Public fund, social policy and Bolivarian Venezuela/Fundo publico, politica social e Venezuela Bolivariana.

AutorRibeiro, Vicente Neves da Silva
  1. Introducao

    No presente artigo buscamos debater como a especificidade da formacao social venezuelana, sua condicao de exportadora de petroleo, se atualiza na sua historia recente a partir de algumas reflexoes sobre o fundo publico e a politica social.

    Em um primeiro momento apresentaremos uma discussao sobre o tema, dialogando com alguns autores que nos permitem aprofundar a discussao entre a ampliacao do fundo publico e a politica social. Tendo esta referencia, buscaremos realizar um pequeno roteiro de questoes: luta por direitos; fracoes da classe dominante e fundo publico; e precariado e classe media. Por fim, buscaremos evidenciar os dialogos das questoes levantadas pelo processo bolivariano na Venezuela. Estaremos atentos a especificidade da constituicao do fundo publico venezuelano, definida pela significativa presenca de um componente rentistico, bem como o aumento do volume de recursos destinado a politica social a partir de 2003 ate o final do governo Chavez, em 2013.

    Pesquisar como a historia da Venezuela contemporanea contribuiu para avivar um interesse sobre as reflexoes sobre o Estado. Assim como, a condicao de exportador de petroleo e a importancia da apropriacao do excedente petroleiro pelo Estado contribuem para esse interesse. Igualmente importante e a retomada do debate estrategico da esquerda, em especial com a chegada ao governo na America do Sul de diversas organizacoes historicamente vinculadas as classes populares. A questao do Estado, do governo e dos processos de transformacao ganhou grande importancia, em especial a partir da primeira decada do seculo XXI.

    Uma das marcas comuns nao so do governo bolivariano na Venezuela mas ao conjunto dos governos chamados progressistas foi, em um contexto de aumento dos precos das exportacoes de produtos primarios, a ampliacao das politicas sociais. Mais do que isso, tais politicas transformaram-se em muitos casos na marca distintiva de tais governos, mobilizando tanto apoiadores quando opositores. Busca-se aportar ao debate sobre tais politicas, debatendo seu lugar na reproducao da ordem do capital quanto nas lutas potencialmente emancipatorias que a adversam.

  2. Estado, Fundo Publico e Politica Social

    Buscaremos nesta primeira parte apresentar algumas reflexoes sobre o Estado a partir do conceito de fundo publico ou, dito de forma mais precisa, apresentar algumas reflexoes sobre o fundo publico a partir do conceito marxista de Estado. Se tais conceitos, Estado e fundo publico, nao podem ser reduzidos um ao outro, o vinculo estabelecido entre ambos e evidente.

    A area do Servico Social vem produzindo interessantes trabalhos de reflexao sobre a questao. Recusando-se a uma abordagem superficial ou apologetica, a reflexao marxista nesta area contribui para dar agudeza e concretude ao debate sobre o Estado e, em especial, ao debate sobre o fundo publico. A propria politica social, chao no qual esta categoria profissional se localiza, e pensada em sua relacao com o fundo publico e a dinamica do capitalismo contemporaneo (BEHRING, 2011; SALVADOR, 2012) Elaine Behring e Evilasio Salvador tem como referencia a obra de Ernest Mandel para abordar as caracteristicas assumidas pelo Estado nesta nova fase. Para esse autor, o Estado capitalista ira se estruturar ao redor de tres funcoes basicas: repressao, integracao e promocao das condicoes gerais de producao. Ao longo do seculo XX, o raio de acao do Estado capitalista sera constantemente ampliado, como atesta a parcela crescente da riqueza social por ele apropriada e redistribuida, colocando novos desafios a teoria marxista. Para Mandel (1982) esta ultima teria se dedicado sobretudo a analise das funcoes repressivas e integradoras do Estado capitalista, deixando em aberto a investigacao de seu papel na promocao das condicoes gerais de producao.

    Ja em suas analises da dinamica do capitalismo e, em especial, das contradicoes existentes entre uma estrutura cada vez mais socializada e a apropriacao privada, Engels identificou no final do seculo XIX o papel crescente assumido pelo Estado, em muitos casos com a apropriacao estatal de atividades essenciais. Tal processo nao alteraria por si o capitalismo, tendo em vista que o Estado funcionaria como um "capitalista total ideal", mas entretanto colocaria como tendencia os limites do capitalismo (ENGELS, 2015).

