Prova testemunhal

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas9-59
Cadernos de Processo do Trabalho n. 16
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Capítulo I
Prova testemunhal
1. Considerações introdutórias
Visto sob o aspecto histórico, o testemunho constitui, juntamente com a
conssãoo maisantigo meiode provajudiciáriaAlgunsCódigos primitivos
como o de Manu, bem assim como determinadas leis (egípcias, gregas, roma-
nas) priscas continham disposições acerca da prova testemunhal e do valor
que ela representava para a demonstração da verdade dos fatos. Mesmo com
o surgimento, mais tarde, dos meios escritos, o testemunho manteve a sua
preeminênciaa ponto dehavercomo na Françaestabelecidoum brocardo
segundo o qual témoinspassent leres isto é, as testemunhas valem mais do
que os escritos. Tal era a importância da prova testemunhal, nessa época, que
Bentham (apud AGUIARopcit p. 286) a ela se referiu como sendo “os olhos
e os ouvidos da Justiça”.
Os tempos, contudo, mudaram. O aparecimento de outros meios moder-
nos de prova fez com que se fosse restringindo, no âmbito do processo civil, o
campo de atuação das testemunhas, a ponto de torná-las até mesmo inadmissí-
veis em determinadas hipóteses, conforme veremos.
Essa profunda alteração quanto à importância da prova testemunhal para o
processo proveio da constatação da sua falibilidade, da sua natureza condutível,
plástica, segundo seja o interesse da parte em ver provados certos fatos, ainda
que não tenham ocorrido. É possível falar-se, portanto, nos dias de hoje, em um
desprestígio, um certo descrédito (inclusive popular) nesse meio provativo, cuja
causa Porras López atribui, preponderantemente, “a la crisis moral del régimen
económico-social en el que vivimos” (opcit p. 274). Não que esteja certo.
A despeito disso, é indubitável que, em certas situações, a prova testemunhal
se revela necessária, e até imprescindível, se levarmos em conta que ela tem por
objeto os fatos controvertidos na ação, que, por sua natureza imaterial, não po-
demserapreendidosporoutrosmeiosdeprovaDaíporqueolósofoGonzález
Serranocitado por Porras López (idemppôdearmarcomrazãoqueEl
testimonio, es la admisión, de la experiencia propia”.
Com efeito, as testemunhas contribuem com suas percepções sensoriais
a respeito de tais fatos que interessam à causa e que não eram da cognição
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privada do juiz; ainda que o fossem, aliás, ao magistrado apenas seria lícito
julgar segundo seus conhecimentos pessoais somente em casos extraordiná-
rios. Eis por que às testemunhas cabe reproduzirperante o juiz, a realidade
que captaram; mas o descrédito que se tem manifestado quanto a esse meio de
prova reside, exatamente, na possibilidade de essa realidade ser subvertida,
contrafeitaemvirtudedecertasregrasdeconveniênciada própriatestemu-
nhaoudaparte quea apresentouemjuízoNinguémignora aexistência de
testemunhasprossionaisque tanto mal causam à honorabilidade e ao conteúdo
ético do processo judiciário. Nem mesmo o compromisso que elas prestam, ao
iníciodainquiriçãoeaadvertênciaquerecebemquantoàssançõespenaisque
incidirãonocasodefazeremarmaçõesfalsascalaremouocultaremaverda-
de (CPC, art. 458 e parágrafo único) produzem o efeito intimidante pretendido
pelo legislador.
Foi visando a evitar, mediante a adoção de certos critérios objetivos, que
a testemunha propenda, deliberadamente, em favor do interesse da parte que
aconduziu ajuízoseja por motivosdeparentesco deanidadepolítica ou
ideológica, de interesse pessoal e outros mais, que a lei erigiu os obstáculos do
impedimento (CPC, art. 447, § 2.º) e da suspeição (art. 3.º), a que também se refere
a CLT (art. 829), embora de maneira menos técnica.
2. Conceito de testemunha
João Monteiro (opcit p. 250, § 162) a conceituava como a “pessoa, capaz e
estranha ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso”;
para Moacyr Amaral Santos (opcit p. 261), testemunha “é a pessoa distinta
dos sujeitos processuais que, convocada na forma da lei, por ter conhecimento
do fato ou ato controvertido entre as partes, depõe sobre este em juízo, para
atestarsuaexistênciaéapessoafísicadistintadaspartesdoprocessoque
admitida pela lei, vem informar o juiz — a pedido das partes e por deter-
minação do juiz, ou só por ordem deste — sobre fatos suscetíveis de serem
provados por esse tipo de prova” (ALVIMopcit p. 280); para Paula Batista
(apud THEODORO JÚNIORopcit p. 585), testemunhas são “as pessoas que
vêmajuízodeporsobreofatocontrovertidoeslapersonaextrãnaaljuicio
que declara acerca de los hechos o cosas controvertido en la relación procesal”
(LÓPEZopcit p. 274); Hugo Alsina (apud NASCIMENTOopcit p. 207) a
tem como “a pessoa capaz, estranha ao processo, que é chamada a declarar
sobre fatos que caíram sob o domínio dos seus sentidos”.
Poderíamos reproduzir, aqui, algumas dezenas de conceitos formulados
pela doutrina com relação à testemunha; os que já mencionamos, contudo, bem
se prestam para demonstrar certos elementos substanciais que devem ser observa-
dosparaumaexataconceituaçãodessagura
Se não, vejamos. A testemunha:
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a)énecessariamente umapessoafísicapois apenas ela é capaz de ter percep-
ções sensoriais, por forma a poder narrar ao juiz, mais tarde, os fatos presenciados
e que interessam à causa; as pessoas jurídicasembora também contribuam com o
Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, o fazem mediante informações
e não, testemunho;
b)distintadaspartesdoprocessoMelhor será que se diga distinta dos sujeitos
do processo, cujo conceito é mais abrangente que o de partesPor isso, o juiz, que
também é sujeito processual, não pode servir, por princípio, como testemunha
na causa que lhe está sendo submetida à apreciação e julgamento. Um outro re-
paro se impõe: a testemunha, em rigor, não é pessoa estranha ao processo, como
searmouemalgunsdosconceitostranscritostantonãoéqueelaaparecesur-
ge, noprocessoO que se quis dizer — e nos parece ser lícito supor neste sentido
— é que a testemunha é estranha à relaçãojurídicaprocessualque é coisa diversa;
c) admitidacomotalpelaleiisto é, apenas podem depor como testemunhas
as pessoas que não sejam incapazes impedidas ou suspeitasnada obstante (e
desde que seja estritamente necessário) ao juiz seja facultado ouvir, como me-
ras informantes, pessoas impedidas ou suspeitas (CPC, art. 447, § 4.º); nunca,
porém, as incapazes;
d)que inquiridapelo magistradoAs testemunhas são sempre inquiridas pelo
magistrado, seja o juiz da causa, ou aquele a quem se deprecou a inquirição. Não
é correto dizer-se que elas sempre comparecemajuízoporque embora em regra essa
modalidade de prova oral devasercolhidaem audiência hácasosemque isto
não acontece, pois assim permite ou determina a lei, como em virtude de doença
ou de outro motivo relevante que impeça a testemunha de vir a juízo (CPC, art.
449), ou se se tratar das pessoas a que faz menção o art. 454 e incisos do mesmo
Código. Mesmo assim, tais testemunhas serão inquiridas pelo juiz, o que importa
também em dizer: na sua presença, conquanto não em juízo. São inquiridas pelo
magistrado porque somente a ele compete, como diretor do processo, interrogar
os litigantes (CLT, art. 848, caput), facultando-se que, por seu intermédio, as partes,
seus representantes ou procuradores, formularem reperguntas;
e)voluntariamenteouemdecorrênciadeintimaçãoQuer dizer, as testemunhas
tanto podem se submeter à inquirição espontaneamente (são convidadas pela
parte e depõem) quanto em virtude de intimação (porque, convidadas, se es-
quivaram da inquirição ou porque foi o juiz quem, spontesuadecidiu ouvi-las);
f) arespeitodefatoscontrovertidosrelevantesepertinentes pois o objeto da in-
quirição são os fatos controvertidos. A controvérsia, contudo, por si só, não basta;
osfatostêm de ser pertinentes à sua causa eaindaassimrelevantespara ela
Destarte, fatos pertinentes, mas irrelevantes não interessam, do mesmo modo que
hádesinteresseemrelaçãoaosfatosrelevantesmasquenãotêmpertinênciacom
a causa. Depara-se-nos, data venia cerebrina a distinção pretendida por Ísis de
Almeida (Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Sugestões Literárias,
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