De quem divergem os divergentes: os votos vencidos no Supremo Tribunal Federal

AutorVirgílio Afonso da Silva
CargoProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas205-225
De Quem Divergem os Divergentes:
os Votos Vencidos no Supremo
Tribunal Federal
Whom the Dissenters Dissent From:
Defeated Opinions in the Brazilian Supreme Court
Virgílio Afonso da Silva*
Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil
1. Introdução
A existência de decisões não unânimes em órgãos colegiados é inevitável.
Mais do que isso, a não unanimidade é quase uma tendência natural, es-
pecialmente em se tratando de órgãos que decidem questões moral e po-
liticamente polêmicas. Ainda assim, no caso de tribunais constitucionais e
supremas cortes, há uma enorme variação na frequência com que as diver-
gências se tornam públicas e há também tribunais que não permitem que
o dissenso interno seja conhecido pelo mundo externo1.
A literatura sobre votos divergentes em tribunais superiores é vastíssi-
ma, em diversos idiomas. De forma geral, é possível af‌irmar que a tendên-
* Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (vas@
usp.br). A pesquisa que deu origem a este artigo teve f‌inanciamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (processo FAPESP 2011/01066-0). Partes do resultado da pesquisa foram apresentados
e discutidos no Seminário de Pesquisa que organizo em conjunto com os professores Conrado Hübner
Mendes e Marcos Paulo Verissimo na Faculdade de Direito da USP. Agradeço aos participantes os comentários
que ajudaram a melhorar o texto. Gostaria também de agradecer a Guilherme Benages Alcantara e Tatiana
Alvim a hospitalidade em Brasília durante às minhas visitas ao Supremo Tribunal Federal.
1 Para um panorama acerca desse tema nos tribunais constitucionais europeus, cf. KELEMEN, 2013. Salvo
engano, não há estudo comparativo sobre a prática dos votos divergentes em tribunais constitucionais e
supremas cortes na América Latina.
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cia é ver a possibilidade de divergência com bons olhos. Se a divergência
existe, seria um erro escondê-la, diria o argumento mais geral de todos.
Outros argumentos frequentes sustentam que a possibilidade de divergên-
cia pública tende a respeitar mais a autonomia do juiz, possibilitar um
maior diálogo do tribunal com a sociedade, aumentar a aceitação social
das decisões judiciais e, por f‌im, e talvez como argumento mais recorrente,
costuma-se dizer também que a divergência minoritária de hoje pode ser
uma decisão à frente de seu tempo, com o potencial de se tornar opinião
majoritária no futuro.
No Supremo Tribunal Federal, praticamente todas as decisões nos ca-
sos mais polêmicos têm votos divergentes. Mesmo naqueles casos em que
a decisão f‌inal é unânime, há ao menos divergências argumentativas que
podem ser relevantes. Esses são os votos que, em alguma cortes, são cha-
mados de votos concorrentes, porque, embora não divirjam do resultado
f‌inal, divergem do caminho para se chegar a ele. Talvez não haja (e se
houver, são poucos) tribunais com tantos votos divergentes e concorrentes
quanto o Supremo Tribunal Federal2. De forma geral, contudo, pouco se
questiona esse fato. Ele costuma ser simplesmente encarado como um pro-
duto natural da tradição e da forma de decisão adotada no STF.
Este artigo não tem como objetivo fazer uma análise crítica dessa prá-
tica3. Este texto expõe parte dos resultados de uma pesquisa que pretendia
compreender o que os próprios ministros do STF pensam da prática de-
2 Embora seja difícil encontrar estatísticas comparáveis entre si para subsidiar essa af‌irmação, o simples
fato de que, nos casos mais importantes, mesmo decisões unânimes costumam ser a soma de 11 votos
concorrentes parece ser um bom indicativo de que poucos tribunais têm tantos votos divergentes e
concorrentes como o STF. Como af‌irmado, as estatísticas existentes são de difícil comparação. Por exemplo,
no Tribunal Constitucional alemão, desde que os votos individuais (divergentes ou concorrentes) passaram
a ser permitidos, em 1971, foram 154 decisões com votos individuais, em um universo de 2137 das
decisões publicadas no repositório of‌icial, ou seja, apenas 7,2% das decisões têm algum voto individual
(cf. BUNDESVERFASSUNGSGERICHT, 2014). No STF, dados mostram que, no caso das ADIs, por volta
de 1/4 das decisões não são unânimes, isto é, contêm ao menos um voto divergente (cf. OLIVEIRA, 2012,
p. 144). Como essa estatística inclui apenas a dicotomia unânime/não unânime, ela não permite identif‌icar
as inúmeras decisões unânimes com votos concorrentes. O número de decisões com votos individuais no
STF é, portanto, muito maior do que 25% do total (no caso das ADIs). No caso da Suprema Corte dos
Estados Unidos, uma corte notória por sua divisão ideológica, os votos divergentes também são frequentes
e as decisões unânimes, menos comuns (cf., por exemplo, EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2012, p. 701: de
1946 a 2009, apenas 30% das decisões foram unânimes). Ainda assim, as divergências e concorrências são
menos individualizadas do que no STF. Em outras palavras, uma decisão por 5 a 4 na Suprema Corte dos
Estados Unidos pode ter apenas dois votos, o da maioria e o da minoria, enquanto que uma decisão por 6
a 5, no STF, tenderá a ter 11 votos individuais.
3 Para uma análise crítica, cf. SILVA, 2013, pp. 583-584.
Virgílio Afonso da Silva
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