Raça e gênero na obra de Nina Rodrigues ? a dimensão racializada do feminino na criminologia positivista do final do século xix

AutorNaila Ingrid Chaves Franklin
CargoMestranda em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: naila.franklin@gmail.com
Páginas192-209
Raça e gênero na obra de Nina Rodrigues...
641
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 641-658, 2016.
RAÇA E GÊNERO NA OBRA DE NINA RODRIGUES – A
DIMENSÃO RACIALIZADA DO FEMININO NA CRIMINOLOGIA
POSITIVISTA DO FINAL DO SÉCULO XIX
RACE AND GENDER IN THE WORK OF NINA RODRIGUES –
RACIALIZED DIMENSION OF THE FEMALE IN THE POSITIVIST
CRIMINOLOGY FROM NINETEENTH CENTURY
Resumo
O presente trabalho pretende refletir sobre a
construção do discurso criminológico
positivista sobre a mulher criminosa no final
do século XIX, a partir de uma dimensão
racial. Para isso, faz uma análise de duas obras
do médico maranhense Raymundo Nina
Rodrigues (1862-1906), maior entusiasta das
ideias da escola positiva italiana no Brasil: “As
raças humanas e a r esponsabilidade penal no
Brasil” (1894) e “Os africanos no Brasil”
(1890-1905). Parte-se da ideia de que a
criminologia feminista ainda se faz silente no
que tange à dimensão racial na divisão e
separação das mulheres – brancas e negras em
criminosas ou vítimas – em suas relações com
a cri minologia e com o sistema de justiça
criminal. Por isso, retoma-se a criminologia
positivista, no intuito de visualizar as origens
da construção da imagem da mulher criminosa
a partir de um discurso racializador. Ao final,
sinaliza-se que o comprometimento da
criminologia positivista com o racismo
evidenciado nestas obras de Nina Rodrigues é
fator central para o entendimento da
construção da imagem da mulher criminosa.
Palavras-chave: Raça. Gênero. Criminologia.
Nina Rodrigues.
Naila Ingrid Chaves Franklin
Mestranda em Direito, Estado e Constituição na
Universidade de Brasília (UnB). E-mail:
naila.franklin@gmail.com
INTRODUÇÃO
A criminologia feminista ou o feminismo criminológico traz, para o âmbito das
reflexões sobre o sistema penal, a compreensão da lógica androcêntrica que estrutura o
funcionamento das agências de controle penal. A partir da perspectiva feminista, incorporou-
se, nos estudos críticos, a categoria gênero.
Esta incorporação nos estudos feministas produziu uma diferente leitura do sistema
penal, baseada no sistema sexo/gênero que estruturou, de acordo com a visão feminista, a
divisão sexual do trabalho. Neste sentido, as relações produtivas e reprodutivas auxiliariam no
entendimento deste sistema androcêntrico. As primeiras seriam historicamente d irecionadas
aos homens, enquanto as segundas, às mulheres. (BARATTA, 1999, pág. 45)
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 641-658, 2016.
Sendo o sistema penal um controle específico das relações de trabalho que se dão no
âmbito produtivo, bem como da ordem pública – na qual os homens seriam protagonistas, ele
não atingiria o domínio da vida privada, das relações reprodutivas e, portanto, fora do alcance
de controle feminino. (BARATTA, 1999, pág. 45). Dentro desta ótica, o controle penal teria
caráter residual. Veja-se:
O sistema de justiça criminal, portanto, é duplamente residual. Este intervém, de
modo subsidiário, para sancionar as desobediências à moral do trabalho (a qual se
impõe aos não proprietários de galgar aos recursos socialmente produzidos nos
limites de seus salários), para disciplinar os grupos marginalizados do mercado
oficial de trabalho, e para assegurar a ordem pública e a política necessário ao
“normal” desenvolvimento das relações sociais de produção. Em outras palavras, o
sistema de justiça criminal dirige-se àqueles que possuidores (e, de maneira residual,
como examinaremos, àquelas possuidoras) de papéis masculi nos, para os quais não
se tenha sido suficiente a disciplina do trabalho, ou aqueles que tenham ficado à
margem do mercado oficial de trabalho e da economia formal. (Baratta, 1999)
Na ótica da criminologia feminista, “as possuidoras”, ou seja, a mulheres que são
sujeitas ativas do delito, possuem tratamento diferenciado, seja no conjunto de metarregras
que produzem o aumento da punição ou no agravamento das formas de execução penal por
causa do desvio de seus papéis de gênero. (CAMPOS; CARVALHO, 2011, pág. 152)
Contudo, em que pese as importantes contribuições feministas ao debate
criminológico, a ausência do racismo enquanto fator central na análise das relações das
mulheres com o sistema de justiça deve ser severamente denunciada.
Apesar de quase inexistentes no Brasil tais denúncias, nos EUA, Hilarry Potter
(2006) denunciou a necessidade de se firmar um pensamento, baseada nas experiências das
mulheres negras enquanto grupo controlado pelo sistema penal, originando alguns
apontamentos no que tange à construção de uma possível Criminologia Feminista Negra.
(POTTER, 2006)
Trazendo, contudo, as críticas da Black Feminist Criminology, entendidas como uma
crítica feita por mulheres negras ao feminismo criminológico, para o âmbito do discurso
criminológico, é necessário , para além de entender todas estas relações de complexidade que
mulheres negras possuem com o sistema de justiça criminal, evidenciar que a tese de que o
controle penal possui caráter apenas residual do controle das mulheres – que estariam restritas
ao ambiente doméstico – é uma crítica baseada nas experiências das mulheres brancas.
No Brasil, a assunção desta tese enquanto verdade inquestionável pela denominada
criminologia feminista mascara processos históricos bastante complexos. A criminologia

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