Garantia da publicidade: aplicação nos diversos tipos de inquéritos

AutorAndré Nunes - Layla Matos - Pedro Campos
CargoBacharelandos em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Monitores das disciplinas de Teoria Geral do Processo e Novas Tendências de Processo Civil
Páginas89-110

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I – Introdução

O presente artigo busca mostrar ao leitor o tema da garantia da publicidade, de grande relevância na seara jurídica e constitucional pós-88, quando inserido na temática processual do inquérito, avaliando sua relação com um procedimento tradicionalmente conhecido como da ciência processual penal.

Faremos uma abordagem, tendo como pedra fundamental o inquérito policial, do qual sairá a inspiração para a criação dos outros institutos, inovadores ou não, do nosso sistema jurídico pátrio. Tendo como base as características já exaustivamente estudadas no que diz respeito ao inquérito policial, confrontaremos essas mesmas características com osPage 90demais institutos processuais abordados e como a respectiva garantia constitucional é analizada nesses procedimentos.

II – A garantia da publicidade

O princípio da publicidade constitui uma garantia do indivíduo em face do Estado para que este torne público seus atos, levando-os ao conhecimento de todos. Serve ao indivíduo para cientificá-lo dos atos praticados pelo poder público, possibilitando, assim, a participação no procedimento e o controle da atuação estatal. Afinal, o mínimo necessário para se aferir a legitimidade de determinada manifestação inicia-se pela ciência da mesma pelas partes.

De acordo com os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes 2 :

“As garantias da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal apenas são eficazes se o processo pode desenvolver-se sob o controle das partes e da opinião pública.”

Nesse sentido, Ferrajoli afirma que a publicidade é uma garantia de segundo grau ou garantia das garantias 3 . Isso se dá, pois a garantia da publicidade atua viabilizando o exercício de outras garantias. São garantias que se apresentam como “instrumentos pelos quais se assegura o controle sobre a efetividade das garantias expressas pelos demais princípios constitucionais” 4 .

De grande importância no ordenamento jurídico contemporâneo, a publicidade dos atos praticados pela administração nem sempre foi outorgada para a sociedade. Com a Revolução Francesa houve intensa reação contra juízos secretos e pelo sistema inquisitivo, despido de garantias suficientes para legitimar as decisões pelaPage 91população. As audiências eram secretas, os juízes tinham poderes exacerbados e o indivíduo pouco podia fazer para exercer seu direito no processo de forma determinante.

O princípio da publicidade recebe tratamento em diversas normas do ordenamento jurídico. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo X 5 , garante a publicidade popular dos juízos. No Brasil, a publicidade recebeu tratamento constitucional, dispondo a Constituição Federal da seguinte forma:

“Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”

(...)

“Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

Além dos artigos transcritos acima, o ordenamento jurídico pátrio consagra a publicidade no capítulo da Constituição Federal referente à Administração pública 6 , e na legislação infraconstitucional 7 .

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“No plano jurídico-formal o princípio da publicidade aponta para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam expostos ao público, que se pratiquem à luz do dia, até porque os agentes estatais não atuam para satisfação de interesses pessoais, nem sequer da própria Administração, que, sabidamente, é apenas um conjunto de pessoas, órgãos, entidades e funções, uma estrutura, enfim, a serviço do interesse público, que, este sim, está acima de quaisquer pessoas. Prepostos da sociedade, que os mantém e legitima no exercício das suas funções, devem os agentes públicos estar permanentemente abertos à inspeção social, o que só se materializa com a publicação/publicidade dos seus atos.” 8

“O princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição.” 9 De fato, não podemos vislumbrar um eficaz exercício do direito ao contraditório sem que as partes tenham ciência do objeto do processo.

Podemos observar nos artigos citados que o princípio da publicidade pode sofrer restrições. No art. 5º da CRFB, a depender do objeto do processo, a publicidade sofre mitigação. O direito à intimidade ou o interesse público pode ensejar que o processo seja realizado sem a devida publicidade, excluindo a população da ciência de processo.

Tal restrição, no entanto, tem suas características. Não poderá a restrição se dar de forma absoluta, pois os partícipes do processo devem ser cientificados, até mesmo para que possam se manifestar e apresentar os argumentos que lhes colocarão em situação jurídica favorável. Assim, deve a publicidade restrita, especial ou interna manter-se inalterada.

A publicidade possui dois destinatários: I- publicidade restrita, especial ou interna (às partes); II- publicidade plena, popular, externa (à sociedade).

A primeira espécie da publicidade, a interna, dirige-se aos sujeitos do processo integrantes do pólo ativo e passivo, possibilitando o pleno conhecimento dos atosPage 93processuais. Serve como uma garantia ao direito do contraditório, pois, ao dar conhecimento dos atos praticados, permite o exercício do direito de defesa. Sendo assim, a publicidade interna não poderá sofrer restrições, o que significaria subtração da oportunidade de participação efetiva nas fases do processo.

Por outro lado, a publicidade externa alcança os membros da sociedade que não se situam num dos pólos do processo. Dirige-se à população em geral, funcionando como um meio de controle social das decisões judiciais. A faceta externa da publicidade processual condiz com o Estado Democrático de Direito, em que a atividade judicial justa nada tem a esconder, permitindo o controle da atividade processual por qualquer integrante da sociedade, mesmo sem integrar o processo.

A Constituição Federal também se refere às exceções a publicidade. O art. 5º, XXXIII, da CRFB, determina que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” 10

Um exemplo dessa restrição encontra-se no Código de Processo Penal. No procedimento acusatório, não há dúvida de que a publicidade prevalece, porém, na fase inquisitória, não podemos fazer a mesma afirmação. O art. 20 do Código de Processo Penal 11 prevê a possibilidade do sigilo na fase do inquérito.

Sobre essa possibilidade, recorremos outra vez às lições de Gilmar Ferreira Mendes, in verbis:

“... por meio de cláusula normativa aberta e conceito jurídico indeterminado, o Código de Processo penal atribui à autoridade judiciária poderes discricionários para definir, em cada caso, qual a medida do sigilo necessário à elucidação dos fatos ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20).”

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A possibilidade de sigilo no inquérito policial fundamenta-se por suas características. “O inquérito policial tem natureza administrativa. São seus caracteres: ser escrito (art. 9º do CPP), sigiloso (art. 20 do CPP) e inquisitivo, já que nele não há contraditório.” 12

Por não se tratar de atividade jurisdicional o inquérito é despido das garantias próprias daquele procedimento. A natureza administrativa e a inquisitoriedade, típica dessa fase preliminar, confere ao inquérito características próprias e igualmente legítimas. Afinal, o sigilo para evitar possível alteração de provas ou ações dos indiciados com o objetivo de frustrar a elucidação efetiva dos fatos não nos parece atentatória ao direito à publicidade.

Outra espécie de inquérito é o inquérito civil público. Previsto na Lei 7.347 de 1985, o inquérito civil público é o procedimento administrativo que serve para instruir a inicial de uma ação civil pública. Tal procedimento será presidido pelo órgão ministerial que estiver atuando no caso.

Vejamos o dispositivo legal:

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.”

Em relação à publicidade, o §2º do artigo 8º aduz que haverá sigilo somente nos casos em que a lei impuser. Dessa forma, a regra para o inquérito civil público é que ele seja realizado com a devida publicidade, sendo exceção o seu sigilo. Entendemos somente serPage 95possível o sigilo nos casos legalmente previstos, sendo esses casos (repetição de palavras: “casos”) os permitidos pela Constituição Federal: 13 defesa da intimidade ou interesse social.

A terceira espécie de inquérito está previsto na Constituição Federal para as Comissões Parlamentares de Inquérito. O artigo 58, § 3º da Constituição Federal assim dispõe:

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