Racismo e pandemia uma análise jurídica: dimensões de justiça e suas interseções

AutorIsis Aparecida Conceicao
CargoUniversidade Internacional da Integração da Lusofonia Afrobrasileira- Campus dos Malês, São Francisco do Conde, Bahia, Brasil
1741
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1741-1776.
Ísis Aparecida Conceição
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/51354| ISSN: 2179-8966
Racismo e pandemia uma análise jurídica: dimensões de
justiça e suas interseções
Racism and pandemic a legal analysis: dimensions of justice and its intersections
Ísis Aparecida Conceição1
1 Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afrobrasileira- Campus dos
Malês, São Francisco do Conde, Bahia, Brasil. E-mail: isisapc@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-0558-2508.
Artigo recebido em 28/05/2020 e aceito em 19/07/2020.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1741-1776.
Ísis Aparecida Conceição
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/51354| ISSN: 2179-8966
Resumo
A imputação da responsabilidade do impacto racialmente desproporcional do vírus
COVID-19 à entidade “racismo estrutural” lança um véu que torna difícil a constatação
das práticas racistas e silencia as vítimas ao mesmo tempo em que impossibilita
identificar em quais âmbitos devem ocorrer às políticas públicas de promoção da
igualdade. A definição jurídica do racismo estrutural da ONU nos permite resgatar o
valor das narrativas pessoais para pensar intervenções institucionais com impactos
estruturais.
Palavras-chave: Racismo Estrutural; Pandemia; Teoria do Direito.
Abstract
The imposition of responsibility for the racially disproportionate impact of the Pandemic
on the entity “structural racism” casts a veil that makes it difficult to verify racist
practices and silences the victims making impossible to identify which areas should be
focused on public policies implementation to promote equality. The UN´s legal definition
of structural racism allows us to reclaim the value of personal narratives to think the
institutional interventions with structural impact.
Keywords: Structural Racism; Pandemic; Law Theory.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1741-1776.
Ísis Aparecida Conceição
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/51354| ISSN: 2179-8966
1. Introdução1
Abril de 2020, o Brasil tornava-se o epicentro Latino Americano da Pandemia do COVID-
19, explicitando a persistente desigualdade que permeia as relações, sociais, raciais, de
gênero, dentre outras, no país e como uma doença sem cura e potencialmente mortal
poderia perder sua natureza democrática em sociedades pós-escravistas, tributando à
entidade “racismo estrutural” e não mais ao vírus, as fatalidades racializadas que
passaram a ser constatadas.
Nove anos após a promulgação da Constituição que declarou o racismo crime,
inafiançável, imprescritível e repudiado (BRASIL, 1988, Art. 42), e 8 anos após a
promulgação da Lei no 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que regulamentou os crimes de
racismo e discriminação (BRASIL, 1989), o anuncio de uma vaga para empregada
doméstica no Jornal “A Folha de São Paulo” (FOLHA, 1997), resultaria na decisão inédita
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 21 de outubro de 2006 (OEA,
2006) e, na reverberação das recomendações daquela decisão, inclusive a de combate
ao racismo estrutural, até os dias de hoje, em que os dados sobre o impacto do racismo
estrutural num contexto de epidemia têm sido divulgados e debatidos no mundo.
Assim como a ferramenta intersecionalidade, a ferramenta racismo estrutural
popularizou-se nos últimos anos e tem sido generalizadamente utilizada nos esforços
em explicar e combater os mecanismos que sustentam e mantém a supremacia branca,
subalternização negra e a desigualdade racial.
Debates a partir da análise de leis declaradas, a exemplo da lei de cotas no
ensino superior e lei de cotas no funcionalismo público, bem como análise de
julgamentos sobre temas relacionados à justiça racial, ex plicitam como algumas
interpretações, resultantes dos esforços em convergir interesses2, sobre as categorias
jurídicas e sociológicas antirracistas, tem mitigado o potencial das ações de combate ao
racismo e promoção de igualdade racial.
Informando-se diretamente pelo modelo que teoriza a partir de uma
epistemologia colonizada o que vem a ser o racismo, temos a transposição de políticas
públicas, co ncebidas para modelos de práticas de subalternização racial anglo-
1 Imensamente grata as considerações e observações do professor Dr. Osmar Teixeira Gaspar.
2 Princípio da Convergência de Interesses cunhado pelo professor Derick Bell afirma que direitos de minorias
serão implementados sob a condição de que o sistema de supremacia branca e os privilégios decorrentes
não seja afetada.

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