Recurso Ordinário

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas225-257

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1. Breves notas históricas

O recurso ordinário trabalhista corresponde, em essência e sob o aspecto finalístico, à apelação do processo civil (CPC, art. 1.009), conquanto não seja difícil apontarem-se naturais diferenças de forma (ou extrínsecas) entre um e outro, que atendem às singularidades dos respectivos ordenamentos jurídicos em que se inserem esses meios de impugnação às resoluções jurisdicionais.

O recurso ordinário está diretamente ligado ao princípio do duplo grau de jurisdição — que, todavia, não possui sede constitucional.

No plano do direito comparado, a apelação encontra símile em diversas legislações ocidentais, como é o caso da apelação portuguesa; da apelación do direito espanhol (e, em sentido mais amplo, do hispano-americano); do appel francês; do appello italiano; do appeal inglês e norte-americano; da berufung alemã e austríaca etc.

Historicamente, a apelação tem as suas raízes na appellatio romana. Praticada inclusive no período da cognitio extra ordinem; essa appellatio era interponível (oralmente, ou por intermédio de libelo escrito) perante o iudex a quo e destinava-se a impugnar as sententias e não as interlocutiones: ela constituía, precipuamente, meio de obter o reexame de decisões com base em supostos errores in iudicando, embora tenha sido usada, em certos casos, para a denúncia da invalidade, e não da injustiça da sentença”.

No direito intermédio ampliou-se a interponibilidade da apelação, que passou a ser admitida também quanto às decisões interlocutórias (ao menos em grande parte delas). Mais tarde, a apelação acabou atraindo para si as funções até então próprias da querela nullitatis sanabilis, com o que se firmou também como meio adequado à impugnação dos vícios de atividade, mantendo, todavia, a sua finalidade primitiva de sanar erros de juízo ou de injustiça.

Já no direito lusitano, a princípio, admitia-se a apelação contra decisões de primeiro grau, fossem definitivas, terminativas ou interlocutórias. É verdade que após séculos de utilização ampla da apelação o direito português impossibilitou a sua interponibilidade das decisões interlocutórias, com o propósito de evitar o procrastinamento do processo, a despeito de terem surgido, algum tempo depois e justamente em decorrência desse fato, as querimas ou querimonias, empregadas para pedir ao rei a cassação das interlocutórias que tivessem provocado prejuízo às partes.

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O recurso ordinário do processo do trabalho, contudo, enquanto instituto trabalhista, não tem raízes históricas remotas; isso talvez se deva ao fato de esse recurso constituir, ontologicamente, uma variante peculiar da apelação civilista; uma espécie de expressão sui generis daquele meio recursal secular do processo comum. Sob este ângulo, pode-se afirmar que, no Brasil, as origens do recurso ordinário trabalhista se confundem com a própria atualidade, na razão em que esse meio impugnativo foi introduzido entre nós pela legislação dos tempos modernos. Façamos um retrospecto dessa legislação.

  1. Em 1932, o Decreto n. 21.396, de 12 de maio, criou as Comissões Mistas de Conciliação, dotando-as de competência para julgar os conflitos coletivos de trabalho. No mesmo ano surgem, pelo Decreto n. 22.132, de 25 de novembro, as Juntas de Conciliação e Arbitragem, destinadas a dirimir os conflitos individuais, que haviam ficado à margem do Decreto anterior (n. 21.396). Esses órgãos tinham natureza administrativa e constituíam grau de jurisdição única para as decisões que prolatassem (art. 18). Previa-se no Decreto n. 22.132 (art. 29) a figura da avocatória, segundo a qual se facultava ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio rever a decisão proferida pelas Juntas de Conciliação, no prazo de noventa dias, a requerimento do interessado, sempre que este tivesse demonstrado a “fiagrante parcialidade dos julgadores” ou a expressa violação de direito.

    Não se pode afirmar, entretanto, que a extinta avocatória apresentava as mesmas características dos meios típicos de impugnação às resoluções judiciais, em particular do recurso ordinário. Enquanto a interposição deste subordinava-se à mera insatisfação da parte diante da decisão desfavorável, aquela continha certos requisitos de admissibilidade que deveriam ser atendidos pelo interessado, a saber: manifesta parcialidade dos julgadores ou violação expressa de direito. Segundo Alcides de Mendonça Lima (Recursos Trabalhistas. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 139), em ambos os casos ela assemelhava-se à ação rescisória do processo comum, porque os pressupostos daquele remédio eram idênticos aos que sempre caracterizaram dita ação e que se acham consagrados no CPC. Como a rescisória, a avocatória não era admitida quando a decisão fosse apenas injusta; também não o era quando fosse decorrente de razoável interpretação de norma legal.

