Recuperação judicial. Alienação de unidade produtiva isolada

AutorPaulo Fernando Campos Salles de Toledo
Páginas199-211

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1. A consulta

O eminente advogado "A" honrou-me com a presente consulta, a seguir reproduzida, formulada em nome de sua cliente "X" S/A ("X").

BREVE RETROSPECTO DOS FATOS E DO IMBRÓGLIO JURÍDICO

Alguns dos sócios da empresa "Y", em recuperação judicial, "J", "M" e "C", interpuseram agravo de instrumento para desafiar decisão de primeira instância que homologou a venda em hasta pública de uma Unidade Produtiva Independente/ UPI constituída por um parque industrial da referida empresa, e imitiu na posse a arrematante "X".

Os agravantes pediram ao egrégio Tribunal de Justiça para, liminarmente, suspender a posse e quaisquer atividades tendentes a deflagrar o processo produtivo dentro do parque industrial arrematado, sustentando, em síntese, o seguinte:

(A) Que a arrematação é nula, em razão de a venda parcelada em cinco anos não constar do edital.

(B) Que houve arrematação por preço menor que a avaliação e, por tal razão, o preço deveria ser considerado vil.

(C) Que houve ausência de anuência do devedor com a venda, o que seria necessário, em razão de suposto descumprimento ao deliberado em assembleia e no próprio edital, o que teria resultado em adaptação da proposta da adquirente em assembleia de credores.

(D) Que houve fraude contra credores, especialmente o Fisco, haja vista que o valor da arrematação serviria para pagamento somente dos credores concursais, preterindo os extraconcursais.

(E) Que, em razão das supostas irregularidades, existiria sucessão empresarial no processo de arrematação.

A liminar foi indeferida, em despacho datado do dia 29.1.2014, com as intimações de praxe para as autoridades e partes interessadas, momento em que a empresa deflagrou o processo produtivo e recontratou aproximadamente 1.200 pessoas para atuar em todas as áreas, industrial, transporte e outras.

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Em 7 de julho p.p. iniciou-se o julgamento da demanda no âmbito do TJSP, momento em que o eminente Relator, Araldo Telles, proferiu voto em mesa negando provimento ao agravo, havendo sido suspenso o julgamento em razão de pedido de vista sucessivo do 2º e 3º Desembargadores.

É a apertada síntese dos fatos.

DAS PRELIMINARES

Em nossa defesa, em sede de preliminar, sustentamos que os agravantes não cumpriram o prazo previsto no art. 143 da Lei 11.101/2005 para impugnação da arrematação, qual seja, o prazo de 48 horas, que ocorreu em 5.11.2013, sendo interposta a impugnação somente em 27.11.2013, ou seja, mais de 22 dias do ato de arrematação.

Outra preliminar que sustentamos é a de que os acionistas não constam do rol de legitimados do art. 143 da Lei 11.101/2005 para impugnar a arrematação, uma vez que o referido artigo somente autoriza o credor, o devedor e o Ministério Público, a lei não menciona o sócio da pessoa jurídica devedora.

Ademais, impende consignar, ainda, que a composição acionária da recuperanda, além dos agravantes, conta ainda com os sócios "C", "M", "L", SRP Ltda., SRM Ltda., tudo conforme documentos juntados aos autos do agravo pelos próprios agravantes.

E ainda uma última preliminar de falta de interesse de agir, na modalidade necessidade, vez que os acionistas agravantes não tiveram qualquer prejuízo com a venda; ao contrário, alienaram um bem avaliado por R$ 315 milhões, em leilão público, e conseguiram arrecadar R$ 187 milhões; entretanto, obtiveram quitação dos credores concursais da recuperação judicial no montante de aproximadamente R$ 530 milhões, além de pagar ainda um débito extraconcursal do Programa Especial de Saneamento de Ativos/ PESA no importe de R$ 110 milhões e ainda um débito extraconcursal de fornecedores de cana e trabalhadores da ordem de R$ 20 milhões, tudo isso atrelado ao fato de que o r. Juízo vinculou o ativo alienado ao cumprimento das obrigações.

DO MÉRITO

No mérito, sustentamos que a venda parcelada se encontrava no escopo do edital, que foi praticamente uma cópia da proposta de aditamento ao plano de recuperação proposta pelos acionistas agravantes, quando propuseram a venda da UPI.

A modalidade escolhida foi o pregão judicial e no edital constou expressamente que as propostas inferiores ao valor mínimo de R$ 315 milhões poderiam ser aceitas desde que houvesse a quitação integral do plano de recuperação.

O pagamento parcelado em cinco anos, conforme constou da proposta, também decorre de interpretação autorizada pelo edital, vez que este trouxe expressamente consignado que o arrematante deveria depositar, em um prazo máximo de 15 dias, pelo menos 10% do valor proposto para pagamento da UPI, o que foi integralmente cumprido.

