Recentes Alterações Promovidas na Jurisprudência da Corte Superior Trabalhista acerca da Ação Rescisória na Vigência do Novo CPC

AutorAna Carolina Paes Leme
Páginas141-148

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O instituto da ação rescisória foi criado para desconstituir a coisa julgada, até então considerada valor absoluto do sistema positivo. A partir de sua instituição, a autoridade da decisão com trânsito em julgado não teria mais o condão de torná-la absolutamente intangível e imutável. Tornava-se possível, assim, a desconstituição de pronunciamentos jurisdicionais, mesmo após esgotadas as vias recursais, desde que presentes vícios de gravidade acentuada que pudessem colocar em xeque a supremacia do próprio trânsito em julgado.

Essa cautela do legislador processualista surgiu com a certeza de que a sentença, assim como as demais decisões, são produto do trabalho humano e, como consequência, suscetíveis de vícios contrários ao ordenamento jurídico, que se agravam com o trânsito em julgado e o manto da coisa julgada, diante de sua preclusão máxima. Contudo, o diploma processual, desde o ano de 1939, teve a cautela de enumerar exaustivamente as causas de rescindibilidade de uma decisão judicial.

Neste sentido, no sopesamento entre o “respeito às sentenças passadas em julgado” (art. 5º, XXXXVI) e a necessidade de não eternizar decisões contrárias ao ordenamento jurídico, o Constituinte de 1988 positivou a ação rescisória (art. 102, I, j), atribuindo-lhe status constitucional.

A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, não disciplina a ação rescisória, fazendo-lhe menção tão somente no art. 836. Tal dispositivo veda aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, ressalvando-se a hipótese de ajuizamento da ação rescisória, condicionando a sua admissibilidade ao depósito prévio de vinte por cento.

Diante da flagrante omissão da CLT quanto às hipóteses de cabimento e procedimento a ser utilizado na ação rescisória na Justiça do Trabalho, adotam-se as normas disciplinadas no diploma processualista civil, desde que preservada a autonomia do processo do trabalho.1O cerne da presente discussão é que o Novo Código, editado em 2015, com vigência a partir de
18.03.2016, alterou significativamente o tratamento dado à rescisória.

As inovações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015 representaram uma significativa reformulação nas bases da ação rescisória, a fim de adequar o referido instituto ao elogiado princípio da “primazia da decisão de mérito”, que positiva o direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa em sede infraconstitucional (art. 4º).

Com esteio no referido princípio, o corte rescisório, apesar de excepcional, deve abranger toda e

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qualquer decisão rescindenda que projete efeitos subs-tanciais para fora do processo, não apenas e somente a “sentença de mérito”. Assim, as decisões que impeçam nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente são rescindíveis, conforme disposição expressa do art. 966, § 2º do NCPC.

O Novo Código, resgatando previsão do Código de 1939, positiva a possibilidade de decisões terminativas, que não tenham examinado o mérito, constituírem objeto de rescisória.

Importante pontuar que o Superior Tribunal de Justiça, ainda ao tempo do CPC de 1973, já admitia ação rescisória contra decisão terminativa2, em virtude de reiterada provocação doutrinária, iniciada por Pontes de Miranda3.

As alterações legislativas, contudo, vão além.

O inciso I, do § 2º, do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 admite o corte rescisório de decisões não meritórias que impeçam a propositura de nova demanda.

A partir de reflexões acerca de decisões que impediriam a propositura de nova ação idêntica, chega-se ao dispositivo do art. 486, § 1º do Código vigente.

Nos termos do citado artigo, nas hipóteses de litispendência; indeferimento da petição inicial; ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; ausência de legitimidade ou de interesse processual e de acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência, a propositura da nova ação depende da “correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito”.

Desta forma, a despeito de o pronunciamento judicial não resolver o mérito, obsta a que a parte proponha de novo a ação, se não corrigir o vício que deu ensejo à decisão terminativa.

Neste sentido, entende-se que são exatamente para estas hipóteses que o legislador processual fez a previsão de cabimento de ação rescisória com fundamento no inciso I, do parágrafo segundo, do art. 966.

A relevância desta inovação reside na possibilidade de a parte lesada postular, por uma decisão extintiva com base nos incisos I, IV, VI e VII, do art. 485, do Código de Processo Civil vigente, o corte rescisório daquela, caso esteja presente alguma das hipóteses pre-vistas nos incisos do art. 966 do NCPC, com o intuito de superar a necessidade de “corrigir o vício”.

Assim, a decisão que extingue o processo sem resolução do mérito por acolhimento da coisa julgada comporta corte rescisório, como já entendia o Superior Tribunal de Justiça4, in verbis:

É cabível Ação Rescisória em face de decisão que extinguiu o processo sem julgamento do mérito pela ocorrência de coisa julgada, uma vez que, de acordo com o art. 268 do CPC, não é possível a repropositura da ação nesse caso. Precedentes do STJ.

