Raça, criminologia e sociologia da violência: contribuições a um debate necessário

AutorLeonardo Ortegal
CargoProfessor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília ? UnB. Membro do Grupo de Estudos AfroCentrados ? GEAC. Foi assistente social socioeducador no Sistema Socioeducativo do Distrito Federal. E-mail: ensejo@gmail.com
Páginas78-93
Raça, criminologia e sociologia da violência...
527
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 527-542, 2016.
RAÇA, CRIMINOLOGIA E SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA:
CONTRIBUIÇÕES A UM DEBATE NECESSÁRIO
RACE, CRIMINOLOGY AND SOCIOLOGY OF VIOLENCE: CONTRIBUTIONS TO
A NECESSARY DEBATE
Resumo
Este artigo trata da relação entre criminologia,
sociologia da violência e questão racial.
Apresenta uma crítica ao lugar subalternizado
da questão racial no processo de interpretação
da realidade nas ciências sociais, discutindo
como caso específico a criminologia e os
homicídios contra a população negra brasileira.
Contextualiza o lugar ocupado pela categoria
raça ao longo do histórico da criminologia,
sendo que, no tempo presente, se detém a
analisar como a criminologia crítica vem
lidando com esta questão. São apontados os
limites e as contradições deste campo do
conhecimento, que se apresenta como crítico,
mas que permanece omisso em relação à
realização de estudos e pesquisas efetivamente
comprometidos com a compreensão da questão
nos processos de criminalidade e
criminalização. Ao final, apresentam-se
algumas propostas e contribuições para que a
questão racial seja incorporada pela
criminologia crítica, não apenas como mais um
elemento agravador do processo criminal e
penal, mas como elemento fundamental, do
ponto de vista teórico e metodológico, para a
compreensão da realidade social.
Palavras-chave: Criminologia. Criminologia
crítica. Raça. Violência.
Leonardo Ortegal
Professor do Departamento de Serviço Social da
Universidade de Brasília – UnB. Membro do Grupo
de Estudos AfroCentrados – GEAC. Foi assistente
social socioeducador no Sistema Socioeducativo do
Distrito Federal. E-mail: ensejo@gmail.com
INTRODUÇÃO
Violência, criminalidade e raça são temáticas de muitas interfaces. Apesar disso, são
raramente abordadas em suas interlocuções. Isso faz com que lacunas na produção de
conhecimento nestas áreas se perpetuem, sobretudo no que diz respeito ao debate racial no
campo da criminologia. Foi diante desta realidade que se decidiu pela realização do presente
artigo.
O trabalho de pesquisa bibliográfica e os diálogos com outros estudiosos desta área
vêm confirmando a realidade de grande escassez de livros e artigos que tratem da relação
entre criminologia e raça, sobretudo em uma perspectiva teórico-metodológica, que traga a
categoria raça para o centro do debate criminológico e abordando as implicações deste
processo.
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 527-542, 2016.
Sabe-se que, nos primórdios da criminologia, para o chamado paradigma etiológico,
a categoria raça foi fundamental para impulsionar os estudos de Césare Lombroso e seus
pares, que visavam encontrar os determinantes biológicos da prática de delitos. Entretanto, as
perspectivas teóricas que posteriormente fizeram frente a esta tese não realizaram o trabalho
de reposicionar a ideia de raça1 nos processos de crime e criminalização de sujeitos e práticas,
deixando esta categoria efetivamente alijada do debate. Destaca-se aqui a chamada
criminologia crítica, objeto de discussão neste trabalho. Esta perspectiva teórica vem sendo a
que mais se propõe a denunciar e desconstruir os problemas da criminologia etiológica e
tradicional, a partir de uma análise mais ampla dos processos que compõem a realidade social
e as manifestações da violência e da criminalidade, demonstrando a incidência das
desigualdades de classe, do capitalismo, entre outros. Em relação à incidência do componente
racial destes fenômenos, contudo, esta corrente não tem feito muito, além do que afirmar
aquilo que já é sabido: que o processo de criminalização e violência é maior contra a
população negra.
O fato é que, para a criminologia crítica, fundamentada em uma perspectiva analítica
considerada marxista, a questão racial, suas desigualdades e o próprio racismo, parecem agir
como elementos secundários nos processos de criminalização e violência dos sujeitos. Um
componente que ‘co-incide’ nestes processos, mas que não possui a centralidade que a
desigualdade de classes possui. Na tentativa de questionar tal perspectiva hegemônica
presente nestes saberes sobre violência é que foi elaborado o tópico 1 deste trabalho,
intitulado “Co-incidência” aleatória ou incidência fatal? O lugar da questão racial para a
sociologia da violência. Neste tópico, a partir dos dados da publicação Mapa da Violência, e
do processo de incorporação da variável raça em suas edições, é possível observar que,
embora seja d e fundamental importância para a compreensão dos fenômenos d a violência
homicida no Brasil, tal variável não vem sendo debatida de forma correspondente pelos
pesquisadores do campo.
Após o exercício de análise acerca da validade da questão racial e da categoria raça
como fundamentais para a compreensão da realidade social brasileira, realizado no tópico 1, o
tópico seguinte busca, então, correlacionar a questão racial e a criminologia. Subdividido em
duas partes, este tópico realiza uma discussão sobre o conceito de raça no processo histórico
1 Concepção de raça que neste momento histórico j á era compreendida não como fato biológico entre os seres
humanos, mas c omo marcador socialmente construído e forte incidência nos processos de produção de
preconceito, discriminação e desigualdades.

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