Quilombos in Brazil and socio-environmental rights in Latin America/Quilombos no Brasil e direitos socioambientais na America Latina.

Autorde Souza Filho, Carlos Frederico Mares

Introducao

O processo colonial da America Latina, independentemente de ter tido como metropole Espanha, Portugal ou Franca, ou mesmo os nao latinos Inglaterra, Holanda ou Dinamarca, e marcado por exploracao muito parecida com algumas diferencas se a destruicao da natureza era de minerios ou de produtos agricolas. Numa e outra a destruicao da natureza era condicao de exploracao. O extrativismo na America colonial foi principalmente mineral, mas a destruicao da natureza se dava, e continua se dando, tambem no extrativismo vegetal, especialmente da madeira. Mas a agricultura implantada era, e continua sendo, devastadora, porque implicou, e ainda implica, na substituicao completa de plantas e animais nativos por especies exoticas. A destruicao da natureza, portanto, e um dado concreto na formacao da America Latina. Isso nao significa, porem, que os europeus nao tenham encontrado riquezas vegetais de grande importancia e que sem cerimonia levaram para a Europa, como o pau brasil, o milho, a batata, o cacau, o fumo, entre outros, mas nao plantaram nem mantiveram plantacoes destas especies nativas criadas ou nao pelos povos americanos.

Portanto, desde o inicio a colonizacao quis terra. Terra para devastar por minas ou terra para devastar por monoculturas exoticas. Para as duas devastacoes precisavam de mao-de-obra e nao tinham como libertar os camponeses como fizeram na Europa, por duas razoes muito claras, nao havia servos para libertar, os povos eram livres em maior ou menor grau e nao tinham porque trocar de vida por uma proposta de arduo trabalho mineiro ou agricola para outrem recebendo um salario que nao serviria para comprar produtos num mercado inexistente; alem disso, as metropoles coloniais nao tinham nada de bom a oferecer em troca de suas estruturadas sociedades. Entao foi necessario o uso da forca bruta, a submissao e utilizacao do instituto oposto a liberdade, a escravidao. A colonizacao moderna da America Latina foi escravagista.

Desta forma, a destruicao da natureza sempre esteve associada, desde o inicio da colonizacao, a ausencia de liberdade e opressao dos povos, a escravidao, mesmo depois que ela acabou formalmente. A mentalidade racista e escravocrata se manteve. Portanto todos os povos, originarios ou constituidos durante a colonizacao lutaram contra essa opressao colonial tendo a natureza como pressuposto e objeto da reivindicacao, quer dizer, a reivindicacao de terras proprias, inclui os territorios com tudo o que o compoe, flora, fauna e minerios. Cada povo lutava por sua comunidade e seu territorio.

Na metade do seculo XX os povos, ainda que mantivessem suas lutas particulares, passaram a se organizar para um enfrentamento maior, para isso se constituiram como organizacoes modernas, confederacoes, articulacoes, congressos, redes, aliancas, coordenacoes, etc, ao mesmo tempo que a natureza, chamada de meio ambiente, apareceu na preocupacao dos Estados Nacionais, como objeto de sua soberania e como objeto de protecao. O Direito estabelecido por estes Estados Modernos passou a reconhecer os coletivos, chamados de povos, comunidades, organizacoes como portadores de direito e a natureza numa ambigua situacao de protecao entre objeto e sujeito, sempre conflitando com os direitos individuais bem estabelecidos e regulamentados. Estas mudancas na America Latina ocorridas visivelmente a partir do final do seculo XX ja estava anunciada desde muito antes, nas guerras de independencia, nas guerras e revolucoes populares, como a revolta dos Males, Canudos e Contestado no Brasil, as rondas campesinas do Peru, a revolucao de Tupac Amaru II, a independencia do Paraguai, a revolucao mexicana, o EZLN, as varias revolucoes da America Central, incluindo as guerras de independencia do Haiti e diversas guerrilhas, para citar somente algumas sem classificacao de importancia ou cronologia. Cada um destes e de tantos outros movimentos sociais tem sua importancia especifica e cada um mudou o sentido e o rumo das estruturas juridicas capitalistas do continente, especialmente de suas constituicoes.

Este artigo pretende analisar este processo integrado de resistencia de povos originarios e povos constituidos e a natureza, para isso analisara a existencia destes povos, suas estrategias de resistencia e a estreita ligacao do ser coletivo com a natureza e as conquistas que obtiveram e as dificuldades de sua implantacao. Sera dado especial relevo ao povo constituido por membros sequestrados da Africa e mantidos sob severo regime de escravidao e que no Brasil da Constituicao de 1988 foram chamados pelo nome generico de quilombos, como entraram no sistema legal, sairam da invisibilidade e passaram a lutar pelo seu proprio destino.

