Razões, regras e interpretação. O retorno do legislador racional na filosofia do direito

AutorMatheus Thiago Carvalho Mendonça
CargoGraduando na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Nacional de La Plata (Buenos Aires, Argentina)
Páginas412-450
ARTIGO
Revista dos Estudantes de Direito
da Universidade de Brasília;
17ª edição
RAZÕES, REGRAS E INTERPRETAÇÃO: O
RETORNO DO LEGISLADOR RACIONAL NA
FILOSOFIA DO DIREITO
REASONS, RULES, AND INTERP RETATION: THE RETURN OF
THE RATIONAL LEGISLATOR IN THE JURISPRUDENCE
Matheus  iago Carvalho Mendonça1
Resumo: No último terço do século XX, insistiu-se sobre a utili-
dade e o rendimento teórico de abarcar as regras jurídicas em ter-
mos de razões. Um subgrupo de teóricos do direito considera que
a noção de razão, por um lado, outorga uma dimensão explicativa
ao fenômeno prático do direito e, por outro lado, que essa noção
é conceitualmente primordial em relação à regra. Nesse contexto,
o presente artigo almeja demonstrar que os teóricos que mantém
a necessidade de pressupor razões ou a necessidade de encontrar
razões incorreram em uma falácia non sequitur no tocante às suas
pressuposições teóricas. Para tal, pretende-se argumentar que, em-
bora possa ser verdade que a noção de razão constitua uma catego-
ria central para a análise das normas jurídicas, dela foram extraí-
das conclusões injusti cadas. Também argumentar-se-á que isso
determinou a revitalização de um pressuposto antigo, contrário ao
espírito do juspositivismo clássico: a ideia do legislador racional.
Pretende-se demonstrar que aqueles que deram esse salto injusti-
cado confundiram a noção de razão necessária para interpretar
uma linguagem com a ideia de razão prática.
Palavras-chave: Filoso a do Direito; Teoria do Direito; Processo
Legislativo; Normas Jurídicas; Filoso a da Linguagem.
1 Graduando na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Nacional de
La Plata (Buenos Aires, Argentina). Integrante dos grupos de pesquisa (CNPq) “Tradi-
ção da Lei Natural”, do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Fe-
deral do Pará (PPGD-UFPa), e “Direito dos Refugiados e o Brasil”, da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro e Pesquisador-Assistente
da Human Development & Capability Association.
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Abstract: In the last third of the 20th century, there was an insistence
on the usefulness and theoretical performance of embracing legal rules
in terms of reasons. A subgroup of legal theorists considers that the
notion of reason, on the one hand, gives an explanatory dimension
to the practical phenomenon of law and, on the other hand, that this
notion is conceptually paramount in relation to the rule. In this con-
text, this article aims to demonstrate that theorists who maintain the
need to assume reasons or the need to nd reasons have incurred a
non sequitur fallacy with respect to their theoretical assumptions. To
this end, it is intended to argue that, although it may be true that the
notion of reason constitutes a central category for the analysis of legal
rules, unjustied conclusions were drawn from it. It will also be argued
that this determined the revitalization of an old assumption, contrary
to the spirit of classical juspositivism: the idea of the rational legislator.
It is intended to demonstrate that those who took this unjustied leap
confused the notion of reason necessary to interpret a language with
the idea of practical reason.
Keywords: Philosophy of Law; eory of Law; Legislative Process;
Legal Rules; Philosophy of Language.
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1. INTRODUÇÃO
No último terço do século XX, têm-se insistido sobre a utilidade
e o rendimento teórico de abarcar as regras jurídicas em termos de
razões. Um subgrupo de teóricos do direito considera que a noção de
razão, por um lado, outorga uma dimensão explicativa sobre o fenô-
meno prático do direito e, por outro lado, que essa noção é concei-
tualmente primordial em relação à regra. Entender as regras jurídicas
em função das razões subjacentes – ou em função das razões afetadas
pelas regras – tem sido assumido, nesse subgrupo de teóricos, como
uma categoria central a partir da qual é possível explicar diferentes
fenômenos centrais do direito, como o da autoridade ou o da inter-
pretação das normas jurídicas.
O alcance e o desempenho da categoria da razão, no entanto, nem
sempre foram instrumentalizados de forma consequente. É possível
argumentar que alguns teóricos extraíram conclusões injusticadas
sobre como ela deve ser utilizada. A adoção da ideia da razão como
central no empreendimento teórico levou a supor que todo direito
e toda regra não pode ser entendida sem a noção de razão. Nesse
sentido, o direito e as regras jurídicas seriam, em qualquer caso, uma
função de um conjunto de razões que devem ser pressupostas ou de-
vem ser encontradas. Assim, seja qual for o caso, argumenta-se, não é
possível perceber o fenômeno prático do direito e das regras jurídicas
sem a noção de razão.
O presente artigo tem como objetivo demonstrar que um sub-
grupo de teóricos que mantém a necessidade de pressupor razões
ou a necessidade de encontrar razões incorreu em uma falácia non
sequitur no tocante aos seus pontos de partida teóricos. Este salto
no raciocínio será chamado aqui de non sequitur interpretativo. Em
termos de objetivos especícos, pretende-se argumentar que, embora
possa ser verdade que a noção de razão constitua uma categoria cen-
tral para a análise das normas jurídicas, dela foram extraídas conclu-
sões injusticadas. Também argumentar-se-á que isso determinou,
em um sentido importante, a revitalização de um pressuposto antigo,
contrário ao espírito do juspositivismo clássico: a ideia do legislador
racional. Ao nal, se almeja demonstrar que aqueles que deram esse
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