A Recepção dos Tratados de Direitos Humanos pelos Tribunais Nacionais: Sentenças Paradigmáticas de Colômbia, Argentina e Brasil

AutorAntonio Moreira Maués - Breno Baía Magalhães
CargoUniversidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil - Universidade da Amazônia e Faculdades Integradas Brasil Amazônia. Belém, Pará, Brasil
Páginas76-112
A Recepção dos Tratados de Direitos
Humanos pelos Tribunais Nacionais:
Sentenças Paradigmáticas de Colômbia,
Argentina e Brasil
The Reception of Human Rights Treaties by Domestic Courts:
Paradigmatic Judicial Decisions from Colombia,
Argentina and Brazil
Antonio Moreira Maués*
Universidade Federal do Pará, Belém-Pará, Brasil
Breno Baía Magalhães**
Universidade da Amazônia, Belém-Pará, Brasil
1. Introdução
A expansão dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos pos-
sui, como uma de suas características principais, a criação de órgãos de
caráter jurisdicional dotados de competência para processar e julgar as
alegações de descumprimento de obrigações internacionais pelos Estados.
No continente americano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH), é a responsável por decidir os casos contenciosos que envol-
vam possíveis violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(CADH, art. 62. 3). No exercício dessa competência, a Corte IDH emitiu,
até maio de 2016, 310 sentenças impondo aos Estados um conjunto muito
variado de reparações1.
* Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. E-mail: ammaues@uol.com.br.
** Universidade da Amazônia e Faculdades Integradas Brasil Amazônia. Belém, Pará, Brasil. E-mail:
brenobaiamag@gmail.com.
1 A Corte IDH determina as seguintes medidas de reparação: restituição; reabilitação; satisfação; garantias
de não repetição; obrigação de investigar, processar e punir; compensação por danos materiais e imate-
riais. (PASQUALUCCI, 2013, p. 196). Burgorgue-Larsen e Úbeda de Torres (2011, p. 224) caracterizam a
jurisprudência da Corte IDH acerca das reparações como inovadora e progressista, especialmente porque
atende à necessidade de medidas condizentes com as violações estruturais dos direitos humanos ocorridas
no continente americano.
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A atividade jurisdicional da Corte IDH, além de solucionar demandas
específ‌icas, produz uma ampla jurisprudência sobre direitos humanos, a
qual, no entendimento da Corte, deve ser utilizada como base para o exercí-
cio do “controle de convencionalidade” do direito interno pelas autoridades
estatais e, especialmente, pelo poder judiciário dos Estados-Parte2. Embora
haja várias críticas a esse entendimento da Corte3, a exigência de que os ju-
ízes nacionais exerçam o controle de convencionalidade implica reconhecer
que eles cumprem um papel relevante na garantia da ef‌icácia da CADH.
Com efeito, uma demanda somente pode ser apresentada à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), possibilitando seu conhe-
cimento pela Corte IDH, após o esgotamento dos recursos jurisdicionais
internos (CADH, art. 46.1.a), o que coloca os tribunais nacionais em uma
posição primária de proteção dos direitos reconhecidos pela CADH4. De
modo geral, mesmo quando existem tribunais internacionais responsáveis
pela aplicação de um tratado, os remédios oferecidos pela jurisdição inter-
na são fundamentais para concretizar os direitos nele previstos5.
2 O conceito de controle de co nvencionalid ade foi desenvolvido p ela Corte IDH a p artir do ca so
Almonacid A rellano y ot ros Vs. Chile (2006, nº 154), ocas ião em que a Corte a f‌irmou que os juí zes,
enquanto órgãos do E stado, estão submetidos à C ADH e, portanto, deve m zelar para que o cumpr imento
de suas disp osições não s eja obstacul izado pela apl icação de leis con trária s aos seus objetivos . Além
disso, ao rea lizar o juízo de compatibi lidade entre as leis nacion ais e a CADH, o Poder Judiciár io deve
levar em consider ação a jurisprudência d a Corte IDH, inté rprete f‌ina l da CADH. Pouco tempo depois
de seu pronunciam ento inicial sobre o tema, a C orte def‌iniu que o controle de convenc ionalidade deve
ser realizado ex off‌icio por todos os órg ãos do Poder Judiciário, desde que dent ro de suas competências
e normas proce ssuais r espectiv as (Caso Trabajadores C esados del Cong reso (Agu ado Alfaro y ot ros)
Vs. Perú, 2006, nº 158, § 128). Anos ma is tarde, acre scentou que todos o s órgãos estata is devem
realiz ar esse controle, e não apena s o Poder Judiciário, à medida que seu e xercício requer a adequação
das inter pretações judic iais, adm inistr ativas e das ga rantia s judiciais ao s princípios es tabelecidos n a
jurispr udência da Corte IDH (Caso G elman Vs. Uruguay, 2011, nº 211, § 193).