Neste sentido, foi aprovado, por unanimidade, o Enunciado n. 85, no 1º Fórum Nacional de Processo do Trabalho, realizado em Curitiba/Paraná, em home-nagem ao Professor Wagner Giglio, com o seguinte teor:

CLT, ART. 769; NCPC, ART. 966, § 2º, I. AÇÃO RESCISÓRIA. APLICAÇÃO DO ART. 966 § 2º, I DO NCPC AO PROCESSO DO TRABALHO. A decisão rescindenda que extingue o processo sem resolução de mérito por acolhimento da coisa julgada, apesar de possuir conteúdo meramente processual, comporta corte rescisório, pois impede a propositura de nova demanda.

Nestes termos, entende-se superado o entendimento contido na OJ n. 150 da SDI-2 do TST em face do

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disposto no art. 966, § 2º, inciso I do Novo CPC, razão pela qual este verbete foi alterado para deixar claro que só se aplica aos casos ocorridos sob a égide do diploma revogado.

Mais uma inovação contemplada no Novo CPC é que a decisão terminativa, que não conhece de um recurso, passa a ser rescindível. Na realidade, trata-se de consagração legislativa bastante antiga da prática dos Tribunais de aceitar a ação rescisória contra certas decisões de inadmissibilidade, ainda na vigência do Código antigo.

Interessante ressaltar que o I. Prof. Manoel Antônio Teixeira Filho, logo na 2ª edição da sua obra “Ação Rescisória na Justiça do Trabalho”, publicada no ano de 1994, trouxe como “novo capítulo” a “ação rescisória de acórdão que não admite recurso”, noticiando a sua admissibilidade a fim de evitar danos de considerável monta à parte em razão de decisão judicial equivocada. Na ocasião, exemplifica com a seguinte situação: um Tribunal Regional não admite recurso ordinário por entendê-lo intempestivo ou deserto, quando, na verdade, fora interposto no prazo legal e se encontrava regular-mente preparado.5A jurisprudência do STJ encampou referido entendimento, admitindo a ação rescisória quando não conhecido o recurso por intempestividade, para corrigir “erro de fato6na apreciação dos pressupostos recursais, permitindo o reexame da decisão.

Passados longos anos, o “Código Pós 73” consolidou o acertado entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade de rescisão de decisões que não conhecem recurso, com fundamento em um dos incisos do art. 966.

Como consequência de referida alteração legislativa, foi aprovado, por unanimidade, o enunciado n. 86 no já mencionado 1º Fórum Nacional de Processo do Trabalho, com o seguinte teor:

A CLT, ART. 769; N CPC, ART. 966, § 2º, II. AÇÃO RESCISÓRIA. APLICAÇÃO DO ART. 966, § 2º, II DO NCPC NO PROCESSO DO TRABALHO. A decisão do TST que nega provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão do Regional que não conheceu do recurso de revista é rescindível, ainda que não examine o mérito, uma vez que impede a admissibilidade do recurso correspondente.

Por tais razões, foi alterada a Súmula n. 413 do TST em face do disposto no art. 966, § 2º, inciso II do Novo CPC, para deixar claro que o entendimento nela contido se refere apenas às situações verificadas sob a égide do CPC de 1973.

Outra alteração do Código vigente foi deixar expressa a possibilidade de rescisória parcial: aquela que tem por objeto apenas determinado capítulo de decisão (art. 966, § 3º).

No âmbito do processo do trabalho, o Tribunal Superior editou súmula admitindo que o recurso parcial enseja o trânsito em julgado em momentos e tribunais diferentes (Súmula n. 100, II), consagrando o entendimento doutrinário7e jurisprudencial dominantes, no sentido da possibilidade de rescisória de capítulo da decisão.

Vale destacar que um dos precedentes que deu origem ao item II da mencionada súmula foi o recurso ordinário em ação rescisória 575047/1999, da Relatoria do Min. João Oreste Dalazen, publicado o acórdão em
30.06.2000. Entenderam os Ministros, de forma unânime, já naquela época, que a inexistência de recurso contra determinada parcela opera a coisa julgada material em relação a esta. Relembraram, ainda, a viabilidade da execução definitiva das parcelas que não tenham sido objeto de recurso por meio da expedição de carta de sentença”8O STF, em julgamento histórico da Relatoria do Min. Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, no ano de 2014, decidiu que a contagem é autônoma no caso de coisa jul-

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gada parcial (RE 666 589)9, permitindo o trânsito julgado em momentos distintos.

A título de complemento, cumpre ressaltar que, em 15.04.2016, foi cancelada a Súmula n. 285 do C. TST, que permitia a apreciação integral das matérias pela Turma do Tribunal Superior ao realizar o juízo de admissibilidade do recurso de revista, mesmo na hipótese de o juízo primeiro de admissibilidade no Tribunal Regional entendê-lo cabível apenas quanto a...

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