Questões introdutórias

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas117-131

Page 117

Engenharia civil – ciência exata?

Há um falso conceito de que a Engenharia Civil é uma ciência exata. Isso não é verdadeiro. Diz-se, com razão, que não há duas obras iguais. Cada obra é diferente de outra. Mesmo que tenham tido o mesmo projeto, as mesmas características, o mesmo memorial descritivo, a mesma equipe construtora, o resultado final é diferente. Isso porque há variabilidades de toda ordem na construção, que consequentemente afetam o seu resultado. Há variabilidade do solo (de local para local), dos materiais estruturais, variabilidades geométricas e até nos serviços executados (mesmo que pelas mesmas pessoas), tudo conduzindo a que o resultado final seja diferente. É por isso que uma obra nunca é igual a outra. Daí não se poder exigir da Engenharia o mesmo resultado, de obra para obra.

Segurança estrutural – uma questão de confiabilidade estatística

Os sistemas materiais têm vida finita. A ideia de segurança está intimamente ligada à vida útil do sistema, pois, à medida que aumenta esse período, também cresce o risco de aparecimento de estados excepcionais de utilização, bem como riscos de deterioração do próprio sistema. Os resultados da utilização das estruturas não dependem apenas das decisões humanas. Frequentemente a ruína está associada às forças da natureza, contra as quais não há controle operacional possível, ou à deterioração de materiais cuja constatação é inviável. Desse modo, é preciso admitir – e a Engenharia assim o faz – que sempre existe probabilidade de ruína.

Conforme a lição de Fusco, no método probabilístico de verificação de segurança, toma-se como medida da segurança a probabilidade de ruína:

No entanto, como no estado atual de conhecimentos é praticamente impossível calcular-se a probabilidade de ruína das estruturas, são considerados três diferentes níveis de probabilização da medida da segurança. No nível III do método probabilístico, a medida de segurança tem um claro significado lógico, pois a decisão de se considerar uma estrutura como segura decorre de um juízo probabilístico no qual está envolvida uma única probabilidade, qual seja, a probabilidade de ruína previamente fixada. Todavia, a complexidade do estudo (...) impede a aplicação prática do nível III. O nível II do método probabilístico corresponde ao processo

Page 118

dos extremos funcionais (...) entendendo-se que a probabilidade de ruína é dada apenas por Ps. (...) O nível I do processo probabilístico corresponde ao processo dos valores extremos. (...) Para evitar a consideração de n + m probabilidades associadas à medida da segurança, também ao nível I os valores Xiextr nas estruturas do concreto armado são deterministicamente interpretados, medindo-se a probabilidade de ruína por uma probabilidade única associada às variáveis Yj. (...) No entanto, a despeito de uma aparente precisão formal, os níveis II e I acarretam, na verdade, a perda do significado lógico da medida de segurança, pois tanto as variáveis Yj, quanto as variáveis Xi, são grandezas aleatórias206.

Ainda na lição de Fusco, a noção intuitiva de segurança dos sistemas materiais está ligada à ideia de sobrevivência aos riscos inerentes à sua utilização. Uma estrutura pode ser considerada segura quando existe certa garantia de que, durante a sua vida útil, não serão atingidos estados de desempenho patológico207.

Projetos sempre foram realizados sob condições de incertezas quanto às ações e resistências, e as estruturas sempre foram projetadas para resistir a ações maiores do que as realmente esperadas. Como se observa na doutrina da Engenharia, historicamente havia dois métodos básicos de se impor essa condição de resistência maior do que as solicitações: (a) projeto em ações últimas, em que a ação total é majorada por um coeficiente de segurança e o projetista demonstra que a estrutura ou elemento estrutural considerado pode suportar essa ação majorada, e (b) projeto em tensões admissíveis, em que a tensão do material é limitada por alguma fração de sua tensão de falha e o projetista demonstra que, sob o carregamento esperado ou especificado, a tensão alcançada não excede o valor admissível. A partir de 1960, duas correntes de mudança no cálculo estrutural começaram a se fazer sentir: a emergência de cálculo em estados limites e a ideia de que os parâmetros de cálculo podem ser racionalmente quantificados por meio da teoria de probabilidade. A estrutura prática de criar normas baseadas em probabilidade foi desenvolvida nos anos 1960, e no começo dos anos 1970 ferramentas estavam disponíveis para desenvolver realmente uma norma de cálculo baseada em probabilidade, e a aproximação básica adotada era considerar as propriedades estatísticas das variáveis envolvidas208.

