A questão do 'incentivo com o chapéu alheio' entre união e municípios re 705.423/SE, tema 653/RG-STF

AutorBetina Treiger Grupenmacher e Matheus Ziccarelli
Páginas993-1024
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A QUESTÃO DO “INCENTIVO COM O CHAPÉU
ALHEIO” ENTRE UNIÃO E MUNICÍPIOS – RE
705.423/SE, TEMA 653/RG-STF
Betina Treiger Grupenmacher1
Matheus Ziccarelli2
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Os Municípios e o Pacto Federativo – 3. Princípio
da autonomia municipal e tributação – 4. Recurso Extraordinário Nº 705.423 e
o Tema 653 do STF – 5. A competência tributária da União e a autonomia finan-
ceira dos Municípios – 6. Conclusões – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O princípio federativo compõe, ao lado de outros princí-
pios constitucionais, como o da separação dos poderes, as ba-
ses que sustentam o ordenamento jurídico pátrio, vez que não
é possível ser alterado sequer por Emenda Constitucional,3
1. Advogada. Professora de Direito Tributário da UFPR. Pós-Doutora pela Univer-
sidade de Lisboa. Doutora em Direito Tributário pela UFPR. E-mail: betina@gru-
penmacher.com.br.
2. Advogado. Mestrando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Para-
ná. E-mail: matheus@grupenmacher.com.br
3. Defendia essa posição Geraldo ATALIBA, ao tratar da Constituição de 1967,
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encontrando-se entre as chamadas cláusulas pétreas.4 Contu-
do, como já asseverava Hans Kelsen,5 seguido por Karl Loe-
wenstein,6 a forma federativa de estado decorre da própria
Constituição.7
A Federação teve origem nos Estados Unidos da América
e data do século XVIII. O federalismo americano decorreu da
união de treze colônias, emergindo a figura do Estado Federal.
O termo federação possui distintas acepções, nos diversos
Estados que a adotam. Leciona Roque Antonio Carrazza, ci-
tando autores como Hans Kelsen8 e Georg Jellinek,9 que “cada
contudo, os seus ensinamentos continuam atuais: “(...) só por via revolucionária, só
mediante quebra da ordem jurídica podem eles (princípio federativo e republicano)
ser alterados, atingidos, reduzidos, modificados (...). Na verdade, qualquer proposta
que indiretamente, remotamente ou por consequência, tenda a abolir quer a Fede-
ração, quer a República é igualmente proibida, inviável e insuscetível de sequer ser
posta como objeto de deliberação”. (ATALIBA, Geraldo. Estudos e Pareceres de
Direito Tributário. p. 11.)
4. Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não
será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma fede-
rativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação
dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.
5. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo: Martin Fontes
2005, p. 334.
6. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1983, p. 356.
7. LACOMBE, Américo Masset. Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo:
Malheiros,1996, p. 102.
8. Hans Kelsen define a existência de ordens jurídicas distintas: “a ordem jurídica
global (a Federação) e as ordens jurídicas parciais, a central (a União) e as periféri-
cas (Estados-Membros), devendo os limites determinados pelo texto constitucional
serem respeitados e adicionados a elas os Municípios (no caso brasileiro). O Estado
Federal seria, portanto, a união de todas as ordens jurídicas parciais”. (KELSEN,
Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo: Martin Fontes 2005, p. 333/334.)
9. Georg Jellinek conceitua o Estado federal como uma união de Direito Público
entre os Estados, que estabelece uma soberania sobre os que se unem. Define ainda
a situação dos Estados-Membros, ao afirmar que em conjunto são soberanos, ou
cossoberanos e, ao serem tomados individualmente estão submetidos a certas obri-
gações. Os Estados-Membros do Estado Federal não são por si próprios soberanos,
pois a Constituição atribui aos órgãos superiores de poder destes Estados e, conse-
quentemente, a eles mesmos, uma participação maior ou menor na soberania, ga-
rantindo assim as suas autonomias. (JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado.
Granada: Comares, 2000, p. 622/623.)
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Federação tem uma fisionomia própria: a que lhe imprime o
ordenamento jurídico local”.10
Contudo, traz a sua própria definição de Federação, ao
afirmar que consiste em “uma associação, uma união institu-
cional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Fe-
deral), diverso dos que dele participam (os Estados-Membros).
Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalida-
des jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em
benefício da União. A mais relevante delas é a soberania”.11
O Estado brasileiro optou pelo federalismo no momento
em que decidiu pela adoção da forma republicana de governo,
o que fez na Constituição de 1891.12 Contudo, no período que
sucedeu a criação do modelo federal, os Estados não utiliza-
ram a sua autonomia como poderiam, tendo em vista o domínio
das oligarquias locais que detinham o poder. No ano de 1930,
em decorrência do movimento revolucionário, destacaram-se
interventores para os Estados, retirando parte de suas auto-
nomias. Com a Constituição de 1934, a autonomia dos Estados
é devolvida, porém, logo com a Constituição de 1937, o Brasil
passa por um período de concentração do poder na União. So-
mente em 1946, com um novo diploma constitucional, o país re-
torna ao federalismo concretamente. Contudo, com o golpe de
1964, e consequente implantação do regime despótico e autori-
tário, a autonomia dos estados novamente é retirada, voltando
a ser consolidada com a Constituição Federal de 1967.13
A partir da Constituição de 1988, a Federação ressur-
ge com a autonomia das pessoas políticas preservada. O
10. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 3. ed.
São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1991, p. 115/116.
11. Idem, p. 117.
12. Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime repre-
sentativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e consti-
tui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados
Unidos do Brasil.
13. BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva
1983, p. 301.

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