    Ao longo do seculo XX, efetivamente, para fazer frente as contradicoes do modo de producao capitalista, o Estado assumiu um vasto leque de funcoes, ampliando a parcela da riqueza social apropriada e redistribuida pelos seus canais. Cada vez mais o Estado cumpre papel decisivo nos interesses de classe gerais dos capitalistas, nao somente atraves de suas funcoes repressivas e integradoras mas igualmente na promocao das condicoes gerais de producao. Apesar da retorica anti-estatal entoada por certos aparelhos privados de hegemonia capitalista, este e absolutamente indispensavel para a acumulacao de capital, estando tal retorica muito mais destinada a um disciplinamento da acao estatal do que a sua reducao. Esta necessidade esta inscrita na propria natureza do capital.

    O capital e incapaz de produzir por si mesmo a natureza social de sua existencia em suas acoes; precisa de uma instituicao independente, baseada nele proprio, mas que nao esteja sujeita a suas limitacoes, cujas acoes nao sejam determinadas, portanto pela necessidade de produzir (sua propria) mais-valia. Essa instituicao independente, "ao lado, mas fora da sociedade burguesa", pode, baseada simplesmente no capital, satisfazer as necessidades imanentes negligenciadas pelo capital. [...] O Estado nao deve ser visto, portanto, nem como um simples instrumento nem como instituicao que substitui o capital. So pode ser considerado uma forma especial de preservacao da existencia social do capital "ao lado, mas fora da concorrencia" (ALTVATER apud MANDEL, 1982, p. 336).

    A pedra de toque da teoria marxista e o carater de classe do Estado. Desta forma, uma das questoes chave sera sua autonomia relativa, necessaria tanto para reproduzir seu carater de classe quanto para exercer suas funcoes. Para Mandel,

    [...] a autonomizacao do poder do Estado na sociedade burguesa e decorrencia da predominancia da propriedade privada e da concorrencia capitalista; mas essa mesma predominancia impede que essa autonomizacao deixe de ser relativa (1982, p. 337). O aumento do papel do Estado na reproducao das condicoes gerais de producao incrementa o protagonismo da acao estatal em relacao a acao mais ou menos fragmentada dos capitalistas. Esta autonomia nao atenua seu carater de classe, tendo em vista que crescentemente, a acao estatal e incorporada de forma cada vez mais organica ao processo global de reproducao do capital.

    Se o Estado nunca pode ser compreendido fora da luta de classes, esta passa a se inscrever cada vez mais dentro de seu aparelho, e se expressar nos seus proprios termos, expressando a disputa pelo excedente cada vez mais pelo intermedio do fundo publico. A canalizacao dentro do aparelho de Estado das contradicoes sociais permite torna-las mais funcionais a reproducao global do capital. E neste contexto que ocorre uma ampliacao crescente das funcoes sociais do Estado.

    Outra caracteristica dessa epoca foi uma ampliacao geral da legislacao social, que ganhou um impulso particular no periodo imperialista. Em certo sentido tratou-se de uma concessao a crescente luta de classe do proletariado, destinando-se a salvaguardar a dominacao do capital de ataques mais radicais por parte dos trabalhadores. Mas ao mesmo tempo correspondeu tambem aos interesses gerais da reproducao ampliada no modo de producao capitalista, ao assegurar a reconstituicao fisica da forca de trabalho onde ela estava ameacada pela superexploracao. A tendencia a ampliacao da legislacao social determinou, por sua vez, uma redistribuicao consideravel do valor socialmente criado em favor do orcamento publico, que tinha que absorver uma percentagem cada vez maior dos rendimentos sociais a fim de proporcionar uma base material adequada a escala ampliada do Estado do capital monopolista. (MANDEL, 1982, p. 338-339).

    Seguindo essa trilha, Elaine Behring vai destacar a necessidade de uma compreensao da politica social para alem do binomio conquista/ concessao e buscara compreender seu lugar para a promocao das condicoes gerais de producao. Se no processo imediato de inscricao da politica social no marco normativo do aparelho de Estado, o binomio conquista/concessao aparece como dominante, as determinacoes que permitem...

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