Assim, é preciso desvendar o mito e esclarecer que não há obra de Engenharia isenta de riscos. O que existe é uma questão de confiabilidade estatística, porque as obras são duráveis, mas não são eternas ou permanentes. Como observam Castro

Page 119

Motta e Malite, sistemas estruturais podem falhar ao desempenhar as funções para as quais foram projetados, pois o risco está geralmente implícito nesses sistemas. No caso de uma estrutura, sua segurança é, claramente, uma função da máxima ação (ou combinação de ações) que lhe pode ser imposta durante seu tempo de vida útil e dependerá também da resistência ou capacidade dessa estrutura ou seus componentes, de suportar essas ações. E como a máxima ação da vida útil de uma estrutura e sua capacidade real são difíceis de serem previstas exatamente, e qualquer previsão está sujeita a incertezas, a garantia absoluta da segurança de uma estrutura é impossível.

Na realidade, segurança ou desempenho podem ser garantidos somente em termos de probabilidade de que a resistência disponível (ou capacidade estrutural) será suficiente para resistir à máxima ação ou combinação de ações que poderão ocorrer durante a vida útil da estrutura209.

Da mesma forma que não existem obras de Engenharia eternas, também não existem obras 100% seguras, sem riscos. Os riscos podem ser diminuídos até atingirem níveis aceitos pela sociedade técnica, mas não há como eliminar a possibili-dade de riscos, salvo a custos inimagináveis, que inviabilizariam economicamente qualquer construção.

De modo geral, o sistema é confiável quando existe uma garantia razoável de sua permanência em condições de utilização normal. A confiabilidade é a garantia de sua permanência em serviço210. Nesses termos, portanto, a confiabilidade de um sistema pode e é medida em termos de probabilidade.

No cálculo estrutural, as normas em diversos países estão calibradas para um determinado valor de probabilidade de falha. A norma brasileira utiliza coeficientes para obtenção da segurança aceitável. Para tal, adota um método de cálculo semiprobabilístico que proporciona à estrutura valores de probabilidade de falha próximos a 10-6, o que equivale a um índice de confiabilidade de 4,75211.

A princípio a ideia é simples: as incertezas que afetam o projeto estrutural são identificadas e suas variações potenciais, quantificadas estatisticamente, admitindo coeficientes de segurança parciais apropriados para serem calculados.

Page 120

Isso é reunido para gerar projetos com probabilidade de falha aceitável, previamente especificada.

O mesmo ocorre em relação aos cálculos de resistência do concreto.

Como se depreende da doutrina de Pinheiro, Muzardo e Santos, pode-se definir fck como sendo o valor da resistência que tem 5% de probabilidade de não ser alcançado, em ensaios de corpos de prova de um determinado lote de concreto212.

A Curva de Gauss (figura a seguir) demonstra que existe, e é admitida pela socie-dade técnica, uma determinada probabilidade de falha, tornando esse ponto uma questão de confiabilidade estatística213.

A necessidade de enquadramento legal da relação jurídica (cc ou cdc), para a aplicação das regras próprias

No passado, além da Constituição Federal, o Código Civil era o centro do ordenamento jurídico, e todas as normas especiais referentes às relações privadas gravitavam em torno dele.

O surgimento de microssistemas, dotados de lógicas autônomas e ritmos próprios de desenvolvimento, alterou a função tradicionalmente desempenhada pelo Código Civil.

Page 121

O microssistema caracteriza-se por apresentar princípios específicos, diversos ou complementares àqueles estabelecidos pelo Código Civil, o qual fica restrito à disciplina dos casos residuais, não contemplados pelo microssistema.

O CDC constitui um microssistema normativo, dotado de lógica própria e regras específicas para a proteção dos conflitos concernentes às relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor assume o papel de norma geral das relações de consumo, cabendo ao Código Civil, no âmbito do direito privado, a função residual.

Assim, quando se analisa uma falha construtiva, para verificar quais são os direitos e a responsabilidade das partes, é preciso primeiramente identificar a natureza da relação jurídica existente: se é apenas civil ou se se trata de uma relação de consumo, porque a legislação a ser aplicada é diferente, dependendo de cada situação. Se estivermos diante de uma relação civil, aplicamse as normas gerais contidas no Código Civil e, por outro lado, se estivermos diante de uma relação não apenas civil, mas também de consumo, aplicam-se, além das normas civis gerais, também as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ou seja, a lei a ser aplicada é diferente, dependendo da natureza jurídica da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT