Questões controversas relacionadas ao critério temporal: aspectos gerais

AutorCristiane Pires
Páginas189-228
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CAPÍTULO V
QUESTÕES CONTROVERSAS RELACIONADAS
AO CRITÉRIO TEMPORAL: ASPECTOS GERAIS
A busca pela intersecção entre a teoria e a prática, entre a ciên-
cia e a experiência, apesar de trabalhosa, penso ser a trajetória
que melhor atenda às exigências atuais da comunidade jurídica
brasileira.
Paulo de Barros Carvalho297
5.1 Considerações iniciais do capítulo: da relevâ ncia
estudo do plano pragmático
Conforme já destacado nos trechos iniciais deste trabalho,
ao estudar os textos jurídicos, podemos e devemos perquirir a
relação entre os signos que o compõem, aproximando-nos, as-
sim, do seu plano sintático, como também nos debruçar sobre
as relações existentes entre os referidos signos e as parcelas da
realidade que eles nomeiam, acercando, deste modo, seu plano
semântico. Este tem sido o trajeto por nós percorrido até então.
Não obstante, em condescendência às sempre judiciosas
lições de
Paulo de Barros Carvalho
, constatamos que toda pes-
quisa se torna mais enriquecida quando agregamos extratos
297. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed.
São Paulo: Noeses, 2011, p. XXXV.
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CRISTIANE PIRES
de linguagem que versam sobre o modo como os utentes li-
dam com os preceitos que tratam do tema examinado, isto é,
se adentrarmos no chamado plano pragmático.298 Afinal, como
afirma o doutrinador: “A dimensão pragmática da linguagem,
aliás, onde se estudam as relações dos signos com seus utentes,
é o campo próprio para a solução dos problemas semânticos”299.
Reservamos, assim, os dois últimos capítulos do presente
livro para incursionarmos neste plano, dedicando atenção a al-
guns aspectos polêmicos que dizem respeito ao critério temporal,
a fim de demonstrar, assim como nos planos sintático e semânti-
co, quão difícil é lidar com este fenômeno na prática, quão custo-
so é controlá-lo diante de uma realidade intensamente complexa
e cambiante, e quão complicado é sincronizá-lo com tantos inte-
resses opostos envolvidos, mormente na seara tributária.
Neste quinto capítulo trataremos de alguns aspectos que
dizem respeito a toda e qualquer espécie de tributo (por isso,
aspectos gerais), deixando questões controversas específicas
a determinados impostos para o sexto capítulo.
Partiremos da análise da classificação – adotada por
parte da doutrina – dos fatos jurídicos em relação ao crité-
rio temporal em: instantâneos, pendentes e complexivos, de-
monstrando a falácia da tese. Analisaremos as peculiaridades
e manuseio dos tributos periódicos. E, por fim, teceremos nos-
sas considerações sobre a relação do critério temporal com
o chamado princípio da praticidade, cada vez mais recorrido
pelo Estado na construção das relações jurídico-tributárias e
o emprego de recursos como os da presunção e da ficção jurí-
dica para alcançá-la.
298. Como explica o doutrinador: “Mas, para além do estudo da arrumação dos ter-
mos jurídicos dentro da fraseologia da lei (sintaxe) e da pesquisa dos seus significa-
dos (semântica), o conhecimento da linguagem do direito supõe a indagação da ma-
neira como os sujeitos a utilizam dentro da comunidade em que vivem (pragmática).
Como motivar a conduta, realizando os valores da ordem jurídica, é o grande tema
da pragmática” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e mé-
todo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 216).
299. Id. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 171.
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O TEMPO E O TRIBUTO
5.2 A falácia da classificação dos fatos tributários
em instantâneos, pendentes e “complexivos”
Um relevante debate para o estudo do critério temporal, e
que ganhou mais claridade e logicidade a partir das críticas capi-
taneadas por
Paulo de Barros Carvalho,
diz respeito à proposta
de classificação do fato jurídico tributário – ou, na nomencla-
tura utilizada pelos precursores brasileiros desta classificação,
do “fato gerador” – de acordo com o tempo marcado para sua
realização em “instantâneos”, “continuados” e “complexivos”.
Parte dessa classificação surgiu a partir das lições de
amilCar de arauJo FalCão
300, em sua clássica obra Fato ge-
rador da obrigação tributária, que, inspirado na doutrina es-
trangeira (notadamente nos autores
merCk
,
vanoni
e
Gianini)
,
propôs que os tributos fossem classificados de acordo com o
momento de sua incidência em instantâneos e complexivos.
Resumidamente, de acordo com essa divisão, os fatos tri-
butários (e também as hipóteses) se distinguiriam de acordo
com o tempo marcado para a consumação factual. Assim, os
fatos instantâneos corresponderiam àqueles que se iniciassem
e se encerrassem em uma mesma unidade temporal, de modo
que cada vez que ocorrem fazem nascer uma obrigação tribu-
tária autônoma, a exemplo do que, segundo esta tese, ocorre-
ria com impostos como ICMS ou o II. Já os fatos complexivos
diriam respeito àqueles cujo ciclo de formação se completaria
dentro de unidades distintas de tempo, sendo formados por
uma multiplicidade de fatos, circunstâncias ou acontecimen-
tos, identificados dentro de um determinado período de tem-
po, como aconteceria em relação ao IR.301 Essa perspectiva teve
adesão da maioria dos autores brasileiros da época.
No entanto,
Paulo de Bar ros Carvalho,
após se de-
bruçar sobre a análise da procedência lógica da aludida
300. FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1971.
301. Ibid., p. 121-123.

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