Quando a Nostalgia Salva: Novos Contornos da Responsabilidade Trabalhista do Sucedido

AutorAntonio Umberto de Souza Júnior/Ney Maranhão
Páginas173-180

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1. Começando a conversa

A Lei n. 13.467/2017 implementou a chamada “Reforma Trabalhista” no Brasil. Trouxe consigo inúmeras alterações cujo verdadeiro impacto social e jurídico ainda não pode ser medido. Dentre suas múltiplas disposições, de ordem material e processual, encontra-se o novo art. 448-A da CLT, destinado a regrar os efeitos jurídicos da chamada sucessão trabalhista por um ângulo invertido ao que sempre esteve estatuído em Lei (foco, agora, no sucedido), tema que buscaremos discorrer neste escrito no fito de ofertar uma visão geral do assunto no contexto pós-reforma.3

2. O direito do trabalho como um sistema de garantias

Em sua evolução, o Direito do Trabalho sempre se caracterizou por um importante movimento expansionista de garantia de direitos, iniciado pelos mais elementares (limitações de jornada, imposição de descansos e estipulação de mínimos remuneratórios) e progredindo para outros temas (prevenção de fadiga, de doenças e de acidentes, irreversibilidade das condições contratuais in pejus, isonomia salarial etc.). Por uma série de razões históricas, que a dimensão do presente estudo não permite esmiuçar, a relação de emprego foi alçada a uma condição peculiar de contrato em que boa parte das cláusulas já é predefinida pela Lei diante da discrepância, no plano da vida real, dos poderes negociais das partes envolvidas. Em verdade, não houvesse a incisiva intervenção estatal sobre a configuração mínima de direitos e deveres decorrentes da relação de trabalho subordinado, certamente a força do capital – representada pelo empregador – quase sempre sobrepujaria a vontade e a força dos empregados.

O fato de esse contrato envolver a disponibilidade da força de trabalho humana mediante a paga de salário atrai, portanto, um colorido diferenciado para esse tipo de pactuação, fazendo-o destoar dos modelos contratuais ordinários, quase sempre limitados a uma dimensão estritamente individual e de cariz essencialmente patrimonialista. No contrato de emprego, porém, para além de uma patente faceta contratual-patrimonial, viceja também uma dinâmica que envolve incontornável faceta existencial, porquanto o enlace jurídico

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oportuniza, quanto ao polo obreiro, a percepção de verbas de natureza alimentar.

Não por outro motivo, a vinculação contratual trabalhista, como regra, operacionaliza-se para durar no tempo, constituindo-se com obrigações de trato sucessivo e efeito continuado, tendendo à permanência,4 já que permanente também é a necessidade material alimentar do trabalhador, fator humano quase sempre justificador da fixação jurídica que materializa o pacto de trabalho. Daí advém a característica da pessoalidade do trabalhador, expressando um dos elementos fático-jurídicos configuradores da relação de emprego, fixando-o em caráter intuito personae no bojo do liame laboral e evidenciando inarredável nótula de infungibilidade quanto ao polo obreiro.

Sensível a tais premissas, cedo o sistema jurídico forjou uma outra onda expansionista paralela de regras tutelares no campo do Direito do Trabalho: as garantias de efetivação da legislação trabalhista. Afinal, a simples imposição legal (e, no nosso caso e de muitos países na atualidade, constitucional) de obrigações a serem cumpridas pelos empregadores precisa vir acompanhada de mecanismos múltiplos e eficazes para prevenção, superação e reparação do inadimplemento contratual. Tais mecanismos militam em diversas frentes, tais como:

  1. na contemplação de multas e indenizações, ora de índole punitiva, ora de índole compensatória, para inibir o desfazimento dos contratos de trabalho (os 40% sobre o FGTS e a indenização adicional do art. 9º da Lei n.
    7.238/1984), reprimir a mora (as multas dos arts. 467 e 477, § 8º) ou reprimir determinadas condutas (a multa por ato discriminatório – CLT, art. 461, § 6º);

  2. na criação de instâncias intraempresariais (comissões de prevenção de acidentes, serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho e comissões de representantes de empregados), intercorporativas (comissões de conciliação prévia) e externas (Justiça do Trabalho, sindicatos, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho), todas voltadas à prevenção e solução de conflitos decorrentes da possível má aplicação da legislação trabalhista;

  3. na concepção de um sistema próprio de regras e procedimentos para a tramitação judicial das demandas trabalhistas, que convencionamos chamar de Direito Processual do Trabalho;

  4. na implementação de um sistema de sanções de polícia (multa, embargo de obra e interdição de estabelecimento) para a pronta atuação dos órgãos estatais de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, inclusive, em certas circunstâncias de maior relevância e urgência, mediante atos impregnados de autoexecutorie-dade que dispensam a intervenção prévia do Poder Judiciário, tamanha a gravidade e premência dos interesses tutelados (Direito Administrativo do Trabalho);

