O Recurso Extraordinário Nº 845.779-SC
Autor | Renan Sales de Meira |
Páginas | 113-268 |
C 2
O R E Nº 845.779-SC
1. Os atores
A presente seção é destinada a expor os atores atuantes no
âmbito do Recurso Extraordinário nº 845.779-SC, em curso perante
o STF, como forma de situar o leitor deste estudo a respeito das
falas, argumentos e questões levantadas no âmbito do referido
processo judicial. Nesse sentido, são partes no processo Ama (parte
autora)1, bem como Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda.
(parte ré). Quanto à autora, ressalte-se que a postulação judicial é
feita por intermédio de advogados do Núcleo de Prática Jurídica do
Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (NPJ/CESUSC),
ou seja, um escritório modelo de advocacia vinculado a uma
instituição de ensino superior.
O feito tramitou, em primeira instância, na Unidade Judiciária
Avançada de Cooperação CESUSC – Comarca da Capital – Norte
da Ilha, integrante do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).
Proferida a sentença, fora interposto pela autora um recurso
inominado, não admitido pela Primeira Turma de Recursos da
Capital (Juizado Especial do TJSC), assim como um recurso de
apelação pela parte ré, julgado pela Terceira Câmara de Direito Civil
do TJSC2.
Além da 3ª Vice-Presidência do TJSC, que realizou os juízos
prévios de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
interpostos contra o acórdão proferido em segunda instância,
atuaram, nos tribunais superiores, a Terceira Turma, no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o Tribunal Pleno, no Supremo
Tribunal Federal (STF), sob relatoria do Min. Barroso. Atualmente, o
processo se encontra em curso perante esta Corte Suprema, fora da
pauta de julgamentos em virtude de pedido de vista formulado pelo
Min. Fux na sessão de julgamento do dia 19 de novembro de 2015.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), em 21 de outubro de
2015, apresentara parecer nos autos, enquanto o feito já tramitava
no STF. Quantos aos demais atores, tem-se que, até a data indicada
anteriormente como marco para a realização desta pesquisa (15 de
junho de 2016), solicitaram a intervenção no feito, na qualidade de
amicus curiae, diversas entidades.
Dentre essas, negou-se a admissão nos autos, nessa qualidade,
ao Grupo Dignidade3 (BRASIL, 2015b, 2015d), ao Transgrupo
Marcela Prado - TMP4 (BRASIL, 2016a) e ao Conselho Federal de
Psicologia5 (BRASIL, 2016b), oportunizando o Min. Rel. Barroso,
contudo, a apresentação de memoriais. Lado outro, admitiu-se ao
feito, como amici curiae, o Centro Latino-Americano em Sexualidade
e Direitos Humanos (CLAM) e o Laboratório Integrado em
Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (LIDIS),
conjuntamente, ambos os núcleos universitários vinculados à
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), bem como a
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT) e o ANIS - Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero6.
Quanto ao CLAM e ao LIDIS, foram representados pela Clínica
de Direitos Fundamentais da UERJ, tendo apresentado parecer
anteriormente à sessão de julgamento do dia 19 de novembro de
2015, bem como realizado sustentação oral nesta oportunidade. No
tocante à ABGLT, realizara sustentação oral naquela ocasião, e
protocolara memoriais, conjuntamente com o Grupo de Advogados
pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS)7, posteriormente a
tal participação, transcrevendo trechos substanciais da intervenção
na oportunidade, bem como rebatendo alguns argumentos
aduzidos, pelos Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Ricardo
Lewandowski, durante a sessão de julgamento. Ressalte-se que,
nesta sessão, o NPJ/CESUSC também defendeu oralmente as
teses apresentadas a favor da autora.
2. A postulação inicial e manifestações da parte autora
2.1 Fatos e teses da petição inicial
Consta, na petição inicial do processo judicial em que interposto
o Recurso Extraordinário nº 845.779-SC, que a autora Ama, como é
conhecida, dirigiu-se a banheiro feminino de acesso público
localizado no Shopping Beiramar, de propriedade de Beiramar
Empresa de Shopping Center Ltda., ré nos autos em questão.
Entretanto, após abordagem realizada por uma funcionária desta,
teria sido retirada do local, sob o argumento de que sua presença
naquele banheiro acarretaria constrangimentos às mulheres
presentes.
Ademais, afirma-se que, quando conduzida até a presença do
superior hierárquico daquela funcionária, na busca por explicações
para a situação, teria Ama sido objeto de diversas ofensas, quanto à
sua condição de transexual. Sem conseguir algum local adequado
para realizar suas necessidades e, diante do alegado nervosismo
em decorrência do ocorrido, teria aquela defecado em suas próprias
vestes, no corredor do referido shopping center. Em virtude do fato,
a autora se submetera a necessários tratamentos e
acompanhamentos médicos e psicológicos.
No que interessa ao presente estudo8, a petição inicial
caracteriza a conduta dos funcionários da ré como violadores da
dignidade humana, nesta incluídos os princípios da liberdade e
igualdade, citando, como dispositivos constitucionais pertinentes
para análise do caso, o art. 3º, I e IV, bem como o art. 5º, caput.
Quanto à acepção de igualdade adotada, referiu-se à igualdade
material, “segundo a qual as pessoas, quando desiguais, devem ser
tratadas conforme suas desigualdades” (AMA, 2009b, p. 11).
Assim, conforme a exordial, o tratamento alegadamente
discriminatório sofrido pela autora teria violado a autonomia desta e,
ademais, a caracterizado como alguém que não seria merecedora
de tratamento digno e igualitário em relação aos demais, em virtude
de sua condição de transexual. Desse modo, a simples prática de
atos discriminatórios danificaria o direito fundamental de igualdade,
surgindo a pretensão de indenização por danos morais, decorrência
O direito à indenização seria reforçado pela lesão acarretada à
dignidade da autora, atestada pelos sentimentos de desânimo e
apatia ocasionados a Ama, que teria necessitado, posteriormente ao
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