A publicidade e o dever de respeito aos direitos da personalidade no contexto informacional

AutorArthur Pinheiro Basan
Páginas63-129
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A PUBLICIDADE E O DEVER DE RESPEITO
AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO
CONTEXTO INFORMACIONAL
A publicidade, em si, possui tarefa relevante na sociedade, como instrumento capaz
de oferecer o acesso rápido e fácil aos bens e serviços, auxiliando a satisfação das mais
diversas necessidades humanas, além de possibilitar a inovação nas práticas de empre-
endedorismo, permitindo novas fontes de riqueza às pessoas. Há autores, inclusive,
que defendem que a atividade publicitária encontra assento no direito fundamental à
liberdade de expressão.1
Todavia, é evidente que a publicidade, enquanto prática de mercado, está umbi-
licalmente ligada à livre iniciativa da atividade econômica. Neste sentido, é imperioso
lembrar que a atividade econômica, com capítulo específ‌ico na Constituição Federal,
tendo como f‌im assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça so-
cial, possui uma série de princípios legitimadores que a limitam, como, por exemplo, a
própria defesa do consumidor (artigo 170, inciso V).
Aliado a isso, é importante destacar que a publicidade evolui juntamente com a era
da informação, que constitui espaço ótimo para a promoção da pessoa e da sociedade
como um todo, ou seja, promove o fortalecimento da civilização e dos valores huma-
nistas.2 Entretanto, ao mesmo tempo, a ampliação da comunicação torna-se território
fértil para prática de abusos por parte do mercado, expondo as pessoas ao risco de danos,
especialmente diante das novas possiblidades permitidas pela tecnologia, no que se
refere ao potencial e a efetividade das mensagens publicitárias.
Em resumo, com o advento das novas tecnologias de comunicação, com destaque
para os smartphones3, dentro do contexto da Sociedade da Informação, as publicidades
1. BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro. Temas
de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 263. De maneira totalmente oposta, expõe Adalberto
Pasqualotto que “[...] a liberdade [de expressão] que se visa resguardar é de ordem política. De natureza bem
diversa é a liberdade de anunciar. A publicidade está associada às atividades empresariais, que buscam no lucro
a sua justif‌icativa. PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no código de defesa do con-
sumidor. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 66.
2. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 236.
3. Cláudio Torres destaca que “os aparelhos celulares, que inicialmente eram telefones móveis, transformaram-se
com a evolução dos smartphones, em uma nova categoria, gerando uma verdadeira revolução, não somente tecno-
lógica, mas principalmente de comportamento dos consumidores, expandindo o ecossistema digital.” TORRES,
Cláudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e publicidade na internet e
não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec, 2018. p. 46.
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PUBLICIDADE DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS • ARTHUR PINHEIRO BASAN
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virtuais se tornaram individuais, personalizadas e, acima de tudo isso, onipresentes.4
Com base nisso, é possível af‌irmar que apesar de ter uma importância ímpar na facilitação
de oferecimento de produtos e serviços e, ademais, na redução de custos empresariais,
a publicidade não é um direito fundamental, não gozando, portanto, de nenhum trata-
mento jurídico de tutela diferenciado por parte do sistema jurídico.
Por outro lado, é sempre prudente questionar se as normas vigentes no sistema
jurídico pátrio são adequadas e suf‌icientes para promover a integral tutela das pessoas
expostas às práticas publicitárias do mercado virtual, cumprindo o mandamento consti-
tucional de promoção da pessoa humana, em sua máxima dignidade. Neste aspecto, vale
ressaltar que é preciso sempre analisar essa proteção com base na complementariedade
de direitos, de modo que o diálogo de fontes torna-se essencial para o respeito à pessoa,
em sua dignidade. Dessa forma, é preciso compreender como é possível que direitos
humanos, fundamentais, da personalidade e básicos do consumidor se relacione no
sistema jurídico brasileiro.
Isso porque “todas essas diferentes designações destinam-se a contemplar
atributos da personalidade humana merecedores de proteção jurídica. O que muda
é tão somente o plano em que a personalidade humana se manifesta.”5 Af‌inal, todos
esses direitos tem o mesmo fundamento, e o valor tutelado é idêntico e unitário: a
dignidade humana.6
Além disso, é oportuno destacar que, na atual Sociedade da Informação, a própria
tutela dos direitos mais básicos da pessoa transmudou-se, ao verif‌icar, por exemplo, que
muitos direitos há tempos já consagrados, como a tutela do corpo, sofrem novas inter-
pretações frente às novas concepções da pessoa. Neste ponto, destaca-se as discussões
a respeito da proteção do corpo eletrônico, em sintonia com a nova realidade virtual,
como efetivação da integral proteção da pessoa no atual contexto informacional.
Conforme se nota, não é que seja necessário apontar concretamente a existência de
novos direitos, mas, evidentemente, aceitar que existe um impacto das novas tecnologias
nos direitos classicamente consagrados, inclusive quanto a tutela da própria dignidade
da pessoa humana. Isso, portanto, exige dos juristas ref‌lexões pontuais a respeito das
mutações dos direitos fundamentais e das novas necessidades de tutela jurídica. Em
verdade, a sociedade completamente conectada via Internet apresenta uma expansão
tecnológica capaz de pôr em risco direitos fundamentais há muito consagrados, sem
que, na maioria das vezes o avanço das respostas jurídicas seja capaz de tutelar esses
direitos na velocidade em que as violações surgem.7
4. Neste sentido, af‌irma Iuri Bolesina: “Hodiernamente o ideal ciborgue concretiza-se diariamente. Diferente do
passado onde para se f‌icar conectado era preciso estar sentado em frente a um computador pessoal, ligado a um
emaranhado de f‌ios, e depender de questões técnicas mais ou menos complexas; hoje, número considerável de
pessoas estão constantemente conectadas por meio de diversas tecnologias – em geral sem a necessidade de ne-
nhum f‌io e de f‌icar sentado –. A conexão é tamanha que a distinção entre online e off‌line tornou-se um binarismo
onde o online é o termo privilegiado.” BOLESINA, Iuri. Direito à extimidade: as inter-relações entre identidade,
ciberespaço e privacidade. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p.173.
5. SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2014. p. 13.
6. SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2014. p. 13.
7. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
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3 • O DEVER DE RESPEITO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Vale destacar a economia e a publicidade, fenômenos capazes de expor a risco
diversos direitos e que se desenvolvem de maneira veloz, enquanto o Direito, como
método imprescindível na resolução de conf‌litos e como ciência de pacif‌icação social,
é extremamente moroso.8 Cite-se o exemplo das mensagens empresariais eletrônicas
não solicitadas, denominadas “spam”, que já representaram cerca de 2/3 do tráfego
mundial de mensagens, provocando desperdício de tempo, dinheiro9 e, acima de tudo
isso, violando a privacidade, o tempo e o sossego das pessoas, sem que o Direito, ainda,
tenha dado resposta efetiva para esse tipo de comportamento mercadológico abusivo.
Em consonância com isso, nota-se que a propulsão de novas dinâmicas inter-re-
lacionais, a partir da eclosão do fenômeno de globalização e da ascensão da Internet,
propiciou o incremento enorme de captação de informações, estruturadas ou não, que
viabilizaram a conf‌iguração daquilo que se convencionou chamar de big data. E neste
ponto, destaca-se que a privacidade surge como verdadeiro expoente dos direitos da
personalidade no ambiente virtual, af‌inal, diante das notáveis mudanças promovidas pelo
avanço tecnológico, de todos os aspectos dos direitos da personalidade, a privacidade
é um dos direitos que mais sofreu as transformações sociais radicais.10
Conforme é sabido, a privacidade poderia ser considerada como respeito à vida
privada, ou seja, àquilo que é íntimo a pessoa e não interessa aos outros, nem mesmo ao
Estado. Ocorre que, no complexo cenário da Sociedade da Informação, a privacidade
sofreu grandes transformações, já não se limitando a essa clássica discussão acerca da
violação do direito da pessoa quando fotografada ou f‌ilmada em situações embaraçosas
ou íntimas, por exemplo.
Em verdade, no atual contexto, a privacidade voltou-se muito mais para a pre-
ocupação com diversos riscos que as pessoas estão expostas em razão da coleta, do
processamento e do uso de seus dados pessoais, tanto por parte dos Estados quanto
por parte das pessoas privadas, a partir das inúmeras possibilidades concedidas pelas
modernas tecnologias da informação.11 A privacidade, portanto, pode ser compreendida
atualmente, sem desconsiderar as possibilidades de ampliação, como a capacidade que
o indivíduo tem de controlar o f‌luxo de informações pessoais disponíveis na sociedade
sobre si mesmo.12
Nota-se, portanto, que toda essa alteração na forma de problematizar a privacidade
e, em última análise, a própria tutela da pessoa, dá indícios dos riscos que acometem a
própria concepção de autonomia da pessoa, posto que no atual contexto, a liberdade
deve ser compreendida como a possibilidade de a pessoa poder se locomover física e
8. PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no código de defesa do consumidor. São Paulo:
Ed. RT, 1997. p. 16.
9. LIMBERGER, Têmis. Direito e informática: o desaf‌io de proteger os direitos do cidadão. In: SARLET, Ingo Wol-
fgang (Org.) Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 195.
10. MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2016. p. 140.
11. MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito
fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 22
12. LEONARDI, Marcelo. Tutela e privacidade na internet. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67.
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