O direito de ser, a organizacao social dos povos

Todos os cronistas da colonizacao falam dos povos indigenas, e nao poucas vezes de maneira fascinada pela organizacao, limpeza e solidariedade. O caso mais emblematico e da luta de Hatuey, ainda no seculo XV contra os espanhois em Cuba, que recebeu o titulo de Primeiro Rebelde de America, cuja historia esta contada por Bartolome de Las Casas, que relata dois episodios sobre o chefe indigena, no primeiro fez com que todo o seu povo se desfizesse do ouro porque era a ambicao dos espanhois e melhor nao te-lo; o segundo quando de sua condenacao preferiu morrer a converter-se e ir para o ceu cristao quando soube por um santo franciscano, segundo Las Casas, que o ceu estava cheio de espanhois. (LAS CASAS, 2011/2001). Passou 500 anos e ainda hoje Hatuey e reconhecido e louvado como o rebelde que inaugurou as tradicoes heroicas da resistencia cubana. (RAVELO LOPEZ, 2013).

Sao incontaveis os relatos, cronicas e livros que contam essa dificil relacao entre os povos indigenas e a conquista. O colonialismo moderno visou diretamente a terra descoberta e suas potenciais riquezas. Desde o inicio ficou claro para as metropoles que despojar os habitantes locais de suas terras era a primeira tarefa, mas que para isso era necessario destruir a organizacao social existente. Destruir e a palavra que usa Bartolome de Las Casas porque era disso exatamente que se tratava. Mas a destruicao fisica das pessoas era apenas um recurso contra os rebeldes, especialmente na colonizacao espanhola, porque nenhuma serventia teria a terra para os colonizadores se nao houvesse trabalhadores para extrair seus frutos. Essa concepcao esta muito clara nas estruturas juridicas criadas por Espanha e Portugal para dominar o territorio, sempre associando terra e trabalhador.

A Espanha criou direitos e institutos novos para as colonias, o que chamou de Leys de Indias, porque entendeu que o seu direito estruturado, principalmente o direito de Castela, nao bastava nem tinha instituicoes capazes de atender as necessidades coloniais. A conquista se baseou, entao, em alguns institutos criados, as vezes copiados das organizacoes sociais das sociedades destruidas, as vezes de velhas ordenancas medievais, sempre mal aplicados e violentamente interpretados. O mais original de todos e seguramente o mais importante foi o que chamaram de encomiendas. As encomiendas eram ordens reais que atribuiam povos inteiros a um encomendeiro que tinha a obrigacao de zelar por eles. Zelar por eles, na velha gramatica colonial, significava torna-los cristaos e trabalhadores por conta do encomendeiro que tinha a dura tarefa de convencer os indigenas de que havia so um deus e so um ceu, cheio de espanhois para onde iriam como recompensa do trabalho submisso. Teoricamente estas encomiendas deveriam manter relacoes amistosas com os indigenas (OTS CAPDEQUI, 1993), mas segundo a maior parte dos cronistas sempre que houve insurgencia ou indisposicao ao trabalho nas lavouras ou minas a resposta espanhola era punicao violenta e massacre. As encomiendas, embora se referissem aos povos, permitiam o apossamento das terras, assim, apesar de ser um instrumento juridico de relacao pessoal acaba valendo para despojar os indigenas de suas terras. Ao lado deste instrumento os espanhois usaram tambem o repartimiento que permitia o uso de um espaco territorial e a utilizacao do trabalho indigena da regiao. Como este instrumento esteve muito mais ligado a mineracao, a forma de trabalho foi diferente porque os indigenas em geral dominavam o trabalho de extrair metais preciosos e fundi-los. O trabalho neste caso se fazia em geral por meio de trabalho servil, utilizando pagamento em trabalho das comunidades afetadas (OTS CAPDEQUI, 1993). A extensao das colonias espanholas e a diversidade de exploracao em locais e epocas fez com que estas instituicoes variassem muito em funcao da regiao e da exploracao economica. Em alguns casos os indigenas eram obrigados a pagar ao encomendeiro em bens, como milho, mel, algodao ou o que mais produzissem, numa relacao tributaria endurecida e outras vezes pagava a protecao com trabalho forcado, conhecidos em algumas regioes como mita. (MELENDEZ CH. 1984)

Portugal utilizou para a colonia velhas leis consolidadas nas Ordenacoes do Reino. O regime de sesmaria, desde a lei original de 1375, associava a concessao de terras a capacidade de arregimentar trabalho e produzir excedentes, em Portugal com trabalho a soldo e na colonia despudoradamente com trabalho escravo, ja nas colonias era totalmente inutil cumprir as leis de trabalho livre em que se proibia o nao trabalhar. Uma norma que obrigasse a trabalhar por conta de outrem, punindo a vadiagem, seria inutil para a maioria dos indigenas e ridicula para os africanos. Uns e outros somente trabalhariam para produzir excedentes para outrem acorrentados e escravizados. Com este entendimento Portugal preferiu regulamentar a terra e seu uso, dispondo que toda a terra colonial pertencia ao Rei e somente ele poderia permitir, ceder ou incentivar o uso. Ficou claro que todo uso de terra que nao fosse para a producao de excedentes exportaveis para a Europa estaria proibido, salvo excecoes de benevolencia real. Esta benevolencia era dirigida aos indigenas amigos e...

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