Recurso especial e arguição de relevância

AutorEduardo Arruda Alvim/Daniel Willian Granado
Páginas186-206

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1. Introdução

Este breve estudo tem por escopo a investigação de alguns pontos relativos a duas propostas de emenda à Constituição Federal ora em trâmite perante o Congresso Nacional.

De um lado, há a PEC 209/2012 da Câmara dos Deputados. De outro, a PEC 17/2013 do Senado Federal. Aludidas proposições legislativas têm por finalidade a inserção de um § 1º ao art. 105 da Constituição Federal, de modo a estabelecer também para o recurso especial a demonstração da relevância da questão atinente a lei federal infraconstitucional para que o recurso especial possa ser conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.

A ideia do presente trabalho é trazer alguns dados da já existente repercussão geral em recurso extraordinário para que, com isso, possamos analisar as vantagens da instituição desse filtro também para o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, de modo que esse tribunal superior possa exercer sua função primordial de dar a última palavra em matéria de lei federal infraconstitucional em todo território nacional.

2. Breve histórico do recurso especial

O primeiro diploma legislativo a tratar expressamente do recurso especial no direito brasileiro foi a Constituição Federal de 1988. O advento de referido

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diploma constitucional culminou, ainda, com a criação do tribunal competente para julgá-lo, a saber, o Superior Tribunal de Justiça.

Deveras, o surgimento do recurso especial na Constituição de 1988 deveu-se ao desdobramento da competência do STF. Isso porque, antes da entrada em vigor dessa constituição, o que hoje constitui objeto do recurso especial devia ser veiculado no bojo do recurso extraordinário, cujo julgamento competia (e ainda compete) ao STF. Nesse sentido, a bipartição de competência promovida pela CF/88 reduziu o objeto do recurso extraordinário.

Com efeito, o objeto do recurso extraordinário ficou restringido à alegação de violação à Constituição Federal, ao passo que o recurso especial foi criado para nele veicular-se violação à legislação federal. Antes da CF/88, tanto a violação à Constituição como a violação à legislação federal deviam ser levadas ao STF por intermédio de recurso extraordinário.

Todavia, o constituinte de 1988 veio a criar o STJ justamente para que esse tribunal ficasse incumbido de dirimir as diferentes interpretações dadas à legislação federal. Semelhante incumbência restou ao STF no que diz respeito à legislação constitucional.

Arruda Alvim, a respeito, observa que “a função jurisdicional exercida pelo STJ representa a culminância e o fim da atividade judicante em relação à inteligência de todo o direito federal de caráter infraconstitucional. Significa sempre a última e definitiva palavra sobre seu entendimento e sua aplicação”3.

Ao lado do STJ, a Constituição Federal de 1988 veio a criar também cinco tribunais regionais federais, com competência, entre outras, para apreciar os recursos interpostos contra as decisões proferidas em 1º grau no âmbito da Justiça Federal. Em decorrência da criação dos tribunais regionais federais, foi extinto o Tribunal Federal de Recursos (antigo TFR). Grosso modo, os tribunais regionais federais foram criados para funcionar como tribunais de segunda instância na Justiça Federal, papel esse desempenhado pelo extinto TFR até o advento da CF/88.

De um lado, a jurisdição de segunda instância da justiça estadual era (e ainda é) exercida pelos tribunais de justiça dos respectivos estados federados. De outro lado, semelhante encargo passou a ser dos tribunais regionais federais no âmbito da Justiça Federal. Acima dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, a instância extraordinária passou a ser exercida tanto pelo STJ, em matéria de direito federal infraconstitucional, quanto pelo STF, em matéria constitucional.

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É verdade que a necessidade de criação de mais um tribunal superior com o intuito de desafogar o STF de sua intensa carga de trabalho já vinha sendo propugnada pela doutrina, o que veio somente a ocorrer com o advento da Constituição Federal de 1988.

Observe-se, portanto, que o recurso especial nada mais é do que um desdobramento do recurso extraordinário. Impõe-se, desse modo, algumas observações a respeito das origens históricas deste último.

O recurso extraordinário foi introduzido no direito brasileiro pela primeira vez no Decreto 848, de 1890 (muito embora ainda não fosse denominado de “recurso extraordinário”), com inspiração na figura do writ of error do direito norte-americano4. Este mecanismo judicial servia para a proteção da interpretação a respeito do direito federal daquele país.

