez superior se integran em lla óptica "democrática" del control que debe poder ejercerse por ell próprio puebllo em cuyo nombre lla sentencia se pronuncia.

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Enttonces, el principio constitucional que anallizamos no expresa una exigencia genérica de controlabilidad, sino uma garantíía de contro-labilidad democrática sobre la administración de justicia.292 293

Já sob o aspecto endoprocessual, a motivação garante um melhor funcionamento do mecanismo processual, uma vez que uma decisão fundamentada, além de ter o condão de persuadir a parte sucumbente a não impugná-la, possibilita à parte que contra ela deseje se insurgir de ter acesso às informações necessárias para fundamentar sua impugnação, possibilitando o exercício do contraditório.

Dessa forma, percebe-se que o dever de motivação das decisões judiciais também é um elemento garantidor de observância do direito fundamental ao contraditório, conforme elucidou Lucon:

A motivação suficiente, assim, é garantia de um contraditório efe-tivo, capaz de, por um lado, tutelar a parte beneficiada de maneira adequada, e por outro, possibillitar uma reação da parte contrária com fundamentos mais sólidos, se eles existirem.294

Seguindo essa linha de raciocínio, parece evidente que, para a real concretude do dever de motivação, exige-se a presença do direito fundamental ao contraditório, pois, somente através da análise dos fundamentos da decisão, será possível identificar os elementos da fundamentação utilizados pelo magistrado e possibilitar às partes o direito de manifestação sobre os fatos e as questões levadas a juízo.295

Ademais, o dever de motivação das decisões judiciais representa a última expressão do direito fundamental ao contraditório, implicando ao magistrado

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a obrigação de considerar "toda a atividade das partes realizadas no processo, seja na prolação da decisão, seja na decisão de uma questão durante o decorrer do processo (por exemplo, o indeferimento da produção de determinada prova)". Assim, não interessa a mera participação dos interessados no processo, "na medida em que as ponderações devem ser, necessariamente, analisadas pelo julgador, que pode aceitá-las ou não, explicando a sua opção".296

Ressalta-se ainda que, ao exigir do magistrado a justificação detalhada e motivada dos caminhos que o levaram à decisão, a garantia de motivação assume um papel de racionalização da valoração das provas,297 tornando perceptível a existência de um elo muito próximo, praticamente indissociável, entre o dever de motivação das decisões judiciais e o direito à prova, conforme apontou Taruffo:

Il fenomeno della prova dei fatti e quello della motivazione della sentenza hanno tra loro uma connessione molto stretta, quase di recíproca implicazione, nell''ambito di uma concezione razionalistica della decisione giudiziaria.298 299

Nessa mesma linha de raciocínio, Pinheiro adverte:

[..] a indispensabilidade da fundamentação também se justifica porque, embora deva sempre buscar a efetiva verdade, o processo judicial contentar-se-á se atingir a 'verdade possíívell'. Se assim, o magistrado deverá, então, declinar, detallhada e motivadamente, por quais caminhos formou a sua convicção acerca do que era a ''verdade possíível' para o caso concreto, sempre vinculado ao acervo de provas existentes. Nessa perspectiva, portanto, a umbilical rellação que há entre a motivação das decisões judiciais, as questões de fato e as provas fica ainda mais evidente.300

Assim, restam evidenciadas as razões pelas quais o dever de motivação das decisões judiciais integra as garantias de consecução de um processo justo, pois evita a discricionariedade judicial na construção da decisão

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judicial, viabiliza a racionalização da valoração das provas, além de servir de mecanismo para o exercício do contraditório.

No entanto, o real conteúdo dessa garantia vem sendo desvirtuado por parcela significativa de julgadores. No âmbito do Direito Previdenciário, a exemplo de outras áreas do Direito, comumente são proferidas decisões nas quais se criou um conhecido entendimento segundo o qual seria desnecessária a manifestação do órgão jurisdicional sobre todos os argumentos, as razões, os fundamentos e as provas trazidas pelas partes, desconsiderando a possibilidade de que, em tese, possam influir decisivamente no resultado da decisão. Por meio dessa prática, são legitimadas decisões que se furtam a apreciar questões relevantes para o deslinde da controvérsia levada a juízo, resultando em decisões que não se coadunam com os ditames de um processo justo e, consequentemente, obstaculizando o amplo exercício do direito fundamental à prova.301 302

Dessa forma, diante de desvios interpretativos como o acima exemplificado, cuidou o Novo Código de Processo Civil de definir o conteúdo do dever de motivação das decisões judiciais, traçando detalhadamente, em seu art. 489, § 1º, o significado dessa garantia constitucional.303 Tratou de priorizar o comprometimento dos órgãos jurisdicionais em materializar a participação dos sujeitos processuais na construção da decisão por intermédio do abrigo do amplo exercício do direito ao contraditório.

Tal alteração legislativa, ainda muito recente, inevitavelmente acarretará uma série de alterações no campo probatório devido ao indissociável liame formado entre o direito ao contraditório, o direito a prova e a garantia de

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motivação das decisões judiciais, estando intimamente relacionada com o debate aqui proposto.

Assim, torna-se imprescindível apontar novamente o tratamento dispensado pela novel legislação à concretização da garantia fundamental ao contraditório, valendo citar, a esse respeito, as lições de Cambi e Hellman:

No capítulo I, do Livro I, do novo Código de Processo Civil, o legislador procurou efetivar a garantia do conttraditório por ttrês vezes:: (i) no art. 7º trata da paridade de armas das partes e do dever de o juiz de velar pello contraditório;; (ii) no artt. 9º traz o comando para que o juiz oportunize a manifestação da parte antes de proferir decisão; (ii) no art. 10 especifica a regra do artigo antecedente para dizer que, em...

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