  5. na invenção de um esquema permanente de monitoramento do nível de cumprimento das convenções ratificadas pelos diversos países emanadas da Organização Internacional do Trabalho (Comissão de Peritos);

  6. na subsistência dos direitos oriundos do contrato de trabalho em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa (CLT, art. 449);

  7. na priorização dos créditos trabalhistas no concurso com outros credores (CTN, art. 186);

  8. na proteção dos créditos trabalhistas contra investidas do próprio empregador e de terceiros credores do empregado (intangibilidade e impenhorabilidade dos salários);

  9. na despersonalização ativa dos trabalhadores que permite a formulação de pretensões em juízo contra seus empregadores sem que se exponham individualmente (substituição processual e tutelas coletivas);

  10. na criação de institutos de despersonalização do empregador que redundam na ampliação do grupo de pessoas (naturais ou jurídicas) suscetíveis de responsabilização patrimonial para cumprimento das obrigações nos contratos de trabalho vigentes e para quitação dos títulos executivos judiciais representativos de créditos trabalhistas, diminuindo a possibilidade de frustração dos empregados.

    Neste último grupo de garantias pessoais de efetivi-dade da legislação trabalhista, podemos enumerar:

  11. a responsabilidade solidária objetiva das empresas integrantes de um mesmo grupo econômico, por subordinação ou coordenação (como explicitamente autoriza a nova redação do § 2º do art. 2º da CLT);
    b) a responsabilidade solidária objetiva do empreiteiro principal pelas dívidas trabalhistas do subempreiteiro que contratar (CLT, art. 455);
    c) a responsabilidade subsidiária objetiva do tomador de serviços pelas dívidas trabalhistas da empresa presta-dora de serviços que contratar, na terceirização de serviços no âmbito privado e no trabalho temporário (Lei n.
    6.019/1974, arts. 5º-A, § 5º, e 10, § 7º);
    d) a responsabilidade subsidiária subjetiva do tomador de serviços, nos casos de terceirização no setor público (Súmula n. 331/V/TST);
    e) a responsabilidade subsidiária objetiva do dono da obra, construtor ou incorporador, pelas obrigações trabalhistas do empreiteiro que contratar (OJ 191/SDI-1/TST);

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    f) a desconsideração da personalidade jurídica do empregador para responsabilização subsidiária dos sócios da pessoa jurídica empregadora sem bens ou com acervo insuficiente para garantir a execução trabalhista (CPC, arts. 15 e 795);
    g) a responsabilidade subsidiária em segundo grau (ou seja, posteriormente ao insucesso da tentativa de localização de bens dos sócios atuais) dos sócios retirantes da pessoa jurídica empregadora (CLT, art. 10-A, III);
    h) a responsabilidade solidária do sócio retirante quando irregular o seu afastamento da pessoa jurídica empregadora (CLT, art. 10-A, parágrafo único);
    i) a indiferença das alterações na estrutura ou formato jurídico da pessoa empregadora em relação à eficácia obrigacional dos pactos laborais tais como a transformação do tipo societário (de empresa societária para empresa individual ou de sociedade por cotas de responsabilidade limitada para sociedade anônima, por exemplo), fusão, incorporação, cisão e outros mecanismos de mutação empresarial (CLT, art. 10);
    j) a responsabilidade do sucessor pelas obrigações trabalhistas do sucedido (CLT, art. 448).

    Será em torno destas duas últimas modalidades de garantia subjetiva da efetividade dos direitos e execuções trabalhistas que orbitará nossa exposição.

3. Sucessão trabalhista: caracterização

Insiste-se que há uma intrínseca assimetria material entre os contratantes do pacto laboral, no qual o tomador do serviço é possuidor dos meios de produção e o prestador do serviço é detentor apenas de sua força de trabalho, sendo que este, de regra, porta múltiplas hipossuficiências, tais como as de ordem econômica, informacional e probatória. Esse panorama fático gera um estado de franco descompasso entre as partes envolvidas, sendo que ao poder empregatício patronal corresponde, como outro lado da moeda, a necessária subordinação do obreiro, circunstância que acirra essa denunciada desarmonia contratual.

Assimilada essa realidade social, emerge a possibili-dade de melhor compreensão da regência jurídica que sobre esse peculiar liame contratual incide, em especial quanto ao tema em particular em que aqui nos debruçamos: a dinâmica das alterações suscitadas no âmbito do polo patronal. É que vigora no contrato de trabalho, ao contrário do que se dá no polo obreiro, a fungibilidade do polo patronal e a chamada despersonalização da figura do empregador. Como ensina Mauricio Godinho Delgado, in verbis:

A despersonalização do empregador é um dos mecanismos principais que o Direito do Trabalho tem para alcançar certos efeitos práticos relevantes...

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