3 Alguns autores questionam a ausência de previsão do controle de convencionalidade na CADH (KASTILLA,
2011, p. 596), enquanto outros criticam que ele coloca a Corte IDH em uma posição hierarquicamente
superior em relação aos tribunais nacionais (CONTESSE, 2012; BREGAGLIO, 2014). Para uma réplica a
essas críticas, ver DULITZKY (2015).
4 Para Nollkaemper (2012, pp. 25-26), os tribunais nacionais exercem um papel central na ordem jurí-
dica internac ional mesmo na ausência de t ribunais intern acionais, uma vez que ele s julgam demandas
baseada s em normas in ternacion ais. A subsid iariedad e dos sistema s regionais d e proteção de dire itos
humanos rea lça a importâ ncia das solu ções nacion ais a essa s demanda s, que podem ser vi abilizad as
pelas corte s internas, pois oport uniza ao país que resolva a p ossível violação de direito s humanos por
seus próprios meios . Sobre subsidiariedade, cf. C arrozza (2003) e o caso Tarazona A rrieta y Otros Vs.
Perú. Serie C No. 28 6, § 137 (2014).
5 Sloss (2009, pp. 1-48) distingue, no âmbito do direito internacional, três tipos de disposições normativas
presentes nos tratados internacionais: “horizontais”, que regulamentam as relações entre Estados, portanto
não submetidas aos tribunais nacionais, e disposições “verticais” e “transnacionais”, cuja ef‌icácia depende
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Outra importante área em que os tribunais nacionais atuam para ga-
rantir o cumprimento de obrigações internacionais diz respeito ao uso de
sua jurisdição para adaptar o direito interno aos tratados, prevenindo a res-
ponsabilização do Estado por seu descumprimento. Essa atividade realça
a importância do conhecimento da jurisprudência sobre direitos humanos
pelos juízes nacionais, a f‌im de que eles possam desenvolver os parâmetros
de proteção dos direitos em consonância com os tribunais internacionais6,
o que amplia a comunicação entre os vários sistemas judiciais7.
O conjunto de elementos citados demonstra que a ef‌icácia dos tratados
de direitos humanos como a CADH encontra-se estreitamente associada às
funções desempenhadas pelo poder judiciário nacional. Embora a inter-
nalização de um tratado internacional, nos países analisados, corresponda
a competências exclusivas dos poderes executivo (assinatura e ratif‌icação)
e legislativo (aprovação), sua plena incorporação à ordem jurídica interna
depende do modo como ele será interpretado e aplicado pelos tribunais.
Disso decorre a importância de estudar como os tribunais de máxima
hierarquia em um dado ordenamento recepcionam os tratados de direitos
humanos, tendo em vista que eles se encontram em posição privilegiada
para inf‌luenciar o conjunto do poder judiciário. Neste trabalho, preten-
demos analisar decisões paradigmáticas tomadas pela Corte Constitucio-
nal da Colômbia, pela Corte Suprema de Justiça da Nação (Argentina) e
pelo Supremo Tribunal Federal que, no entender dos próprios tribunais,
da atuação dos tribunais nacionais, porquanto regulamentam relações jurídicas que envolvem particulares,
como, por exemplo, os tratados internacionais de direitos humanos. Em pesquisa realizada em 11 países, o
trabalho do autor concluiu que, em 8 deles, os tribunais nacionais oferecem remédios (em sentido amplo)
aos particulares que têm violados seus direitos presentes em disposições verticais e transnacionais oriundos
de tratados. No mesmo sentido, Alstine (2009, p. 555-557) observa que o estabelecimento de sistemas nor-
mativos internacionais autônomos (como os de direitos humanos e de integração econômica) cria fricções
com o direito nacional e, enquanto os tribunais internacionais não dispuserem de poderes executivos para
concretizar suas decisões, o cumprimento efetivo dos tratados permanecerá uma questão de direito interno.
6 KELLER; STONE SWEET, 2008, pp. 687-688.
7 O desenvolvimento da “comunicação transjudicial”, acentuado após o f‌inal da Guerra Fria, está associado
ao fortalecimento da jurisdição internacional dos direitos humanos, juntamente com o processo de globali-
zação e a expansão de regimes democráticos. Essa comunicação pode se desenvolver de diferentes formas,
de acordo com o grau de engajamento recíproco dos tribunais envolvidos, podendo variar desde o diálogo
direto, em que ocorre uma troca na qual as posições de um tribunal são respondidas por outro; monólogo,
em que as ideias ou conclusões de um tribunal são utilizadas por outros tribunais; e diálogo intermediado,
em que um tribunal difunde de maneira consciente as ideias de um tribunal para outros, fazendo com que
eles reajam a elas (SLAUGHTER, 1994). Além disso, o uso da jurisprudência internacional pode servir para
ampliar a independência do poder judiciário perante o governo, o que representa um incentivo para que os
tribunais nacionais se envolvam nesse diálogo.

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