Realismo e a LINDB: amor à primeira vista?

AutorAndré Ribeiro Tosta
Ocupação do AutorMestre e doutorando em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas130-156
130
Transformações do Direito Administrativo:
Direito Público e regulação em tempos de pandemia
Realismo e a LINDB: amor à primeira vista?
André Ribeiro Tosta221
Resumo
Argumenta-se que a LINDB demanda considerações a respei-
to do contexto em que decisões públicas são tomadas e que essa
lei pode ter como consequência o reforço à incorporação de um
tipo de vocabulário novo à prática das instituições de Direito Pú-
blico: a linguagem realista. Há conhecidas abordagens que manejam
essa linguagem, tendo em comum a mudança de foco, de pergun-
tas sobre o conteúdo de normas/princípios jurídicos para enfoques
empíricos/contextuais, capazes de informar como o Direito realmen-
te funciona (como ele é aplicado), e não como deveria funcionar (o
que dizem suas normas). O “novo” foco é acompanhado por novas
linguagens e por velhos problemas; a lei teria tornado o debate a
respeito desses temas ainda mais urgente. Este artigo busca mapear
essas linguagens, justificar sua pertinência com a LINDB e alertar
para os riscos em seu manuseio.
Palavras-chave: LINDB. Realismo. Instituições. Consequências.
Empirismo.
1. Introdução
Este artigo defende que a aplicação adequada da LINDB en-
grossa o coro por considerações a respeito do contexto em que as
decisões públicas são tomadas e que essa exigência demanda o re-
curso a um vocabulário à altura do desafio. Como se argumentará
a seguir, a Lei no 13.655/2018 pode ter como consequência o refor-
ço à incorporação de um tipo de vocabulário novo à prática das
221 Mestre e doutorando em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ);
membro-fundador do Laboratório de Regulação Econômica da UERJ (Reg.), advogado no
escritório José Vicente de Mendonça e Advogados. Agradeço pelos comentários e críticas
de Carlos Ari Sundfeld, José Vicente de Mendonça e Daniel Cardinali, cujos feedbacks foram
imprescindíveis para quaisquer que sejam as virtudes deste artigo. Agradeço também a Fer-
nando Leal pelas sugestões de leitura que foram diretamente relevantes para a construção
do texto.
131Realismo e a LINDB: amor à primeira vista?
instituições de Direito Público: a linguagem realista,222 caracteriza-
da por aspirações ao empirismo na descrição do contexto por trás
da interpretação e da aplicação de instrumentos jurídicos.223
Argumentar-se-á que as inovações da Lei n
o
13.655/2018 re-
forçam demandas por realismo e por um vocabulário capaz de
acrescentar empiria na Administração Pública e em seu contro-
le; que elas exigem fundamentações mais “empíricas” do que tem
ocorrido em diversas áreas no Direito Público contemporâneo. Nos
itens que se seguem, sugerir-se-á que “considerações realistas” são
indispensáveis para atender a esses requisitos e que, caso “cole”, a
LINDB estimulará uma tendência — já existente — de familiarização
de juristas com esse tipo de argumento.224 Como é de se esperar,
essa tendência gera riscos que não devem ser ignorados e que tam-
bém serão abordados neste artigo.
Para endereçar essas questões, o item seguinte (2) detalhará o
que são “considerações realistas”. Adianta-se que se engloba uma
gama de abordagens e teorias já (mais ou menos) conhecidas no
Direito, as quais oferecem um conjunto amplo de vocabulário útil —
se não necessário — para as decisões públicas contextualizadas. Em
seguida, o foco será responder se, de fato, as exigências da LINDB
incluem considerações a respeito do contexto como fundamen-
tos necessários (3). Por fim, como nem tudo são rosas, é preciso
alertar para os riscos da instrumentalização de considerações ins-
titucionais para fundamentar decisões preguiçosas, arbitrárias ou
excludentes (4).
222 “Linguagem realista” serve para descrever o conjunto de vocabulário com fundamento epis-
têmico em teorias, perspectivas ou abordagens empíricas interessadas em descrever os
elementos práticos relacionados ao fenômeno jurídico. O ponto será mais bem elucidado ao
longo do próximo item. De toda forma, observa-se que “linguagem realista” não se confunde
com “realismo contemporâneo”, mas compreende as principais ferramentas de que fazem
uso os realistas. Realismo, portanto, é apenas uma forma solta de fazer referência àqueles
que se utilizam de considerações realistas.
223 “Instrumentos jurídicos” é um termo abrangente que será usado para designar quaisquer
normas ou princípios a que se dê valência jurídica por meio de interpretação ou aplicação
(apesar de não se ignorar que há polêmicas quanto às fronteiras dessas atividades, para os
fins deste trabalho não há diferença relevante entre elas).
224 Se vai “colar”, como se espera aqui, com o bom uso desses argumentos (e não simples-
mente com o uso profícuo de argumentos que têm pretensões descritivas), já é outra
discussão.

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