Que a arrematante foi regularmente habilitada perante o r. Juízo a quo para participar do pregão, cumpriu os requisitos, depositou o valor determinado pelo edital e teve sua proposta ratificada e aprovada pela AGC de 5.11.2013.

Os agravantes sustentam que houve alteração da proposta, o que não corresponde à realidade dos fatos, vez que o envelope foi apresentado ao r. Juízo com os documentos para habilitação e proposta de R$ 187 milhões, sendo exatamente a mesma proposta que foi aprovada na assembleia, e esta deliberou, sim, sobre o rateio do valor, e não sobre eventual negociação.

Não há também qualquer indício de fraude, seja contra credores, seja contra acionistas ou contra o Fisco, uma vez que se trata de processo de aquisição em hasta pública, cujo edital foi publicado por 30 dias no átrio do Fórum e em jornais de grande circulação, bem como teve ampla cobertura da imprensa; basta verificar o grande número de reportagens sobre esse assunto que circularam na região.

Ademais, impende consignar que, neste ponto, o Des. Araldo Telles não conheceu do recurso, por se tratar de ilegitimidade para postular direito de terceiro, conforme verificamos pela leitura da ementa em sessão de julgamento do dia 7 de julho p.p.

Os acionistas sustentam, ainda, ter havido desrespeito ao art. 60 da Lei 11.101/2005, resultando em incabível a aplicação do art. 142 da mesma lei, concluindo daí que a operação de aquisição seria abrangida pelo instituto da sucessão.

Impende consignar que a UPI vendida não constitui ativo que estava submetido à recuperação judicial, vez que está integralmente em alienação

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fiduciária ao Banco do Brasil para garantir a operação do PESA, que atualmente é de R$ 110 milhões, e que também será liquidada pela arrematante, conforme se pode observar pelo edital e pela proposta. Observe-se, com isso, que, se o Banco do Brasil quisesse, já poderia ter excutido o referido ativo, e não se teria a referida indústria para vender e saldar, além do banco, o plano de recuperação e os credores extraconcursais e trabalhadores.

Ademais, observe-se ainda que a companhia açucareira informou nos autos da recuperação judicial, em balanço patrimonial, que possui, além do parque industrial, grande quantidade de veículos e maquinários, bem como aproximadamente 1.200 alqueires paulistas ou 2.904ha de terras no entorno da usina, nos quais encontra-se implantada lavoura com aproximadamente 80.000 toneladas de cana, sendo que tudo isso, em preços atuais, ultrapassa a casa dos R$ 80 milhões.

O r. Juízo da recuperação judicial anulou, ainda, a arrematação de aproximadamente 250 alqueires de terras, levada a efeito pela empresa RDA, devolvendo-os à "Y", por haver constatado confusão patrimonial - o que significa dizer mais um ativo com valor superior a R$ 16 milhões foi incorporado novamente ao patrimônio da empresa recuperanda.

No mesmo prumo, em homenagem ao art. 47 da LRF, impende consignar que temos a cidade "P" e outras tantas cidades circunvizinhas afetadas pela parada do empreendimento que se deu em maio/2013, sendo retomado somente em janeiro/2014, após ser imitida na posse a arrematante "X".

Até o presente momento o grupo "X" já contratou aproximadamente 1.200 trabalhadores diretos, e acaba gerando outros 3.500 empregos indiretos, em razão das inúmeras empresas-satélites que prestam serviços para o grupo empresarial "X".

Já foram firmados mais de R% 60 milhões em contratos de fornecimento de cana para a safra de 2014/2015, com grande quantidade de pequenos e médios bem como grandes produtores de "P" e região, cujo impacto social também se mostra relevante para essa região eminentemente agrícola do Estado de São Paulo.

Os prestadores de serviço, grandes e pequenos, também são responsáveis pela grande geração de empregos indiretos, vez que, ao iniciar a safra de 2014, grande parte deles foram contratados e contrataram funcionários para atender à empresa.

De se observar, ainda, que o processo de venda em hasta pública dessa UPI contou com o judicioso parecer do administrador judicial para considerar válida e absolutamente regular a venda, bem como pelo ilustre Representante do Ministério Público a quo, que também opinou favoravelmente à homologação da venda, bem como do Ministério Público ad quem, conforme parecer da ilustre Procuradora de Justiça.

A venda da UPI atende na íntegra ao espírito da Lei 11.101/2005, qual seja, preservação da atividade produtiva, com a reabertura das vagas de emprego, retomada do empreendimento e geração de empregos diretos e indiretos decorrentes dessa atividade; enfim, cumprimento da função social da empresa.

Nesse prumo, a sociedade e a região envol-vida seriam prejudicadas sobremaneira e têm se manifestado favoráveis à retomada do empreendimento, encaminhando moções de apoio ao grupo "X", e os jornais locais e regionais estão noticiando a reabertura do empreendimento e o crescimento de 600% dos empregos formais nesta microrregião, tudo em decorrência da...

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