    A avocatória, porém, pode ser incluída na classe dos recursos (embora sui generis) se atendermos ao critério de ser da essência destes buscar a reforma das decisões desfavoráveis. Para esse efeito, é irrelevante o fato de a reforma ser obtida no mesmo grau de jurisdição e até mesmo ante o próprio juiz proferidor da sentença impugnada. Tal era o caso, por exemplo, dos embargos infringentes do julgado, oponíveis na Justiça Federal Comum (Lei n. 6.825/80, art. 4.º).

  2. Em 1939, o Decreto-lei n. 1.237, de 2 de maio, instituiu a Justiça do Trabalho. Essa norma legal foi modificada pelo Decreto-lei n. 2.851, de 10 de dezembro do mesmo ano, sendo regulamentada pelo Decreto n. 6.996, de 12 de dezembro de 1940.

    Podem ser destacadas as seguintes singularidades do processo do trabalho, ao tempo que esteve a viger o Decreto-lei n. 1.237/39:

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    1) competia ao próprio órgão (inferior ou superior, conforme fosse o caso) dirimir os incidentes processuais, não cabendo recurso de decisões interlocutórias, exceto se fossem terminativas do processo;

    2) os recursos eram interponíveis das decisões definitivas por simples petição, sendo destituídos de efeito suspensivo, com o que se permitia a execução provisória da sentença, até a penhora;

    3) sempre que a condenação fosse ao pagamento de salários, férias ou indenizações (esta, até certo valor), a admissibilidade do apelo estava vinculada ao depósito prévio dessas quantias;

    4) previa-se o recurso de embargos, que era julgado pela própria Junta, nos casos de sua alçada;

    5) os prazos recursais eram fixados de modo heterogêneo, sendo de dez dias nas ações individuais, de vinte dias nas coletivas e de cinco dias naquelas que fossem de alçada do juízo de primeiro grau;

    6) quando as decisões do Conselho Regional do Trabalho conferissem à lei inter-pretação divergente da que tivesse sido dada por outro Conselho Regional ou pelo Conselho Nacional, cabia recurso para este;

    7) ordenava-se a remessa de ofício, pelo Presidente do Tribunal, ou a interposição de recurso pela Procuradoria do Trabalho, das decisões proferidas nas ações (dissídios) coletivas que afetassem empresa de serviço público;

    8) previa-se o recurso de revisão após o decurso de mais de um ano de vigência das decisões proferidas em ações coletivas, contanto que as circunstâncias que as justificaram tivessem sido alteradas de tal forma que se tornassem injustas ou inaplicáveis. A iniciativa de obter essa revisão era atribuída ao próprio tribunal proferidor do acórdão, à Procuradoria do Trabalho, às associações sindicais ou ao empregador. Cabia ao mesmo tribunal que proferiu a decisão apreciar a revisão, podendo os interessados, o Presidente do próprio órgão ou a Procuradoria interpor recurso desse novo pronunciamento;

    9) o agravo era o meio adequado para atacar as decisões do juiz proferidas em execução, sendo oferecido em cinco dias; embora não tivesse efeito suspensivo, facultava-se ao juiz sobrestar o andamento do feito até que fosse julgado o recurso.

    É conveniente observar que o Decreto n. 6.996/40, regulamentador do Decreto-lei n. 1.237/39, procurou disciplinar e sistematizar os recursos em:

    1) embargos;

    2) ordinários;

    3) extraordinários; e

    4) agravo.

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    1)Osembargos eram oponíveis às decisões de primeiro grau, nas ações individuais versando sobre salários, férias e indenização e também às decisões dos Conselhos Regionais em inquéritos administrativos, desde que por unanimidade de votos.

    2)Orecurso ordinário era interponível das sentenças proferidas nas ações que não fossem de alçada exclusiva dos órgãos de primeiro grau.

    3)O recurso extraordinário cabia das decisões prolatadas em única ou última instância pelos Conselhos Regionais, que atribuíssem à mesma norma legal interpretação discrepante da que tivesse sido dada por outro Conselho Regional, pela Câmara da Justiça do Trabalho ou pelo Conselho Nacional do Trabalho, em sua composição plena. Em verdade, esse recurso extraordinário não corresponde ao idêntico remédio previsto no processo civil atual (art. 1.029), pois nada mais era que o de revista a que se refere o art. 906 da CLT.

    4)Oagravo era interponível das decisões proferidas pelo juiz na execução, sendo por ele próprio julgado. Curiosamente, no entanto, se a decisão impugnada fosse proferida por juiz de direito, o agravo seria julgado pelo juiz da comarca mais próxima investido na administração da Justiça do Trabalho, a quem o magistrado prolator da decisão agravada...

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