Quando a casa é a rua: análise bioética sobre os reflexos da covid-19 para pessoas em situação de rua
| Autor | Andréa Leite Ribeiro e Raisa Brêda Tôso Sfalsini |
| Ocupação do Autor | Doutora em Bioética pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB)/Mestre em Regulação e Avaliação do Medicamento e Produtos de Saúde pela Faculdade de Farmácia (FF) da Universidade de Lisboa (UL) |
| Páginas | 87-104 |
QUANDO A CASA É A RUA: ANÁLISE BIOÉTICA
SOBRE OS REFLEXOS DA COVID-19 PARA
PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA
Andréa Leite Ribeiro
Doutora em Bioética pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília
(UnB). Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica da Bahia
(UCSAL). Especialista em Saúde Mental Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Graduada em Serviço Social. Professora temporária da UnB. Pesquisadora do Obser-
vatório da População Negra (Nesp/Ceam-UnB). Foi Coordenadora Geral de Política
de Prevenção, Tratamento e Reinserção Social da SENAD/ MJ. Assessora da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa. E-mail: aleite1104@gmail.com.
Raisa Brêda Tôso Sfalsini
Mestre em Regulação e Avaliação do Medicamento e Produtos de Saúde pela Faculdade
de Farmácia (FF) da Universidade de Lisboa (UL). Especialista em Vigilância Sanitária
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Graduada em Farmácia. Assessora da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. E-mail: raisabs@gmail.com.
Sumário: 1. Introdução. 2. O que é a Covid-19. 3. Importância da ética em pesquisa: Conep
e a regulação ética. 4. Bioética latino-americana e população em situação de rua em tempos
de pandemia: uma reexão emergente. 5. Considerações nais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O mundo vem vivenciando um momento sanitário histórico causado pela pandemia
do Coronavírus (referência ao vírus SARS-CoV-2 – Covid-19). A frase fique em casa,
tem sido reiterada em diversos espaços públicos, mídia e entre a população. As medidas
sanitárias indicadas pelas autoridades de todos os países e repetidas de forma exaustiva
e colocada em prática de forma questionável são: Isole-se, distancie-se, lave as mãos, use
álcool gel. Como aplicar essas orientações de proteção quando a rua é a casa?
Enquanto vírus desconhecido, essas orientações que mitigam a forma de conta-
minação pelo vírus, tornam-se de difícil prática para determinados grupos sociais, que
vivem situação de vulneração, como as pessoas que estão em situação de rua, deman-
dando uma atuação ainda mais efetiva e intervenção das políticas públicas para evitar a
contaminação e morte dessas pessoas e daquelas que têm contato com eles.
Diante do cenário obscuro, de incerteza quanto a propagação e infectividade do
vírus em grupos populacionais distintos é possível afirmar, no entanto, que pessoas serão
atingidas de formas diferentes devido a sua condição socioeconômica. Tal constatação
se dá quer seja pela dificuldade em manter o isolamento social, de manter o emprego e
ANDRÉA LEITE RIBEIRO E RAISA BRÊDA TÔSO SFALSINI
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uma renda mínima, quer seja pelas limitações em seguir as recomendações sanitárias de
higienização das mãos e uso de máscaras por exemplo.
Ressalta-se que o presente texto não abordará os reflexos da pandemia para todos
os grupos vulneráveis como os quilombolas, população indígena, mulheres que vivem
em ambiente de violência doméstica, pessoas que vivem em abrigamentos, pessoas que
precisam utilizar o transporte público, pessoas que não podem parar de trabalhar fora
de seus domicílios, pessoas que estão em privação de liberdade, pessoas que dividem o
domicílio com muitas pessoas e população negra por exemplo. Quanto a esse último grupo
vale um comentário. O Observatório Covid-191 BR, realizou levantamento e identificou
que no quesito racial/ cor, as pessoas pretas e pardas indicaram risco de morte entre 69%
e 44% maior que as pessoas brancas, respectivamente.
No quesito raça/ cor o Observatório apresenta dados significativos especialmente
se considerado o perfil da população em situação de rua apresentado pelo CENSO POP
RUA. O referido Censo identificou 31.922 adultos em situação de rua, maioria homens
(89% das pessoas), com idade entre 25 e 44 anos (53%) e com declaração de 67% de
pardas ou negras – proporção bem maior do que na população do Brasil em 2008 (45%),
equivalente a 0,06% da população dos municípios que foram pesquisados no referido
Censo (Cortizo, 2019).
No entanto, aqui abordaremos aspectos bioéticos relacionados à Covid-19 e as
pessoas que tomam a rua como seus domicílios de forma global, sem focar na questão
específica raça/cor e sim com todas as características que as compõe.
As pessoas em situação de rua vivem com acesso precário a saneamento básico,
escassez de recursos financeiros e sociais, com acesso a alimentação advinda em grande
parte pela doação que recebem de diversos grupos, dentre eles os restaurantes e bares
dos locais onde vivem e que em decorrência da pandemia passaram meses sem funcio-
namento ou com funcionamento restrito, dentre outros contingenciamentos.
Numa perspectiva Bioética identifica-se que a desigualdade no Brasil permanece
sendo um abismo para a efetivação dos direitos humanos com ampliação da iniquidade em
saúde e para o grupo populacional em questão o que só reforça as iniquidades em saúde.
É fato que as pessoas que estão em situação de rua, por motivos diversos, já viviam em
condições de desvantagem social e mais expostos a diversas doenças causadas por vírus e
pela condição de rua e com a Covid-19 as repercussões para a saúde deles não é diferente.
O presente texto está estruturado em três partes em que na primeira serão abor-
dadas questões relacionadas à Covid-19, na sequência as pesquisas relacionadas e por
fim serão trazidas questões relacionadas a Bioéticas sobre a população em situação de
rua em tempos de pandemia provocada pela Covid-19. Espera-se que o leitor tenha a
experiência de ampliar a reflexão sobre o momento vivenciado, auxiliando na compre-
ensão do fenômeno e apontando possibilidades para um debate Bioético centrado nos
direitos humanos.
1. Disponível em: https://covid19br.github.io/analises.html?aba=aba6#.
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