Public fund and social policies in dependent states: theoretical considerations/Fundo publico e politicas sociais nos Estados dependentes: consideracoes teoricas.

AutorFilho, Rodrigo de Souza

Introducao

O presente estudo possui como objetivo explicitar as principais determinacoes da dinamica do Estado dependente e suas implicacoes para o funcionamento do fundo publico, principalmente aquelas que impactam o desenvolvimento das politicas sociais, tendo em vista a dinamica estrutural da dependencia, caracterizada pela superexploracao da forca de trabalho, conforme concebido por Marini (2005).

Dessa forma, iniciamos o referido artigo tecendo breves consideracoes acerca da dinamica da acumulacao capitalista, da funcao do fundo publico e das politicas sociais. Em seguida, esbocamos uma caracterizacao geral da economia politica da dependencia, para, enfim, estabelecermos as devidas conexoes entre o desenvolvimento do Estado dependente e suas implicacoes para a dinamica do fundo publico e das politicas sociais, em particular.

Cabe ainda destacar que, do ponto de vista politico, este artigo se alinha ao entendimento de que a defesa das politicas sociais universais e gratuitas e dos direitos sociais materializados por elas [se enquadra] na agenda anticapitalista, como mecanismos de transicao e de reproducao da forca de trabalho centrais nesse momento historico, e como disputa do destino do fundo publico [...]. [Dessa forma, visa] contribuir com a construcao coletiva de um programa de esquerda, de transicao efetiva para outra sociabilidade. (BEHRING, 2012, p. 154).

Para evitar qualquer tipo de duvida em relacao a perspectiva aqui adotada, nao estamos advogando que a acao no campo das politicas sociais seja um elemento estrategico central, muito menos que esta acao seja "o" caminho da revolucao. Apenas indicamos que e um ponto importante da agenda anticapitalista e que pode contribuir efetivamente com o acirramento das contradicoes da ordem do capital, alem de atender de forma imediata as necessidades e demandas da classe trabalhadora.

  1. A dinamica da acumulacao capitalista, fundo publico e politicas sociais: consideracoes gerais (2)

    Do ponto de vista teorico, tratar dialeticamente a questao das politicas sociais enquanto dever do Estado e direito de cidadania, ou seja, publica e gratuita (o que doravante denominaremos apenas de politicas sociais), significa, como ja indicou Behring (1998), evitar o ecletismo, o economicismo, o estatismo e o politicismo. Portanto, devemos considera la em sua totalidade. Neste sentido, deve-se analisar o momento predominante economico e suas conexoes dialeticas com as lutas de classes, a configuracao do poder do Estado e da sua estrutura institucional (BOSCHETTI; BEHRING, 2006).

    O presente trabalho concentra seus esforcos em decodificar de forma mais precisa o momento economico dos paises dependentes para contribuir com as analises sobre as politicas sociais a partir dessa particularidade. Assim, ocupa-se, centralmente, da dimensao objetiva do tema, que se configura como o elemento estrutural, por excelencia, no qual age constitutiva e permanentemente a dinamica subjetiva das lutas de classes, do poder do Estado e de sua institucionalidade. Portanto, o trabalho proposto, embora inserido na perspectiva critico-dialetica, tem como objeto central a dimensao objetiva da tematica. Assim, configura-se como um enfoque parcial para a compreensao da totalidade do fenomeno das politicas sociais.

    Essa opcao tambem se alinha a compreensao de que e a partir da dinamica das relacoes sociais de producao que melhor podemos caracterizar e analisar as dinamicas das lutas entre classes, fracoes e setores (Osorio, 2014), identificando de forma mais precisa as possiblidades, limites e perspectivas da intervencao social, do ponto de vista do trabalho. A acao efetiva das classes/fracoes/setores esta ancorada pelas condicoes objetivas existentes; portanto, as alternativas nao sao ilimitadas, mas tambem nao esta determinada apenas uma possibilidade de atuacao.

    Seguindo essa trilha, para analisar a dimensao objetiva das politicas sociais devemos tratar a dinamica do modo de producao capitalista, o capitalismo dependente, o padrao de reproducao do capital, a politica economica e a estrutura da politica social enquanto determinacoes que interagem dialeticamente.

    O presente trabalho, como sinalizado anteriormente, dedica-se ao debate sobre o capitalismo dependente e suas implicacoes para a dinamica do fundo publico e das politicas sociais (o que sera abordado nas secoes seguintes). Nesse sentido, pelas limitacoes do artigo, nao trataremos das outras determinacoes indicadas (dinamica do modo de producao capitalista, o padrao de reproducao do capital, a politica economica e a estrutura da politica social); apenas abordaremos de forma sintetica nossa concepcao acerca do fundo publico e sua relacao com as politicas sociais.

    Entendemos que a questao da distribuicao da renda e da reparticao do valor sao os elementos centrais, do ponto de vista da economia politica, para analisarmos a questao do fundo publico no quadro do capitalismo monopolista.