Cumpre mencionar, contudo, que o sistema federativo brasileiro diverge em alguns aspectos do sistema norte-americano. Isso porque, naquele, a federação teve surgimento com a descentralização do poder público aos estados federados, ao passo que neste último o sistema foi o inverso, ou seja, o mode-lo federativo norte-americano teve seu advento a partir da centralização do poder à entidade nacional, de modo que os estados federados permaneceram com todas as atribuições que não foram por eles passadas ao ente nacional. Além disso, a competência legislativa dos estados federados brasileiros é muito menos ampla do que aquela atribuída aos estados federados norte-americanos, dadas as diferenças existentes entre os modelos federativos5.

Isso ajuda a explicar o porquê do vultoso número de recursos que abarrotavam ao STF e que fez com que se propugnasse pela criação de mecanismos tendentes a diminuir a quantidade de recursos que chegavam àquela corte superior. Uma dessas ideias, conforme já dissemos, foi a criação de mais um tribunal para dirimir as questões referentes à interpretação atribuída à legislação federal, o que veio a acontecer com a entrada em vigor da CF/88, que criou o STJ.

É verdade que, antes da implantação do STJ, foram instituídos alguns instrumentos que visavam à diminuição da carga de trabalho do STF. A esse respeito, foi formulado o instituto da arguição de relevância, mecanismo semelhante à repercussão geral, criada pela Emenda Constitucional 45/04 e disciplinada pela Lei 11.418/06, muito embora apresentem, uma e outra, diversos pontos distintivos entre si.

O recurso extraordinário não foi previsto na Constituição do Império de 1824. Todavia, conforme dissemos anteriormente, o primeiro diploma legis-

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lativo que tratou dessa modalidade recursal foi o Decreto 848/1890, mais precisamente, no art. 9º, parágrafo único, c. De acordo com referido dispositivo, o recurso para o STF era cabível quando “a interpretação de um preceito constitucional, ou de lei federal, ou de cláusula de um tratado, ou convenção [era] posta em questão”. Posteriormente, a constituição a tratar do recurso extraordinário foi a de 1891, em cujo art. 59, § 1º, dispunha-se caber recurso para o STF contra as “sentenças das justiças dos Estados em última instância”, quando “se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela (art. 59, § 1º, a, da CF/1891)” ou quando “se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas” (art. 59, § 1º, b, da CF/1891).

A Lei 221/1894, no art. 24, de constitucionalidade duvidosa, veio a limitar o cabimento do recurso extraordinário aos casos já mencionados no art. 9º, parágrafo único, c, do Decreto 848/1890.

Com a emenda constitucional de 1926, ampliaram-se as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, além de ser modificada aquela hipótese de cabimento já mencionada na alínea a do § 1º do art. 59 da CF/1891. Deveras, de acordo com a redação do art. 59, § 1º, a, com a emenda constitucional de 1926, o recurso ao STF passou a ser cabível “quando se questionar sobre a vigência, ou a validade das leis federais em face da Constituição e a decisão do Tribunal do Estado lhes negar aplicação”.

Além disso, inseriu-se a alínea c ao § 1º do art. 59 da CF/1891, acrescentando o cabimento de recurso quando “dois ou mais tribunais locais interpretarem de modo diferente a mesma lei federal” (art. 59, § 1º, c, da CF de 1891, com redação da EC de 1926). Veja-se, portanto, que a emenda constitucional de 1926 veio a consagrar o cabimento de recurso para o STF nas hipóteses de divergência jurisprudencial.

Releva mencionar que a reforma da Constituição de 1891, implementada pela emenda constitucional de 1926, trouxe ainda outra hipótese de cabimento de recurso ao STF, quando “se tratar de questões de direito criminal ou civil internacional (art. 59, § 1º, d).

A Constituição Federal de 1934, no art. 76, III, foi a primeira carta constitucional a denominar o recurso ao STF de “recurso extraordinário”. Na legislação infraconstitucional, tal denominação já era encontrável no art. 33, § 4º, do primeiro regimento interno do STF, de 1891, no art. 24 da Lei 221 de

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1894, bem como nos arts. 678, d, e 744 do Decreto 3.084, de 1898. Ademais, previu-se, na CF/1934, a possibilidade de interposição de recurso extraordinário quando a decisão recorrida contrariasse literal disposição e tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se houvesse questionado.

De acordo com o art. 76, III, da CF/1934, competia ao STF julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais, em única ou última instância: a) “quando a decisão for contra literal disposição e tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado”; b) “quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal...

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