Reconstruindo o conceito de independência judicial: um olhar realista sobre o lugar do supremo na política

AutorDaniel Vieira Bogéa Soares
CargoMestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo - USP. Mestrando em Ciência Política na Universidade de Brasília - UnB. Mestrando em Teoria do Direito na Università degli Studi di Genova
Páginas153-179
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RECONSTRUINDO O CONCEITO DE INDEPENDÊNCIA JUDICIAL: UM OLHAR
REALISTA SOBRE O LUGAR DO SUPREMO NA POLÍTICA
REBUILDING THE CONCEPT OF JUDICIAL INDEPENDENCE: A REALISTIC
OVERLOOK AT THE SUPREME COURT’S PLACE IN POLITICS
Daniel Vieira Bogéa Soares1
RESUMO
Neste artigo, busco apresentar uma reconstrução conceitual da independência judicial que seja
útil para a análise realista do Supremo Tribunal Federal no sistema político brasileiro. Divirjo
da maior parte da produção acadêmica brasileira que insiste em uma estéril contraposição
entre política e direito que eleva o tribunal a uma posição olímpica de neutralidade,
imparcialidade e independência, diante da qual considerações de ordem institucional não
ganham espaço. Minha proposta é contribuir com um conceito não-idealizado de
independência judicial. Retomo, em um primeiro momento, as origens históricas da
preocupação com a independência de juízes e tribunais a partir do debate entre federalistas e
antifederalistas. Na sequência, trago a discussão para o presente, a partir da distinção entre
independência de jure e independência de facto, analisando as características formais e
informais do Supremo e de seu contexto. Tudo isso permite chegarmos a um diagnóstico mais
realista sobre o lugar do STF na política.
PALAVRAS-CHAVE: independência judicial; Supremo Tribunal Federal; direito
constitucional realista.
ABSTRACT
In this article, I seek to present a conceptual reconstruction of judicial independence that is
useful for a realistic analysis of the Federal Supreme Court in the Brazilian political system. I
argue against most of the Brazilian scholarship that insists on a sterile contraposition between
politics and law that elevates the court to an Olympic position of neutrality, impartiality and
independence, before which institutional considerations do not gain space. My proposal is to
contribute to a non-idealized concept of judicial independence. At the outset, I return to the
historical origins of the concern with the independence of judges and courts from the debate
between federalists and anti-federalists. Afterwards, I bring the discussion to the present,
presenting the distinction between de jure independence and de facto independence, and
analyzing the formal and informal characteristics of the Supreme and its context. All this
allows us to arrive at a more realistic diagnosis about the place of the STF in politics.
KEYWORDS: judicial independence; Brazilian Supreme Court; realist constitutional law.
1 Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo USP. Mestrando em Ciência Política na
Universidade de Brasília UnB. Mestrando em Teoria do Direito na Università degli Studi di Genova.
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INTRODUÇÃO
Analisar o Supremo Tribunal Federal como instituição política ainda é um desafio
pouco explorado por juristas. A maior parte da produção acadêmica brasileira insiste em uma
estéril contraposição entre política e direito que eleva o tribunal a uma posição olímpica de
neutralidade, imparcialidade e independência, diante da qual, considerações de ordem
institucional não ganham espaço. Nessa acepção, a Corte estaria não apenas fora, mas acima
da política. Sob a ótica da divisão funcional entre Poderes do Estado, essa visão implica a
elevação de rígidas fronteiras entre as atividades desempenhadas por tribunais, parlamentos e
administradores, numa separação estanque que destoa da realidade.
Neste artigo, assumo que tanto tribunais como seus procedimentos conformam
instituições políticas com características distintivas e “sua relação com outros componentes
do sistema político e com estruturas sociais e culturais em geral é essencial para um
entendimento adequado da política da Suprema Corte” (CLAYTON; GILLMAN, 1999, p. 5).
Ou seja, “o Tribunal não é tomado isoladamente de seu contexto, mas como uma instituição
permeável às ações e expectativas de outros agentes” (KOERNER, 2007, p. 64). Rejeita-se,
portanto, a ideia de que a Corte oferece um espaço de deliberação alijado do processo político
mais amplo, em que decisões são tomadas a partir de uma posição externa e neutra.
Diante desse quadro, uma análise realista do papel do STF na democracia brasileira
encontra lugar na interseção entre o direito e a política. Defendo um direito constitucional
realista como instrumental teórico para se examinar o processo decisório do Tribunal e sua
posição no equilíbrio entre Poderes. Essa perspectiva teórica assume que o direito não pode
isolar-se no campo do dever ser, sendo imperativo descer às entranhas da política para se
compreender como as instituições funcionam no mundo real. Nesse movimento, a ideia de
independência judicial merece uma reformulação que seja sensível à posição do Judiciário e
do STF, em particular, no sistema político.
Minha proposta é contribuir com essa reconstrução de um conceito não-idealizado de
independência judicial. Retomo, em um primeiro momento, as origens históricas da
preocupação com a independência de juízes e tribunais a partir do debate entre federalistas e
antifederalistas. Na sequência, trago a discussão para o presente, a partir da distinção entre
independência de jure e independência de facto, analisando as características formais e
informais do Supremo e de seu contexto. Tudo isso permite chegarmos a um diagnóstico mais

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