    Conforme destaca Marx (1986, p. 286), considerando o produto anual de uma nacao, constituido por todo o capital investido naquele periodo determinado, ou seja, o capital constante, o capital variavel e a maisvalia, se descontarmos o valor relativo a reposicao do capital constante utilizado para a producao, o que resta refere-se a renda/receita bruta ou renda/receita nacional. Ou seja, a distribuicao basica da sociedade expressa em capital variavel/salario e mais-valia, formando o valor novo produzido no referido ano.

    Nessa divisao da renda nacional ocorre o conflito central entre as classes sociais antagonicas no capitalismo, a saber, a luta para ampliar o valor do trabalho necessario, reduzindo o valor relacionado ao trabalho excedente e, ao contrario, a luta do capital para ampliar a mais-valia, reduzindo o valor do trabalho necessario. O resultado de tal luta de classes determina a distribuicao da renda nacional. Estabelecida essa demarcacao da renda nacional, no campo capitalista ocorre uma luta entre as diferentes fracoes de classe sobre a reparticao da mais-valia.

    Devido a expansao da intervencao do Estado na sociedade, esse processo de disputa da riqueza socialmente produzida ganha um contorno qualitativamente diferenciado em funcao da consequente expansao do fundo publico. A disputa travada na sociedade entre as classes e fracoes de classes pela riqueza produzida passa agora a ocorrer tambem na esfera estatal em torno do fundo publico, principalmente em dois momentos fundamentais: na definicao da tributacao e do gasto publico. Qualitativamente falando, essa disputa busca compensar, de alguma forma, as perdas, ou ampliar os ganhos conquistados no ambito da luta social entre as diferentes classes e fracoes de classes, realizada em torno da riqueza produzida (MANDEL, 1982).

    Assim, entendemos que o complexo processo de disputa da riqueza socialmente produzida fica mais inteligivel e mais adequado a dinamica da fase monopolica do capitalismo devido a mediacao central do Estado, atraves do fundo publico, para garantir a producao e reproducao das relacoes sociais capitalistas.

    Dessa forma, entendemos, por exemplo, que a formulacao da categoria excedente (BARAN; SWEEZY, 1982), apesar de ser utilizada para explicitar diferentes gastos que passam a ser necessarios para o processo de reproducao do capital em sua fase monopolista, na medida em que ocorre um crescimento quantitativo desses gastos que impacta qualitativamente a forma de producao e reproducao das relacoes sociais, nao favorece a analise da dimensao politica, via mediacao do Estado/fundo publico, que pode redefinir a dinamica da distribuicao da renda e da reparticao da mais-valia (3). Mesmo porque, como indicam os autores, a "geracao e absorcao dos excedentes sob as condicoes do capitalismo monopolista [...] e a forma mais util e esclarecedora para analisar o funcionamento puramente economico do sistema" (BARAN; SWEEZY, 1982, p. 12--traducao livre).

    O objeto dos autores e a analise puramente economica do sistema, enquanto nosso interesse implica em entender as articulacoes entre o economico e o politico, via mediacao do Estado/fundo publico, e suas consequencias; em especial, no campo da distribuicao da riqueza.

    Por outro lado, ao substituir a categoria "mais-valia" por "excedente" (4), por entenderem que a mais-valia, ao se identificar diretamente com o lucro, juro e renda nao permite captar outros gastos que deixaram de ser secundarios, na medida da necessidade da producao e reproducao de uma sociedade capitalista monopolista desenvolvida, os autores, conforme analisa Mandel (2010), acabam buscando combinar Keynes com Marx. Com isso, cometem equivocos de analise sobre o desenvolvimento da economia capitalista em sua fase monopolica (5).

    Dessa forma, o caminho seguido pelos autores se afasta de nossas pretensoes de analise, tanto do ponto de vista economico, visto que consideramos fundamental entender a dinamica da distribuicao e reparticao a partir da analise da relacao entre o valor da forca de trabalho e da mais-valia, quanto do ponto de vista politico, ja que consideramos essencial desvelar a luta de classes que se desenvolve na sociedade civil e na esfera estatal em torno da riqueza produzida. Como assevera Mandel (2010, p. 5), acerca da formulacao de Baran e Sweezy,

    Pondo de lado na sua analise do capitalismo monopolista a luta continua da classe capitalista por manter e aumentar a taxa de exploracao da classe obreira, [...] colocam todo o seu conceito economico do funcionamento atual do sistema capitalista fora da realidade das forcas sociais em presenca, isto e, fora do dominio da luta de classes. A centralidade, portanto, da teoria do valor desenvolvida por Marx e o caminho pelo qual continuaremos desenvolvendo nossas reflexoes. Inserido em tal campo teorico-metodologico, Oliveira (1998, p. 53), de forma precisa, sintetiza sua tese sobre o fundo publico (6):

    Ele [fundo publico] nao e, portanto, a expressao apenas de recursos estatais destinados a sustentar ou financiar a acumulacao de...

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