Entre quatro paredes: a questão da liberdade em Sartre.

AutorLuis Carlos Cancellier de Olivo - Leilane Serratine Grubba
CargoPossui graduação em Direito (1998), mestrado em Direito (2001) e doutorado em Direito(2003), todos pela Universidade Federal de Santa Catarina. - Mestranda em Direito, Estado e Sociedade do CPGD/UFSC.
Páginas147-170
Entre Quatro Paredes: a questão da liberdade
em Sartre
Luis Carlos Cancellier de Olivo 1
Leilane Serratine Grubba2
Resumo: O trabalho tem como objetivo inves-
tigar a questão da liberdade humana à luz da
peça teatral Entre quatro paredesHuis Clos –,
escrita pelo filósofo existencialista francês Jean-
-Paul Sartre (1905-1980). Para o escritor, a exis-
tência humana está intrinsecamente relacionada
à liberdade, dentro de uma concepção de ontolo-
gia do ser. A preocupação com a liberdade indi-
vidual, presente nos primeiros escritos de Sartre,
aos poucos, cedeu lugar à inquietação com uma
ética de liberdade coletiva e sua consequente
responsabilidade. Entender o conceito sartreano
de liberdade no âmbito social-político do huma-
no implica na luta por um constante vir-a-ser.
Trata-se de buscar a possibilidade de mudança,
por meio de uma prática libertadora e emancipa-
tória da construção da dignidade humana.
Palavras-chave: Sartre. Existencialismo. Li-
berdade. Engajamento político.
Abstract: The work aims to investigate the
concept of human freedom and its relations
based in the play ‘No Exit’ - Huis Clos –
written by the french existentialist philoso-
pher Jean-Paul Sartre (1905-1980). Sartre
believed that human existence is inseparable
of its own liberty – within the notion of the
ontology of being. The concern with indivi-
dual freedom, present in the early writings of
Sartre, gradually gave way to an ethic of ca-
ring for collective liberty and its consequent
responsibility. To understand the concept of
Sartrean freedom in the social-political stru-
ggle for human implies a constant come-to-
-be. It means to seek the possibility of change
through a liberating and emancipatory practi-
ce to build human dignity.
Keywords: Sartre. Existentialism. Freedom.
Political engagement.
1 Possui graduação em Direito (1998), mestrado em Direito (2001) e doutorado em
Direito(2003), todos pela Universidade Federal de Santa Catarina. É especialista em
Gestão Universitária(UFSC, 2000) e Direito Tributário (CESUSC, 2002).É professor DE
Adjunto III da UFSC. Ministra as disciplinas de Direito Administrativo II no curso de
graduação e Seminário de Direito e Literatura na pós-graduação em Direito da UFSC.
É professor de Direito Administrativo e Instituiçoes de Direito Público da Universidade
Aberta do Brasil(UAB), desde 2006. É professor de Direito Público e Administrativo no
Programa de Pós-Graduaçao em Administração Universitária da UFSC. Atualmente é
chefe de Departamento do Curso de Direito, membro do Conselho Editorial da EdUSC
e representante docente no Conselho Universitário da UFSC. Presidiu a Fundação José
Arthur Boiteux no período 2009-2010. E-mail: cancellier@uol.com.br
2 Mestranda em Direito, Estado e Sociedade do CPGD/UFSC. E-mail: lsgrubba@
hotmail.com.
Doi:10.5007/2177-7055.2010v31n61p147
Entre Quatro Paredes: a questão da liberdade em Sartre
148 Seqüência, n. 61, p. 147-169, dez. 2010
1. Introdução
A peça teatral Entre quatro paredes, que tem como título original
Huis Clos, foi escrita pelo filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre
(1905-1980) entre os anos de 1943 e 1944. Produzida e encenada pela
primeira vez em maio de 1944, no fim da Segunda Guerra Mundial, no
Théâtre du Vieux-Colombier, a pedido do editor Marc Barbézat.
Quando se escreve uma peça ou ensaio, além dos motivos contin-
gentes, existem sempre preocupações profundas. Produzida após As mos-
cas – Les mouches, 1943 – que detinha conotação política, Sartre vislum-
brou em Entre quatro paredes primeiramente motivos estéticos. Escreveu
para três amigos – Wanda Kosakiewicz, Olga Barbezat e Albert Camus –
trabalharem juntos, sem privilegiar nenhum. Todos deveriam permanecer
em cena durante o espetáculo, não havendo papel que fosse mais impor-
tante que outro. A obrigação do baixo orçamento da obra determinou seu
ato único e a ausência de mudança de cenário. O inferno é a eternidade
onde tudo é estático (ROWLEY, 2006).
Filosoficamente, o plano de fundo para a construção do texto foi
mais complexo. Se, como entende Sartre (2004), o ato de escrever é uma
forma de engajamento, de dar liberdade à palavra como ação, a peça foi o
meio utilizado para problematizar a existência humana e sua indissociável
liberdade, dentro de sua concepção da ontologia do ser.
O inferno são os outros quando se crê que na intersubjetividade do
eu com o outro, este se torna o elo constitutivo do ser do eu. Quando se
julga o eu a partir do julgamento procedido pelo outro, só se pode estar
no inferno. A existência humana e sua liberdade implicam no conheci-
mento do ser pelo próprio eu.
O inferno sartreano é simbólico: metáfora do signo da morte em
vida. Não é a morte em decorrência da não vida, mas em virtude da abdi-
cação da vida. O homem é fadado a ser livre. A morte passa a ser, então,
a alienação da livre e voluntária escolha. É a incapacidade de autonomia.
Presos na necessidade do julgamento do outro, os personagens não
vislumbram possibilidade de mudança. Agindo pela má-fé – a escolha de

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