Quando os pais expõem a imagem dos filhos

AutorAnna Cristina de Carvalho Rettore - Beatriz de Almeida Borges e Silva
CargoMestre em direito privado pela PUC-MINAS - Mestre em direito privado PUC-MINAS
Páginas32-36
Anna Carvalho Rettore e Beatriz Borges e SilvaDOUTRINA JURÍDICA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
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DOUTRINA JURÍDICA
Anna Cristina de Carvalho RettoreMESTRE EM DRETO PRVADO PELA PUC-MNAS
Beatriz de Almeida Borges e SilvaMESTRE EM DRETO PRVADO PUC-MNAS
QUANDO OS PAIS EXPÕEM A
IMAGEM DOS FILHOS
I
A POSTAGEM EXCESSIVA DE FOTOS DE CRIANÇAS,
PRINCIPALMENTE NO MEIO VIRTUAL, IMPELE O DIREITO A
INVESTIGAR ESSE FENÔMENO
The guys who fear becoming fathers don’t un-
derstand that fathering is not something perfect
men do, but something that perfects the man.
The end product of child raising is not the child
but the parent.1
Frank Pittman
Odesenvolvimento tecnológico tem
viabilizado maior amplitude de divul-
gação da informação, tendo esta se
tornado uma característica extrema-
mente marcante da sociedade con-
temporânea. Jornais e revistas têm tiragens
de maior alcance territorial, acrescida pela
disponibilização online que ultrapassa barrei-
ras; redes sociais variadas contam com a par-
ticipação maciça de todos os setores da popu-
lação; e a facilidade para postar comentários,
fotos ou vídeos na web possibilita a publica-
ção de conteúdo por qualquer pessoa – tudo,
ao alcance de um clique, pelo computador, ta-
blet ou celular.
Nesse contexto, o volume de dados dispo-
níveis provoca a instantaneidade do impacto
das informações lançadas na internet, sob
pena de cada uma delas passar despercebi-
da ou ser facilmente sobreposta por todas as
demais. Por isso, ganha especial relevo a ima-
gem, meio chamativo que informa de modo
simples e objetivo, donde decorre a constan-
te preocupação comercial com o tema, bem
como a grande popularidade de aplicativos de
fotos e vídeos.
Contudo, a mudança que se observa na
circulação da informação, sendo tão ampla e
acessível, tem gerado reflexos – grande parte
das vezes, de maneira absolutamente irrefle-
tida – na vida privada, outrora marcadamente
restrita aos círculos pessoais. Assim, muito
mais que antes, a cada um cabe avaliar, minu-
ciosamente, o efeito de decisões referentes à
divulgação de informações privadas em meios
de comunicação, o que apenas se intensifica
quando dita divulgação ultrapassa a própria
esfera individual, para alcançar a de outrem.
Veja-se, por exemplo, que em 2012 a dispo-
nibilização no YouTube de um vídeo feito para
a comemoração do Bar Mitzvah do jovem de
treze anos Nissim Ourfali, por seu pai, com o
intuito de facilitar o acesso por amigos e fa-
miliares, tomou proporções inacreditáveis:
ele teve três milhões de visualizações por
Em setembro de 2014, a revista Vogue Kids publicou o ensaio
denominado ‘Sombra e Água Fresca’ com modelos mirins em poses
consideradas ‘sensuais’ pelo Ministério Público de São Paulo
usuários da internet (“viralizando”, segundo
o vocabulário cibernético). O vídeo descrevia
a família, os hábitos e a personalidade do ga-
roto, fazendo uso de uma série de imagens e
da adaptação da música de uma banda ame-
ricana, dublada por Nissim. tendo em vista o
bullying em massa que causou, durante um
ano o jovem teve de ser acompanhado por se-
guranças sempre que comparecia a eventos
sociais2.
De outro lado, em setembro de 2014, a revis-
ta Vogue Kids publicou o ensaio denominado
“Sombra e Água Fresca” com modelos mirins
(autorizadas pelos pais) em poses conside-
radas “sensuais” pelo Ministério Público do
Trabalho de São Paulo, levando-o a requerer
judicialmente medida liminar que determi-
nasse a cessação da distribuição de revistas e
o recolhimento das distribuídas, o que logo foi
deferido pelo Juízo Auxiliar da Infância e da
Juventude do  3-4.
Na verdade, o assunto referente à exibição
sensual, ou com enfoque adulto, de menores
é recorrente: em 2011, muito se falou sobre os
ensaios da francesa Thylane Blondeau5, à épo-
ca com apenas dez anos, e atualmente, sobre a
russa Kristina Pimenova – “a menina mais bo-
nita do mundo”6, como se popularizou na inter-
net –, também dessa idade: as mães de ambas
as modelos têm sido mundialmente criticadas
por especialistas e pela população em geral.
Tomando-se por absolutamente natural
que pais, no dia a dia, decidam acerca das in-
formações a serem disponibilizadas a respeito
de seus filhos (em âmbito público ou privado,
profissionalmente ou não), tem-se pela possi-
bilidade de que se deparem com o dilema de
expô-los de maneira equivocada ou excessiva,
ainda que subjetivamente imbuídos de boa-
-fé. A psicóloga Rosa Maria Farah, da ,
já consignou que
tanto os adultos quanto as crianças ainda estão
aprendendo a lidar com essa nova cultura. ‘Por
isso, alguma cautela é melhor que a exposição
exagerada ou não cuidadosa’, recomenda. ‘A
questão não é quantitativa,
mas qualitativa. O que eu vou compartilhar, em
quais circunstâncias, em qual espaço, quem vai
ter acesso, qual a relevância daquele conteúdo e
se estou expondo demais a vida da criança ou da
minha família são questões que devem ser levadas
em conta pelos pais antes da postagem’, sugere7.
Sendo assim, diante da demonstrada am-
plitude de meios de divulgação e da gravidade
de possíveis consequências impensadas, cabe
ao direito a investigação dos contornos desse
direito/dever parental, de modo a adequada-
mente orientar o comportamento dos genito-
res, na prática.
1. O DIREITO À IMAGEM DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE À LUZ DO PRINCÍPIO
DO MELHOR INTERESSE
Ser sujeito de direito8 em uma ordem ju-
rídica que se volta à promoção do indivíduo
concretamente considerado, de acordo com
o grau de vulnerabilidade que apresenta, sig-
nifica ter sua personalidade – encarada como
o conjunto de atributos essenciais aos seres

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