Reconhecimento como tema da comunicação jurídica na contemporaneidade

AutorNádia Teixeira Pires da Silva
CargoMestre em Direito (Teorias Jurídicas Contemporâneas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
Páginas175-191
Reconhecimento como tema
da comunicação jurídica na
contemporaneidade: amplitude e limite
Nádia Teixeira Pires da Silva*
1. Introdução
O artigo tem por escopo tomar a luta por reconhecimento como tema
da comunicação jurídica contemporânea, associado à Teoria Crítica e seu
projeto emancipador. Verif‌ica-se que no âmbito de uma autodescrição so-
cial a categoria luta por reconhecimento indica aquele instrumento por-
tador de uma força ética de emancipação, capaz, portanto, de promover
transformações jurídicas desde ações políticas de indivíduos aviltados e
sequiosos por terem suas dignidades reconhecidas e respeitadas. Buscar-
-se-á demonstrar que a referida categoria tão somente reproduz aquelas
estruturas já estabilizadas, o que solaparia sua pretensão transformadora.
Parte-se da constatação que reconhecimento e luta por reconhecimento
são conceitos que, juntamente com aquele de redistribuição1, ocupam a
centralidade dos atuais debates acerca de direitos humanos e das políticas
sociais de inclusão, sua constituição e atualização. É, portanto, pertinen-
te tomá-los como temas das comunicações jurídicas-políticas e morais na
contemporaneidade, como elementos que produzem uma redundância,
* Mestre em Direito (Teorias Jurídicas Contemporâneas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ.
Bacharel em Direito e em Ciências Sociais pela UFRJ. Pesquisadora no Grupo Direito e Cinema (UFRJ-
CNPq). E-mail: ntpires13@gmail.com
1 Famoso o debate entre dois eminentes teóricos dos Direitos Humanos: de um lado, Axel Honneth e sua
defesa pelo reconhecimento de direitos; de outro, Nancy Fraser apontando que reconhecimento é fórmula
vazia quando não há a necessária redistribuição, essa entendida como efetivo instrumento de inclusão
social. Conferir tal debate em HONNETH; FRASER, 2003.
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uma memória, que pode ser mobilizada a qualquer momento para pro-
ceder mais comunicações, garantindo assim um f‌luxo comunicativo que
pode, ou não, ser transformador.
Concebida como uma gramática moral dos conf‌litos sociais, a luta por re-
conhecimento tem como pressuposto subjetividades em interação, e apon-
ta para as incertezas que envolvem o sentido dessa interação, não só no
presente quanto no futuro. O sentido do reconhecimento é, antes de tudo,
moral. Signif‌ica que ao constituí-lo como tema da comunicação está-se
disposto a estabelecer um juízo de apreço ou de desapreço pelo outro, a
partir de uma apreciação de si mesmo. Por conseguinte, o reconhecimento
e a luta por sua realização, como quaisquer eventos morais, nada têm a ver
com prestações, como bem já salientara Niklas Luhmann2, mas com a idéia
de pessoa enquanto interlocutor disposto a estimar ou desestimar outrem,
o que acaba sendo fonte de polêmicas e conf‌litos os quais, paradoxalmen-
te, se quer ver superados.
No âmbito desse breve trabalho buscar-se-á apontar que, sob a for-
ma de um discurso que se pretende emancipador – e, portanto, capaz de
promover no sistema jurídico fricções transformadoras – a semântica do
reconhecimento, tema das comunicações jurídicas na contemporaneidade,
atualiza o repertório daquelas descrições sociais que constituem uma di-
mensão moral da memória social. Funciona como evento generalizador e
estabilizador de certa moralidade que tende a uma judicialização de todos
os âmbitos da comunicação social e que, ao mesmo tempo, se constitui
em desdobramento daquela reserva de sentidos que estrutura a forma do
direito na sociedade contemporânea.
Defende-se que a proposta de emancipação, presente na semântica crí-
tica do reconhecimento, não se realiza conforme o que se entrevê em seu
acervo de signif‌icações. Paradoxalmente, está muito mais de acordo com a
forma jurídica-política estabelecida do que em contraposição, reforçando-
-a ainda que nela suscitando modif‌icações3. A diferença que a semântica
do reconhecimento pretende introduzir na estrutura social parece não ser
capaz de transformá-la, mas sim reproduzi-la, mantendo-a estabilizada, ou
seja, mantendo-a tal qual é, ainda que com diferentes matizes.
2 LUHMANN, 1989.
3 A modif‌icação, seguindo aqui Hans-Georg Gadamer, “[...] sempre sugere que aquilo que se modif‌ica
permanece e continua sendo o mesmo. [...] A transformação, ao contrário, signif‌ica que algo se torna uma
outra coisa, de uma só vez e como um todo [...]”. GADAMER, 2008, p.166.
Nádia Teixeira Pires da Silva
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